De UFC a Jogos Mortais: a violência como mercadoria - (Artigo) de Felipe Faoro Bertoni

goo.gl/hc5A5r | “A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”.

Jean-Paul Sartre

Basta um rápido olhar sobre os veículos de informação e de comunicação para perceber que a violência é um dos produtos que mais encontra espaço nos instrumentos midiáticos. Homicídios, roubos e latrocínios constantemente estampam capas de jornais. Esse contexto impõe a realização de alguns questionamentos: por que a violência enseja tamanho interesse? Esse bombardeio de violência é (mais) real ou (mais) virtual? Que tipo de sensação essa orientação informativo-editorial gera na população?

Começo dizendo, no que pertine ao primeiro questionamento, que a violência é fascinante. Desde que o homem é homem a violência atrai e desperta interesse. Durante tempos os Gladiadores levaram multidões ao mais puro deleite e êxtase ao lutarem sanguinariamente até a morte. A multidão excitada regozijava-se diante de cada execução. Quanto mais violenta, melhor. A morte de um ser humano alegrava os outros, trazia prazer.

Em tempos modernos, o Mixed Martial Arts (MMA), representado pelo conhecido Ultimate Fighting Championship (UFC), ainda causa fascínio em multidões que gozam ao ver dois sujeitos no interior de uma grade medindo forças por meio da violência. Quanto mais sangrento, mais atrativo é o espetáculo.

Deixando de lado o entretenimento esportivo e adentrando no âmbito cinematográfico, apenas para exemplificar, destaco série de filmes que levou milhões de espectadores aos cinemas e foi sucesso de bilheteria e de arrecadação. O nome da franquia, na tradução brasileira, é Jogos Mortais (I, II, III, IV, V, VI e VII, por ora).  O enredo, em suma: torturas cruéis, mutilações, membros decepados. Tudo isso sob o pretexto de que as pessoas submetidas aos “jogos” teriam agido de forma errada e a expiação lhes possibilitaria a reabilitação (qualquer semelhança com o sistema penal é mera coincidência).

A despeito dos exemplos vinculados à indústria do entretenimento, não é preciso ir longe para perceber que a violência efetivamente nos atrai. Em nosso quotidiano a violência também demonstra sua essência atávica. Por exemplo, quando nos deparamos com um acidente de trânsito, em uma estrada, natural e inconscientemente diminuímos a marcha veicular na tentativa de captar detalhes da tragédia desfechada. Até mesmo os mais sensíveis são afetados pela curiosidade. Mesmo que cerrem os olhos ao passar pelo local, são instintivos os questionamentos: “o que aconteceu?, alguém se machucou?”.

Esse intrínseco interesse do ser humano pela violência e pelos fenômenos violentos é, naturalmente, considerado pela mídia e pelos instrumentos de comunicação na elaboração de suas pautas. Para além de uma visão meramente informativa, esses canais, em sua maioria, operam em uma lógica de mercado, ou seja, além de informar, querem vender. Fica fácil perceber, portanto, que a violência é um produto valioso e abundante, sendo fácil sua eleição para compor os noticiários.

Quanto ao segundo questionamento exposto no prólogo, penso que, embora se possa falar em um acentuado contexto de violência urbana no Brasil, esse dado não pode ser aferido pela simples leitura de fenômenos violentos em jornais e revistas. Isso porque o Brasil possui uma extensão territorial de aproximadamente 8.515.759,090 km2 e uma população de aproximadamente 207.982.263 de habitantes. Vale dizer, com tanta gente e em tanto lugar, não se pode esperar que inocorram conflitos. Assim, com essa pluralidade de fatos sociais (violentos ou não), fica fácil pinçar alguns para ilustrar algumas páginas de jornal ou preencher alguns minutos no telejornal. Todavia, a veiculação desses fatos pela mídia não indica que eles sejam a regra ou a maioria, mas simplesmente quer dizer que eles existem. É justamente na interpretação sobre os fatos veiculados que reside fulcral controvérsia, dando azo à abordagem referente ao terceiro questionamento.

O ser humano, temeroso e acuado pela violência diariamente fornecida pelo jornal matinal e reprisada pelo noticiário noturno, sente-se impotente e amedrontado, acreditando estar em premente e constante ameaça. Essa sensação faz com que se adentre em um estado generalizado de medo, que nos faz clamar por segurança, muitas vezes traduzida pelo recrudescimento do Direito Penal, com base na crença mítica da redução da violência por meio de políticas punitivas.

Paralelamente a isso, considerando a descrença geral nas instituições e na crença de que o Brasil é o país da impunidade, a população busca alternativas fora do controle Estatal, fazendo “justiça” com as próprias mãos, paradoxalmente, também por meio da violência.

Em polvorosa, a população toma para si o poder do Estado e se arvora na condição de acusador, julgador e carrasco, ocasionando, com isso, linchamentos como o de Cleidenilson, espancado até a morte recentemente após uma suposta tentativa de assalto. Todavia, o julgamento, por vezes, é míope. Nesse sentido cito o caso do professor André, que foi linchado por ter sido confundindo com um assaltante, somente tendo escapado da morte após comprovar sua profissão ao dar uma aula de história para a turba enfurecida. Não teve a mesma sorte a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, que morreu sem saber porque ao ser espancada por dezenas de pessoas após a publicação de boatos em uma rede social sobre a sua participação em rituais com a utilização de crianças. Os boatos demonstraram-se falaciosos, mas a pena já havia sido executada. E não havia retorno.

O contexto é problemático. Não se pode ignorar a violência. De fato, ela existe. No entanto, também há muita bondade, que permanece nas trevas, ignorada, sob a qual não se pondera jogar luz. A bondade, tanto quanto a violência, fascina e contagia o ser humano. Isso pode ser ilustrado também pelas relações quotidianas, quando os sujeitos naturalmente se angustiam e cedem passagem a uma ambulância, ou quando, quase sem se dar conta, nos solidarizamos com o infortúnio de um terceiro e de bom grado lhe prestamos auxílio. O problema é que não somos sensorial e subjetivamente estimulados para o cometimento de atos benevolentes e de paz, pelo menos não tanto quanto para o exercício da violência.

Depois de tudo isso, me ponho a pensar: se, ao sermos bombardeados com violência, reagimos com mais violência, como reagiríamos se fossemos constantemente incentivados por bondade? Cada ação gera uma reação e cada estímulo uma percepção. Afinal, lembrando novamente Jean-Paul Sartre, “a violência faz-se passar sempre por uma contra-violência, quer dizer, por uma resposta à violência alheia”.

PS: o texto não possui como intenção criticar as formas de entretenimento destacadas – eventos de artes marciais e produções do gênero de terror/suspense. Eu mesmo me considero fã de ambas modalidades. A reflexão reside, em verdade, na comercialização do crime, da violência real, de forma sensacionalista e irresponsável, sem olvidar a repercussão e as conseqüências dessa linha editorial despreocupada.

Por Felipe Faoro Bertoni
Fonte: Canal Ciências Criminais

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