A difícil missão de defender amigos e parentes - Por Anderson Figueira

goo.gl/JkZ97r | Há anos ressalto em conversas informais e também em artigos os prazeres e alegrias que a advocacia criminal proporciona na vida dos seus praticantes, várias profissões precisam lidar com as emoções, mas ouso a dizer que somente o advogado criminalista é capaz de experimentar e conduzir a pior delas: tocar o telefone, você olha e sorri porque é de um amigo, um colega de profissão, ou um familiar seu, atende na esperança de uma conversa agradável, mas aquela pessoa ou alguém que ela ama está com um grande problema criminal.

Pronto, acabou o seu dia, ou sua noite, tanto faz, uma onda de pensamentos invade a sua cabeça, perguntas fazem sacudir seu cérebro. E você rapidamente precisa se recompor também desse choque, pois não pense em dizer para o mundo que por ser advogado criminalista, está preparado para qualquer situação, que você é gelado e nada te faz perder seu equilíbrio. Mentira, nas suas veias corre sangue, você também tem sentimentos e dentro do seu peito bate um coração.

É fundamental você estudar muito para atuar como advogado criminalista. Existe uma complexidade de conhecimentos a explorar, as ciências criminais se desdobram em múltiplas disciplinas, e em algumas vezes a chave para a absolvição de um caso é muito específica, outras vezes você vai precisar discorrer sobre uma grande variedade de matérias que poderão resolver o processo. Porém, nenhuma delas vai te ensinar a se portar quando o próximo caso é de alguém que você tem uma relação muito próxima.

Na teoria, muitos dirão que se você aplicar todo o seu conhecimento, não há com o que se preocupar, tudo dará certo e você seguro no que sabe, vai conduzir a situação da melhor forma possível. Mas, existe um ingrediente que fica machucando você o tempo inteiro numa situação dessas, que é o seguinte: você já resolveu tantos casos de pessoas estranhas, muito mais complexos que o atual, com pressão de familiares o tempo inteiro, e nada te afetou, mas nos casos em que você atua para uma pessoa muito próxima, não tem jeito, você vai querer vencer mais do que qualquer outro, porque além da expectativa dos outros, você também estará esperando isso de você mesmo, e aí é o maior perigo destas situações.

Na minha vida profissional já experimentei essas emoções algumas vezes.  Já representei amigos, colegas e parentes que tiveram acusações desde ameaças, lesões corporais, delitos de trânsito, violência doméstica, passando por tráfico de drogas e associação para o tráfico (aqui de advogados), falta de restituição de processos (recentemente de dois amigos advogados), até uma única vez de homicídio.

De todos estes casos particulares pelas minhas relações pessoais, o que mais mexeu com a minha estrutura emocional ocorreu quando numa dessas ligações do passado, tive a alegria de identificar o número de uma querida colega de graduação, porém a surpresa para mim que seu companheiro (que era bacharel em direito) tivera sua casa visitada por policiais e que encontraram drogas dentro da residência dele, e como o mesmo não estava em casa, o delegado representou pela prisão preventiva dele.

Ao assumir o caso, a prisão preventiva foi decretada pelo juiz, e assim foi mantida até o final do processo, para ele e para todos os demais acusados. Lembro que a decisão de ser apresentado foi tomada em conjunto com seus familiares, e que seria apenas no dia da audiência, distante ainda quatro meses do dia dessa conversa. Os demais réus já estavam presos desde o dia da operação policial, e nenhum deles foi colocado em liberdade durante o processo, sendo que todos eram primários, de bons antecedentes, residência fixa e tinham vínculo de trabalho. Logo, não caia na sedução de discursos midiáticos que a polícia prende e a justiça solta quando o suspeito é primário e de bons antecedentes, tem muita gente presa no Brasil com essas condições favoráveis, lotando os presídios.

Sem dúvida alguma a grande discussão desse processo se deu por conta das drogas encontradas nessas residências serem para fins de tráfico de drogas, ou se eram meninos de classe média usuários de drogas. A justiça os condenou indistintamente por tráfico de drogas e associação para o tráfico, alguns deles sequer se conheciam, mas isso é um detalhe de menos importância para o presente artigo.

As lições deste processo são inúmeras, e duras para mim subjetivamente até hoje. Infelizmente um dos únicos casos que não obtive qualquer êxito. Eu queria e briguei muito por uma absolvição, nada funcionou. Embora tenha adquirido a simpatia e amizade por parte de todos os familiares do companheiro desta minha colega de graduação, amizades estas que permanecem, cobro de mim demais durante o tempo, pensando o que poderia ter feito melhor para diminuir a dor das pessoas envolvidas, o sofrimento de cada um vendo aquele rapaz se despedindo das pessoas que mais amava no dia da audiência, já que ele havia decidido enfrentar o processo e suas consequências em caso de insucesso.

Ressalto aqui também que este rapaz suportou calado o sofrimento de alguns anos de reclusão desde o regime fechado, passando pelo regime semiaberto, liberdade condicional e extinção de pena pelo tempo, jamais buscou se envolver com algo ilícito novamente, felizmente não foi abandonado por seus familiares e sua companheira, hoje é um exemplo de homem que errou, foi preso, cumpriu sua pena, trabalha normalmente, bom marido e bom pai. Comprovei que há recuperação para quem tem estrutura, mesmo quando se perde por um tempo na vida, sem dúvida, não ser abandonado pelos parentes e amigos ainda é a forma mais eficaz nesses casos.

Como advogado, concluo apenas que com muita dedicação você terá inúmeros sucessos, alguns insucessos, mas quando você tiver que defender alguém de suas relações pessoais tenha muito mais cuidado, pois mesmo que você seja um leão na profissão, vai querer o sucesso nestes casos muito mais do que em qualquer outro, mas as feridas e cicatrizes geradas nestes processos singulares te incomodarão eternamente.

Por Anderson Figueira da Roza
Fonte: Canal Ciências Criminais

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