Podemos ter um processo penal fascista em plena democracia, diz Alberto Toron

goo.gl/katzEo | Para o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron, o momento vivido atualmente pelo processo penal é paradoxal, pois há o risco de o Brasil, depois de 28 anos de plena democracia, ter um processo penal fascista. “Corremos perigo de, em pleno período democrático, retroagirmos ao processo penal vigente no Estado Novo”, disse durante audiência pública para debater o Projeto de Lei 4.850/2016, conhecido como as 10 medidas do Ministério Público Federal para combater a corrupção.

O projeto é polêmico, pois apresenta propostas que fogem do modelo constitucional brasileiro, como o uso de prova ilícita obtida de boa-fé e o teste de integridade para servidores públicos. Na sessão, o advogado tratou especificamente das questões ligadas ao Habeas Corpus, que, a pretexto do combate à criminalidade, pode ter seu alcance reduzido.

Um dos pontos abordados por Toron foi a redação do artigo 10 do projeto, que altera o artigo 647 do Código de Processo Penal. O dispositivo inserido na proposta do MPF determina que “dar-se-á Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal que prejudique diretamente sua liberdade atual de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”.

Segundo o criminalista, essa mudança seria um retrocesso perigoso por se aproximar da definição apresentada para o uso do HC durante o Estado Novo, que garantia o instituto sempre que alguém sofresse ou achasse que estaria na iminência de sofrer violência ou coação ilegal.

“Com a exclusão da cláusula da iminência, não apenas quando a liberdade de ir vir estivesse diretamente ameaçada, mas ainda quando essa ameaça fosse indireta, ou mesmo remota, o HC serve como instrumento para tutelar a liberdade de ir vir, que passou a ser tutelada tanto de forma direta quanto indireta”, explicou Toron.

No começo de sua fala, ele também citou o Estado Novo, pois foi lá que o “Código de Processo Penal foi gestado e parido”, e, durante esse período, segundo Toron, “se presumia a culpa e ponto”.

“O homem quer, sim, segurança contra a criminalidade, mas quer também segurança contra os abusos dos agentes estatais”, disse o criminalista, parafraseando o pensador e professor da universidade de Milão Federico Stella, morto em 2006. “As duas coisas são faces daquilo que chamamos de criminalidade, mas segurança também contra o juiz déspota, o promotor déspota, o delegado déspota”, complementou.

Outro ponto questionado por Toron foi a possibilidade de o Ministério Público apresentar agravo contra decisão concessiva de HC. “O MP já tem recurso para isso, que é o especial. Nós teremos mais um agravo para apreciar decisão concessiva. Fico imaginando, naquelas decisões em que se conceda parcialmente a ordem, e recorre a defesa ordinariamente ao Superior Tribunal de Justiça, e o Ministério Público, na parte que ficou vencido, agrava. Teremos o HC travado. Vamos mal aí.”

Toron afirma não ser possível limitar o HC, pois afetaria a paridade de armas da defesa frente à acusação. “Esse é instrumento que a cidadania tem, não é só advogado que pode impetrar”, disse, complementando que o legislador não pode limitar algo se a Constituição assim não o fez.

Preocupação com o futuro

O criminalista, que considera um absurdo retirar os mecanismos de defesa, mostra-se preocupado com as liberdades da sociedade no futuro caso o projeto do MPF seja aprovado nos moldes atuais. Ao traçar uma linha do tempo sobre o poder penal estatal, ele detalha que, apesar da reforma do Código Penal, que passou a valer em 1985 e depois foi reforçada pela Constituição de 1988, ocorreram retrocessos até os tempos atuais.

Ele exemplifica citando a lei da prisão temporária (7.960/1989), que flexibilizou a prisão preventiva, e a Lei dos Crimes Hediondos (8.072/1990), que reintroduziu a prisão preventiva obrigatória, segundo ele por via obliqua. “Nós, hoje, temos a experiência concreta de que o número de estupros não diminuiu com o aumento da pena, o número de extorsões mediante sequestro não diminuiu com o aumento da pena.”

“Nós não podemos conviver em uma sociedade em que se repudia o principal instrumento posto para a defesa do cidadão que é o Habeas Corpus”, disse, afirmando que o papel do advogado não é decorativo na hora do flagrante e que se a Constituição diz que o cidadão deve ser orientado, o advogado deve ter meios para fazê-lo. “A ampliação do caráter da prisão preventiva faz presumir a culpabilidade [...] Já temos muitas hipóteses de prisão preventiva. A lava jato foi feita toda na prisão preventiva.”

Embargos infringentes e HC como recurso

A limitação dos embargos infringentes também foi citada por Toron, que considera um erro mantê-los apenas para votos absolutórios, pois, por exemplo, caso seja apresentado um entendimento reduzindo a pena, não caberia embargos infringentes. “Não vejo porque, pois em matéria tão sensível, a redução da pena pode significar a mudança do regime prisional.”

O impedimento à apresentação de HC como recurso depois de outros instrumentos recursais, previstos ou não, também preocupa o advogado. “Não concordo. Você pode obviar uma nulidade um constrangimento pela via expedita, mais rápida.”

O advogado justificou seus argumentos com seguidos exemplos. Em um deles, ele conta que o Ministério Público de São Paulo, em um caso ocorrido em Ribeirão Preto, escolheu “a dedo” o juiz para distribuir o pedido de escutas telefônicas. “Tem juiz que tem o seu próprio CPP”, contou em outro exemplo, ao citar um desembargador que negou o direito dos advogados questionarem os réus.

Fonte: Conjur

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