Comentários de jornalista sobre jovem 'marginalzinho' não geram indenização

goo.gl/XZUVGS | O sistema jurídico assegura o direito de manifestação dos intolerantes e, com isso, exige de todos o dever de tolerância com os intolerantes. Assim entendeu o juiz federal José Carlos Francisco, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, ao rejeitar pedido do Ministério Público Federal contra o SBT, por declarações feitas pela jornalista Rachel Sheherazade em 2014.

Em fevereiro daquele ano, a apresentadora comentou notícia de que um adolescente de 15 anos havia sido agredido e acorrentado pelo pescoço a um poste, com um cadeado de bicicleta, e deixado sem roupas. Suspeito de furto, o jovem foi rodeado por um grupo de justiceiros na zona sul do Rio de Janeiro.

Sheherazade afirmou que “o marginalzinho” tinha a ficha criminal suja e que “a atitude dos vingadores é até compreensível”, diante de um Estado “omisso”, uma polícia “desmoralizada” e uma Justiça “falha”. “O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite. E aos defensores dos direitos humanos que se apiedaram (...), eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”, disse a jornalista.

A fala virou alvo do MPF, que apontou o uso de uma emissora de TV — serviço público da União — para pregar apologia ao crime e a aceitação da tortura, ofendendo o direito de defesa, a dignidade da pessoa humana e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Ação Civil Pública pedia que o SBT pagasse indenização R$ 532 mil, por dano moral coletivo, e também incluiu como ré a União, para que fosse obrigada a fiscalizar o telejornal “SBT Brasil”.

Os argumentos foram rejeitados pela Justiça Federal, em sentença publicada nesta segunda-feira (10/10). Para o juiz, o exercício da liberdade de imprensa, “próximo ou no extremo da tolerância com os intolerantes"faz parte das sociedades democráticas. “Nas sociedades pluralistas contemporâneas, não há uma única verdade pois não há uma única maneira de ler ou ver as diversas manifestações da realidade dinâmica e complexa”, disse ele.

“Embora em regra o exercício dos direitos fundamentais tenha limites jurídicos (incluindo a liberdade jornalística), nos extremos do pluralismo, o sistema jurídico também assegura o direito de manifestação dos intolerantes e, com isso, exige dos demais o dever de tolerância com os intolerantes”, escreveu. O juiz também disse que nem todos os telespectadores concordam com essa forma de reação à violência.

Observador externo

A decisão também reconhece que a União já fiscaliza a programação televisiva, “de maneira a evitar o cometimento de abuso de direito”. Prova disso é que o governo federal chegou a instaurar processo de infração contra o SBT, por causa do episódio, concluindo pela ausência de irregularidades. O juiz afirma que a União tem o dever de monitorar os conteúdos veiculados, mas não o de promover censura prévia. 

Clique aqui para ler a sentença.
Processo 0016982-15.2014.4.03.6100

Por Felipe Luchete
Fonte: Conjur

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