Minha primeira experiência no Tribunal do Júri foi inesquecível! - Por Gabriel Salmen

goo.gl/5bxa11 | Era dia 06 de junho, 2 dias depois de haver completado 22 anos de idade. Eu fazia pela primeira vez o que faço aqui hoje: na condição de estagiário, “invadia” um espaço dedicado a advogados já formados e, em sua maioria, consagrados.

Pouco tempo antes, encontrei com o grande Dr. João, advogado responsável pelo Serviço de Assistência Judiciária da minha Universidade, nos corredores do Fórum e recebi o convite de auxiliá-lo no primeiro Júri realizado pelo nosso núcleo de prática jurídica, no qual tive o prazer de atuar durante 3 semestres, levando-o em paralelo com outro estágio.

Como era de se esperar de um aluno do 9º período, minha experiência era pouca, especialmente para fazer a primeira sustentação oral: apenas um Júri simulado, realizado um semestre antes. Além disso, participei de inúmeros Júris na condição de auxiliar de Juiz, nos quais sempre observei atentamente os profissionais que lá atuavam, sabendo que um dia minha hora chegaria.

Em relação ao caso concreto, era relativamente simples, mas conforme o Mestre Evandro Lins e Silva (1991), quanto mais simples o caso, maior a responsabilidade do advogado.

Segundo constava da denúncia, o réu, morador de uma vizinhança conturbada, após ter sua casa furtada e depredada por dois menores infratores, apoderou-se um revólver que mantinha em casa, agrediu-os e, ao final, disparou um tiro, que acabou acertando em um muro.

Tratava-se de um caso antigo: os fatos haviam ocorrido há mais de dez anos. A denúncia inicialmente capitulava os crimes de lesão corporal, disparo e porte de arma de fogo.

Contudo, após a Audiência de Instrução e Julgamento (realizada inclusive antes da reforma do CPP), os autos foram remetidos para o Ministério Público para fazer o aditamento, constando, a partir daí, a tentativa de homicídio.

Por volta de 2010 o réu foi pronunciado e, em razão dos recursos interpostos, o julgamento em plenário só veio a ser realizado em julho de 2017, durante meu último semestre no Núcleo de prática da Universidade.

Que oportunidade!

Após intensa preparação, realizada simultaneamente com o período de depósito da monografia e segunda fase da OAB (felizmente fui aprovado em ambos), bem como das provas finais do semestre, tendo que me dedicar ainda a meu outro estágio, chegou o grande dia.

Agora não havia mais simulação: a liberdade de um homem estava em nossas mãos.

O órgão de acusação não era formado por meus colegas de sala, mas por uma competente e combativa promotora; os jurados não eram alunos do primeiro período cheios de curiosidade, mas pessoas do povo investidas para o julgamento de um par, conforme preconiza a Constituição Federal; o tempo de fala não era reduzido, mas sim de uma hora e meia.

Diferente de como foi minha experiência anterior, agora era tudo para valer.

Havíamos dividido a inquirição das testemunhas de modo que o Dr. João perguntaria para as primeiras três arroladas pela acusação, bem como para o acusado, e eu para a última testemunha da acusação e para as testemunhas de Defesa.  Por azar, as primeiras testemunhas de acusação arroladas não compareceram, cabendo a mim fazer a primeira inquirição.

Em razão de um nervosismo natural de quem atua pela primeira vez em plenário, a ansiedade tomava conta, e a voz, saía com certa dificuldade. Após algumas inquirições, a confiança foi restabelecida a tempo, de modo que terminei as inquirições pronto para os debates orais.

Iniciados os debates, a Ilustre Representante do Ministério Público, ao fazer suas considerações iniciais, fez questão de destacar minha “coragem” por estar ali atuando antes mesmo de graduado.
Ela sabia que os crimes correlatos (porte e disparo de arma de fogo) estariam prescritos, bem como que o caso concreto não se tratava de uma tentativa de homicídio, sendo comprovada apenas a lesão corporal, aliás, lesões de natureza leve.

Deste modo, baseou sua sustentação em um julgamento com um caráter mais de advertência pela condenação, do que propriamente de punição ao réu.

Até que chega o epílogo deu um drama da vida real, conforme ilustra o supramencionado Evandro Lins e Silva (1991), e o Juiz concede a palavra aos advogados de Defesa.

Inicialmente, o Dr. João faz uma excelente sustentação oral focando na desclassificação da tentativa de homicídio para as lesões corporais, expondo os motivos que levaram o acusado a praticar os atos contidos na denúncia. Encerrada sua fala, ele me concede a palavra para encerrar os debates.

Após as saudações iniciais e os agradecimentos pela oportunidade, expus nossa tese exaustivamente trabalhada: não houve tentativa, apenas lesões corporais de natureza leve, sendo estas resultantes de violenta emoção após injusta provocação das vítimas.

Expostas estas teses, mantivemos a versão do acusado em seu interrogatório referente aos outros crimes, a arma não pertencia a ele, e o disparo por ele efetuado tinha a intenção meramente de assustar e conter as vítimas, sem que em nenhum momento tenha havido o “animus necandi”.

Em razão de relativa consonância de ideias, a Promotora não foi à tréplica, iniciando assim a votação dos jurados.

Após a desclassificação votada no segundo quesito, o Juiz singular passou a ser o órgão competente para a prolação da sentença, proferindo-a no ato. Após alguns minutos, que pareciam uma eternidade, foi lida a sentença: Absolvição da tentativa de homicídio e prescrição dos demais crimes correlatos, tendo sido portanto o acusado isento de qualquer sanção, podendo continuar sua vida em sociedade tranquilamente.

O resultado, assim como a repercussão, foi ótimo, tivemos a atuação elogiada por muitos dos que presenciaram o julgamento, além disso, pudemos demonstrar com um pouco mais de publicidade o serviço que desempenhamos no dia a dia de nosso Núcleo de Prática Jurídica.

Particularmente, tive uma experiência única e extremamente memorável, de modo que hoje posso afirmar com convicção que esse foi o primeiro Júri de muitos. Os erros e acertos certamente valerão como experiência para o futuro.

Fica aqui o relato de um jovem quase-advogado, com a intenção de que o presente texto sirva de incentivo para aqueles que, assim como eu, pretendem seguir essa carreira tão ingrata, que sofre violações e mitigações quase diárias, mas em grande parte das vezes, gratificante e inspiradora, que venham novos Júris!
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REFERÊNCIAS

SILVA, Evandro Lins e. A defesa tem a palavra: o caso Doca Street e algumas lembranças. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide. 1991.

Por Gabriel Salmen
Fonte: Canal Ciências Criminais

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