Curtir e compartilhar publicações ofensivas nas redes sociais é realmente crime?

goo.gl/g97eTg | Quem de nós já não leu nas redes sociais “desabafos”, “xingamentos”, “críticas ferozes” sobre pessoas, instituições e situações vivenciadas. Diante da manifestação, pode-se facilmente apertar a tecla “curtir” ou mesmo, em conforto à manifestação, “compartilhar”. A questão é a de que se na publicação originária houver, em tese, o cometimento de um crime de calúnia (Código Penal, artigo 138), injúria (CP, artigo 140) ou difamação (CP, artigo 139), quem compartilha/curte também comete crime?

Por certo você deve estar se lembrando se já fez isso ou conhece alguém que já procedeu desta maneira. Então, todo cuidado é pouco. Há, todavia, distinções a serem feitas. Primeiro, deve-se distinguir a questão da autoria das críticas do ato de replicar o conteúdo disponibilizado, dado que o dolo do agente deve estar estabelecido na primeira conduta, não sendo transmitido pelo “mero compartilhar” ou mesmo “curtir”.

No julgamento do Habeas Corpus 75.125 no Superior Tribunal de Justiça, o ministro Rogério Schietti Cruz, relator, consignou: “É possível inferir que, ao compartilhar a manifestação de outra pessoa em rede social, o texto passa a ser exibido na página pessoal daquele que compartilhou, tornando-a visível a seus amigos e, por vezes, a terceiros, o que claramente propaga a publicação inicial. Não é suficiente, no entanto, para fins de responsabilização penal, o mero ato de compartilhar dada notícia, sem que se aduza qualquer circunstância que possa identificar, no ato de compartilhar, o animus dirigido a reproduzir uma crítica ao "ato de seu superior ou ao assunto atinente à disciplinar militar" (CPM, art. 166).

Isso porque o desígnio deve ser autônomo em face do bem jurídico tutelado, não sendo possível transferir o dolo, conforme constou no voto: “Sem embargo, não vejo como suficiente, para fins de responsabilização penal, o mero ato de compartilhar uma dada notícia, sem que se aduza qualquer circunstância que possa identificar, no ato de compartilhar, o animus dirigido a reproduzir uma crítica ao ato do superior ou ao assunto disciplinar. Não me parece razoável e sustentável considerar coautores do crime militar em questão todas as pessoas que simplesmente curtiram ou compartilharam a notícia. (...) Ainda que assim não fosse, i.e., ainda que não se colocasse em dúvida a higidez da peça acusatória, resulta contrário ao bom senso e à racionalidade do direito penal que se processe criminalmente toda e qualquer pessoa integrante das carreiras militares por haver apenas dado um clique em uma notícia ou publicação em rede social, sem que se lhe acrescente algum dado que o responsabilize penalmente pelo conteúdo da notícia”.

Segundo, exige-se o animus de caluniar, injuriar ou difamar que, em tempos de redes sociais, deve ser interpretado de modo a excluir do âmbito de incidência da norma incriminalizadora as condutas dela decorrentes que não guardem autonomia. A temática foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “Os crimes contra a honra necessitam, para a sua configuração, da existência de dolo específico, consistente na consciência e vontade de insultar outrem. Ausente o animus injuriandi vel diffamandi, por cuidar-se a ofensa de mera reação de cunho emocional, exarada no calor de uma discussão, o fato é atípico. (...). Atestada a atipicidade da conduta do querelado, de rigor a rejeição da Queixa-Crime. Decisão de Primeiro Grau mantida”. (TJ-SP, 8ª Câmara de Direito Criminal - Recurso em Sentido Estrito 0001502-69.2006.8.260452, rel. des. Arnaldo de Faria).

Especificamente no caso de mera “curtida”, estabeleceu o relator Guilherme de Souza Nucci: “Difamação. Recorrentes que ‘curtiram’ mensagens no Facebook. Irrelevância penal. Ato alheio. Princípio da responsabilidade pessoal. Recurso improvido”. Consta do voto: “Primeiramente, verifica-se a fls. 42/45 que parte das mensagens incluídas na rede social Facebook nem sequer foram redigidas pelos recorridos, mas sim por terceiras pessoas, absolutamente alheias ao caso, tendo os recorridos apenas ‘curtido’ a mensagem. Ora, a tipificação penal exige tenha a mensagem difamatória partido do próprio acusado, sob pena de violar-se o princípio da responsabilidade pessoal. O simples fato de haverem lido e aprovado os comentários alheios é absolutamente irrelevante para o direito penal. Por fim, em relação às mensagens postadas pelo recorrido A., nota-se inexistir qualquer ânimo de difamar a recorrente, limitando-se a frases como ‘ela perdeu ele’, ‘estamos desesperados’, sem nem ao menos mencionar o nome ou qualquer outra qualificação da recorrente. Assim, não houve qualquer imputação de fato à recorrente, a qual nem sequer foi identificada nas mensagens. Destarte, correta a decisão ao rejeitar a queixa-crime”. (TJ-SP, Recurso em sentido estrito 0001424-41.2014.8.26.0114 Comarca: Campinas).

Por fim, como sustenta Clarimar Santos Motta Júnior, o fato de não se exercer queixa crime contra quem curtiu ou compartilhou jamais pode ser interpretado como violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal, via renúncia ao direito de queixa, nos termos do art. 48, do CPP, porque a conduta de quem compartilha/curte, em princípio, é atípica. Claro que se além do compartilhamento houver um comentário com conteúdo criminalizado, também pode ser objeto de ação penal, desde que em ação autônoma, porque os desígnios são diversos.

Enfim, no mundo complexo e com alta velocidade e volatilidade de informações, cuidado com o que você curte ou compartilha, porque embora não seja, a priori, crime, pode gerar muito incômodo e problemas judiciais. A luta sempre será pelo primado da liberdade de expressão plena. O uso consciente das redes sociais exige cuidados redobrados em tempos de fúria, ódio e emoções à flor da pele. Ainda mais quando se compartilha sem ler ou sem reflexão. Uma curtida pode incomodar muita gente, inclusive você. Além do mais, há a discussão sobre eventual responsabilidade civil. Para fins penais, todavia, em regra, não haverá crime; só incômodo. Se der, compartilhe o artigo; e curta. Não há perigo, ainda. Bom final de semana.

Por Alexandre Morais da Rosa
Fonte: Conjur

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