A ordem de prisão preventiva contra o estudante Allan Bonfim Silveiro foi emitida de ofício pelo juiz Edmundo Lellis Filho, da Vara do Júri de Santos. No Habeas Corpus, os advogados Eugênio Malavasi e Patrick Raasch Cardoso argumentaram que o estudante sofria “constrangimento ilegal” com a prisão.
No plantão do TJ-SP, o desembargador reconheceu que os fundamentos da prisão preventiva (garantia da ordem pública e da instrução criminal) não estavam presentes no caso. “A alegação de que ele (Allan) desenvolvia alta velocidade com o veículo não é motivo suficiente para que se possa afirmar que, apenas preso o paciente (réu), a ordem pública ficará garantida”, observou.
O desembargador também não viu risco ao regular andamento do processo, porque Allan compareceu à delegacia para ser interrogado e indiciado, além de possuir residência fixa em Santos e em Curitiba, onde cursa faculdade. Aliás, por esse motivo, o réu foi “facilmente localizado” um dia após a decretação da sua prisão, conforme observou o desembargador.
Ressalvas
Segundo a decisão, o universitário é primário e não representaria perigo para a sociedade. Entretanto, o desembargador determinou a entrega de sua carteira de habilitação esuspendeu o direito de dirigir até o fim do processo. Allan ainda deverá comparecer a todos os atos processuais para os quais for intimado e justificar as suas atividades à Justiça a cada dois meses.
O jovem também não poderá frequentar bares, casas noturnas e outros estabelecimentos do gênero, devendo estar em casa após as 21 horas e nos fins de semana, exceto nos dias em que estiver cursando faculdade. O descumprimento das condições impostas acarretará a decretação da prisão do rapaz.
Histórico
O acidente aconteceu em julho de 2016 e deixou uma pessoa morta. Após sair de uma festa com dois amigos, o motorista perdeu o controle e atingiu um poste e dois carros. Um dos acompanhantes perdeu o braço no acidente e morreu. Allan Silveiro se apresentou a polícia cinco dias depois. Ele negou ter ingerido álcool e que dirigia a cerca de 70 km/h — o jovem atribuiu o acidente a um desnível na pista.Na ocasião, a defesa do motorista alegou que o rapaz não teria fugido ou cometido omissão de socorro, justificando a retirada do jovem do local do acidente ao fato dele ter ficado “assustado”. O braço, segundo a defesa, foi pego por Allan e colocado em um balde de gelo na tentativa de possibilitar eventual reimplante.
O promotor Daniel Martori ofereceu denúncia contra Allan por homicídio doloso, mas não requereu a sua prisão. Ele seguiu a mesma interpretação jurídica da delegada Lilian Rodrigues Abdalla, responsável pelo inquérito policial, que também não viu a necessidade de se prender cautelarmente o acusado.
Apesar disso, ao receber a denúncia, o juiz Lellis Filho decretou a preventiva de ofício. De acordo com o magistrado, “a devastação física e material causada pela ocorrência corriqueira de tais delitos impactam a sociedade negativamente, acentuando as sempre decantadas impunidade e deficiência dos mecanismos persecutórios do Estado”.
O juiz também frisou que, conforme laudo pericial, “o automóvel imprimia velocidade própria para a decolagem de uma aeronave (133,9 km/k), tanto é que, efetivamente, decolou, mas, não sendo dotado de aerofólios aerodinâmicos próprios, descontrolou-se a máquina e houve a colisão”.
A ordem de prisão foi cumprida por policiais civis de Curitiba, onde Allan estuda Economia. Ele foi detido quando entrava na sala de aula. Ele demonstrou surpresa e indignação por ser detido na frente de colegas e professores. Apesar de ter domicílio em Santos, ele foi localizado por meio de perfil em uma rede social.
No Habeas Corpus, o advogado Eugênio Malavasi disse que a gravidade do acidente, por si só, não justifica a prisão preventiva do acusado, devendo ela ser considerada apenas na hipótese de eventual condenação, no momento da fixação da pena. Segundo o advogado, o estudante não criou qualquer embaraço à apuração do caso, fazendo jus a responder ao processo solto.
Motivos rejeitados
Não é a primeira vez que as alegações do juiz Edmundo Lellis Filho em suas decisões são rejeitadas no TJ-SP. Em fevereiro, a 14ª Câmara Criminal trancou um inquérito instaurado pelo magistrado contra uma mulher porque ele a considerou o “motivo” de um crime por ciúmes.A mulher era testemunha e teve a prisão decretada. Ela não negou que mantinha um relacionamento com a vítima (seu namorado) e o autor do assassinato (seu ex-companheiro) — o homem foi condenado a 18 anos de reclusão. Para o juiz, as revelações da mulher “causaram séria perturbação, trazendo reforço à sensação pública de que se vive em uma sociedade impune e, eticamente, apodrecida em seus valores morais”.
Além de ordenar a instauração do inquérito, Lellis decretou, sem a ciência do MP, a prisão preventiva da mulher. A ordem de captura foi cumprida em 26 de outubro de 2016 e a mulher foi solta seis dias depois, por determinação do próprio juiz. Isso porque o promotor Cássio Serra Sartori não ofereceu denúncia contra a testemunha. Sem vislumbrar qualquer indício contra ela, o promotor classificou a prisão de “arbitrária e abusiva”.
Em outro caso, a 15ª Câmara Criminal suspendeu apuração aberta pelo juiz contra seis policiais suspeitos de homicídio, mesmo após o Ministério Público ter se manifestado pelo arquivamento devido à ausência de indícios mínimos de autoria. Em 2016, Lellis Filho identificou lacunas na apuração da morte de um adolescente de 17 anos, ocorrida em 2014.
Na ocasião, o juiz determinou a reconstituição do caso e, para que isso ocorresse sem qualquer interferência, mandou prender os seis PMs em caráter temporário, sem a prévia ciência do MP. Os policiais foram soltos em seguida e seus advogados reclamaram de cerceamento de defesa.
Por não concordar com as razões de arquivamento da promotoria, o juiz remeteu o procedimento à Procuradoria-Geral de Justiça, que confirmou o parecer do promotor. Mesmo assim, Lellis Filho não arquivou a apuração contra os PMs, o que só foi revertido no TJ-SP.
Fonte: Conjur