Tribunal do Júri: e se um único depoimento fosse capaz de modificar o veredicto?

goo.gl/8rKtrP | E se um único depoimento fosse capaz de modificar o veredicto durante um plenário?

Aquela terça-feira (06.12.2016) prometia ser um grande dia. Um dia quente, abafado, manhã cheia de audiências em outras comarcas. Contudo, eu não podia me furtar de comparecer, acompanhar e aprender com um dos maiores tribunos atuais, junto ao Tribunal do Júri, o Dr. Jean de Menezes Severo.

Conhecido pela sua energia, eloquência e sua potencialidade retórica, seria uma grande experiência para esse rábula (como o próprio se autodenomina) aprender com um dos maiores. Como acima afirmado, o dia estava quente, muito abafado, mas a beca deveria ser usada. E assim o fiz.

Saio da audiência ocorrida na região metropolitana e me dirijo o mais rápido possível ao Foro Central de Porto Alegre. Ufa! Não havia iniciados os debates orais e me tranquilizei. Assim, decidi almoçar, pois sabia que quando iniciado os trabalhos, seria intenso, como muito apego aos detalhes e uma verdadeira aula de retórica e atuação no Tribunal do Júri.

Retomados os trabalhos, por volta das 13h30min, lá estava eu, sentado bem na frente para não perder nenhum detalhe daquele que seria um grande embate. De um lado, o Dr. Jean, a quem muito tem me espelhado.

Do outro, uma das maiores plenaristas atuando pelo Ministério Público, dotada de uma habilidade impar: conhecer muito dos jurados. Ademais, não posso me esquecer de que junto de mim, outros colegas acompanhavam atentos às discussões que seriam travadas.

É dada a palavra ao Ente Ministerial e, como de costume, inicia pela longa e respeitosa saudação a todos que ali se encontravam. Sempre achei algo um tanto desnecessário. Contudo, após ouvir, ler e ver que efetivamente a saudação é o momento de se “relaxar” no tribunal do Júri, passei a entender como de extrema importância. Feita a saudação, o agente ministerial passa à análise da prova. Prova? Mas que prova?

A única “prova” que talvez fosse possível considerar válida para um julgamento justo era o depoimento de uma testemunha. Até ai, nada de novo, se não fosse o fato de que o dito depoimento tivesse sido dado tão somente na fase inquisitorial do processo (na delegacia) e nunca mais a testemunha fosse encontrada para repetir o seu testemunho perante o magistrado e, muito menos em plenário, onde poderia dar a sua versão.

A fala do ente ministerial, eivada de emoção para a condenação batia muito nesse depoimento e que os demais “elementos de provas” davam a entender que a participação do réu era irrefutável. Até que o advogado de defesa questiona se a promotor considerava válido um depoimento tomado na fase inquisitorial do processo, eis que afirmativo.

Transcorrido o tempo regulamentar para o ente ministerial, é dada a palavra à defesa que, sem delongas, faz a sua saudação e parte para o embate. Já ouvi muito falar da atuação do Dr. Jean em plenário, mas ainda não tinha tido a oportunidade de vê-lo em ação. Senhores (as) uma verdadeira aula de atuação no júri.

Uma atuação pautada basicamente nas provas trazidas (digo: não trazidas) pelo Ministério Publico de que a principal testemunha acusatória teria dado o seu depoimento em delegacia e nunca mais teria sido encontrada.

Nesse momento, transfiro a minha atenção aos jurados, os verdadeiros juízes (02 homens e 05 mulheres) e constato que pelas feições dos homens; estavam mais inclinados à absolvição, sendo essa a única (?) medida que se impunha.

Terminada a falta do advogado de defesa, no qual estava totalmente esgotado, diante da forte atuação, o Ministério Público veio à replica, o que acontece, geralmente quando nota-se que o júri envergou-se à absolvição. Novamente: nenhuma prova robusta de que o réu, ali sentado, teria concorrido para o crime.

Apenas o depoimento da testemunha “fantasma” na delegacia. Dada novamente a palavra à defesa, foi igualmente pela absolvição pela insuficiência probatória.

Encerrados os debates, olho para o lado e converso com duas estudantes de direito e questiono-as sobre se elas absolveriam ou condenariam. A resposta foi uníssona no sentido de que, em não havendo prova robusta e tão somente um depoimento vago, a absolvição era necessária.

Contudo, no Tribunal do Júri, julga-se com a sua intima convicção sem a necessidade de motivar o seu “sim” ou o seu “não”. Dessa forma, fiquei um tanto apreensivo, olhava para o réu e me sentia angustiado.

A vida daquele rapaz, no auge da sua juventude e força física. seria posta nas mãos de 07 pessoas desconhecidas, que não necessitam motivar o seu veredicto.

Verdadeiramente, fiquei apreensivo. Olho para trás e vejo a família do réu, com um olhar de esperança, esta depositada no Dr. Jean e agora transferia à sensibilidade dos jurados.

No fim, ouve o retorno dos jurados, juiz presidente, advogado e promotor. O semblante era de satisfação por parte do Ministério Público. Tinha uma leve suspeita de que o réu fora condenado. Meus temores se concretizaram no momento em que o magistrado leu a sentença: 15 anos de reclusão sem ter uma única prova inequívoca.

Saí daquele júri com muita indignação. Certamente, a decisão tomada naquele dia não foi a mais justa. Os motivos que levam os jurados a entenderem dessa ou daquela forma jamais saberemos. Contudo, naquele noite não consegui dormir pensando: onde estará a testemunha que não foi mais encontrada?

Por Douglas Livramento
Fonte: canalcienciascriminais

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