Novo Código de Processo Civil altera citação e possíveis posturas do réu: por Ravi Peixoto

goo.gl/4upZtb | A citação é considerada “uma condição de eficácia do processo em relação ao réu (artigo 312, CPC/2015) e, além disso, requisito de validade dos atos processuais que lhe seguirem”.[1] Para que o processo possa ser eficaz perante o réu[2] é imprescindível a existência e a regularidade da citação, com a exceção das hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido (artigo 239, caput, CPC/2015).

Havendo algum vício nesse ato e comparecendo o réu espontaneamente no processo, existem algumas possibilidades de atuação do réu e que foram bastante modificadas no CPC/2015. Esse comparecimento pode ocorrer, por exemplo, pela juntada de procuração com poderes para atuar especificamente naquela ação[3] ou mesmo pela carga dos autos.[4]

A bem da verdade, a regulação para esse tema deve ser aplicada também para os casos em que há vício na citação e, posteriormente, de alguma forma, o réu é comunicado do processo formalmente. Por exemplo: em ação em que o município é réu, mas, por algum motivo, nem o procurador e nem o prefeito são citados (artigo 75, III), não é oferecida a defesa e decretada a revelia. Em um posterior momento, o município é comunicado de algum ato, por exemplo, para indicar as provas mesmo sendo revel. Ora, nesse momento, embora não haja exatamente um comparecimento espontâneo, a regulação ora tratada deve ser aplicada também a esses casos.

Apenas deve ser destacado que se trata aqui do caso em que o réu toma conhecimento do processo antes do seu trânsito em julgado e as discussões acerca das suas possíveis atitudes. Como o vício ou a inexistência da citação é um vício transrescisório, pode ser alegado por meio da impugnação ao cumprimento de sentença, caso o processo de conhecimento tenha corrido à sua revelia (artigo 525, §1º e artigo 535, I, do CPC/2015) ou mesmo por meio da querela nullitatis.

No CPC/1973, existiam três alternativas: a) poderia o réu comparecer ao processo para arguir tão somente invalidade da citação (artigo 214, § 2º, CPC). Caso reconhecida pelo juiz a invalidade, o prazo para contestar iniciaria da intimação da decisão; b) poderia o réu comparecer ao processo alegando a invalidade da citação e oferecendo a resposta ao pedido do autor. Não admitindo a alegação de invalidade, reconheceria a revelia. Entendendo inválida a citação, daria andamento ao processo a partir da defesa apresentada[5] e c) comparecer ao processo apenas oferecendo resposta sem arguir a nulidade. Oferecida dentro do prazo originário, está sanado o vício e o processo continua. Sendo intempestiva com base na citação inexistente ou defeituosa, o juiz pode considerar a defesa tempestiva caso identifique, de ofício, o defeito da citação, contando o prazo da defesa do comparecimento do réu.[6]

Perceba-se que o CPC/1973 criava um incidente em que regulava detalhadamente apenas uma defesa dilatória, qual seja, a alegação de nulidade ou inexistência da citação pelo réu. Isso fazia com que houvesse a possibilidade de longa discussão apenas sobre esse tema para que, apenas depois é que pudesse ao réu ser oportunizado um adequado prazo de defesa.

O CPC/2015, pautado por uma ideia de duração razoável do processo altera os caminhos a serem seguidos pelo réu no caso de inexistência ou vício da citação e o seu comparecimento pessoal.

Afirma o artigo 239, §1º que: “O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução”. Pelo novo texto normativo, ocorrendo a inexistência ou vício da citação, o comparecimento do réu ou executado a suprirá e, a partir deste comparecimento já inicia o seu prazo — a bem da verdade, o prazo flui desse evento, mas é contabilizado apenas a partir do dia útil seguinte, nos termos do artigo 224 do CPC — [7] para contestar ou oferecer os embargos à execução. É desnecessária qualquer decisão do magistrado para que o prazo comece a fluir.

Em outros termos, o CPC/2015 regulou o comparecimento de forma a criar um regulamento que organiza o oferecimento da defesa pelo réu ou executado que não foi devidamente citado, evitando que este compareça apenas para alegar a nulidade. Observe-se que esta nova regulação evita uma dilação indevida do processo, pois, reconhecendo o juiz a nulidade da citação, não precisará intimar novamente o réu para, apenas a partir deste momento, iniciar o seu prazo para oferecimento da contestação ou dos embargos à execução.

Uma vez oferecida a defesa e rejeitada a alegação de nulidade, no processo de conhecimento, o réu será considerado revel e, na execução, o feito terá seguimento (artigo 239, §2º, I e II). Nesses casos, embora seja admissível o desentranhamento da contestação intempestiva,[8] não parece ser o caso, em face da alegação também da nulidade, que pode eventualmente ser alvo de recurso. É possível imaginar, por exemplo, o requerimento de que a parte da defesa — para além da nulidade — seja riscada.[9]

De acordo com o artigo 239, §1º, não existe mais a possibilidade de o réu comparecer tão somente para alegar a nulidade e, apenas depois da decisão do magistrado reconhecendo-a, oferecer a sua defesa.[10] Por mais que, talvez, tal previsão normativa gerasse mais segurança quanto ao início do prazo, esta não foi a escolha do CPC/2015. Parece-nos que, caso o réu ou o executado opte por apenas alegar o vício ou a nulidade da citação sem oferecer, juntamente, a contestação ou os embargos à execução, o respectivo prazo já estará fluindo desde o seu comparecimento espontâneo.[11] O prazo não irá iniciar da decisão que reconhece a invalidade, mas do momento em que o réu compareceu ao processo, nem que seja apenas para alegar a sua nulidade. Isso significa que, apenas alegando a nulidade, o juiz até pode reconhecê-la, e, com isso decretar a nulidade dos atos praticados após a citação defeituosa, mas provavelmente o prazo para a apresentação da defesa já terá terminado.

Existem, no entanto, duas hipóteses em que parece possível ao réu alegar tão somente a nulidade sem que tenha o seu prazo para a defesa iniciado automaticamente a partir do comparecimento pessoal.

Parece possível que o réu possa comparecer e alegar apenas a nulidade, requerendo a concessão de prazo para a apresentação da defesa com base no artigo 223, comprovando alguma justa causa que o impediu de contestar ou apresentar os embargos à execução, a exemplo da impossibilidade de acesso aos autos. Para tanto seria aplicável ainda, de forma analógica, o artigo 272, §9º, do CPC/2015, que permite que a parte alegue apenas a nulidade da intimação, nos casos em que não tenha tido acesso aos autos, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça.[12] De qualquer forma, essa possibilidade de alegação apenas da nulidade e início do prazo da decisão que a reconheça depende da comprovação de justa causa. Assim, a regra geral é a de que o prazo será iniciado do comparecimento do réu ou do executado e não da decisão que reconhece a nulidade da citação.

Uma segunda hipótese pode ocorrer no caso de o processo já estar no tribunal, caso em que não haverá mais, para o réu, condições legais de imediatamente contestar ou embargar a execução. Caberia ao tribunal anular todos os atos posteriores à petição inicial, reabrindo o prazo para a defesa, contanto o respectivo prazo apenas a partir do retorno dos autos ao primeiro grau.[13] De fato, a hipótese seria rara, pois, em geral, a revelia implica na vitória do autor, mas é possível tanto imaginar uma hipótese de procedência apenas parcial e haver recurso do autor e as situações em que o ente público seja réu e ocorra a aplicação do reexame necessário.

Portanto, é preciso ficar atento na mudança realizada pelo CPC/2015 acerca das possíveis posturas do réu ou do executado no caso de inexistência ou irregularidade na citação. Não mais é possível, em regra, alegar apenas a nulidade, devendo esta ser apresentada em conjunto com a contestação ou com os embargos à execução, sob pena de não mais ser possível fazê-lo por conta do fim do prazo iniciado do comparecimento do réu ou do executado.

1 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1, p. 607.

2 Ainda há quem entenda ser a citação um pressuposto de existência. Por todos, cf.:: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 6ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 52-53, 354.

3 STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 336.263/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 15/10/2015, DJe 09/11/2015.

4 STJ, 3ª T., AgRg no REsp 1.474.781/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 01/10/2015, DJe 16/10/2015.

5 Entendendo que, nesses casos o juiz poderia abrir prazo para que o demandado pudesse complementar a sua defesa que pode ter sido oferecida sem grande apuro, incompleta: (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 5ª ed. São Paulo: RT, 2013, p. 219).

6 Entendo possível a análise de ofício do vício na citação: ASSIS, Araken de. Processo civil brasileiro. São Paulo: RT, v. II, t. I, p. 1595; STJ, 4ª T., REsp 22.487-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 02/03/1992, DJ 29/06/1992.

7 ROQUE, André. Comentários ao art. 239. ROQUE, André; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de; DELLORE, Luiz. Teoria geral do processo – comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2015, p. 734.

8 STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 233.238/SE, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 23/10/2012, DJe 06/11/2012.

9 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo... cit., p. 219.

10 No mesmo sentido: ROQUE, André. Comentários ao art. 239... cit., p. 734; MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. São Paulo: RT, 2015, versão digital, comentários ao art. 239, tópico IV. Em sentido contrário: OLIANI, José Alexandre Manzano. Comentários ao art. 239. DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DANTAS, Bruno (coords). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, p. 688; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Comentários ao art. 239. CUNHA, Leonardo; NUNES, Dierle; STRECK, Lenio Luiz; FREIRE, Alexandre (coord). Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 348.

11 No mesmo sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 142; THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 56ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. 1, p. 540.

12 MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado... cit., comentários ao art. 239, tópico IV.

13 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil... cit., p. 540.

Por Ravi Peixoto
Fonte: Conjur

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