A difícil arte de advogar – em três atos: (Artigo) de Carla Moradei e Leandro Souto

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I – Primeiro Ato: “A Escolha”


Poderíamos iniciar esse texto com uma analogia àquele famoso comercial de cartões de crédito que elencava uma série de custos seguidos de uma satisfação que, segundo os publicitários, não teria “preço”.

Mas não.

O sacrifício é bem maior e às vezes muito longe do fantasioso mundo do sucesso.

Isso mesmo.

Muitas vezes parte-se de um sonho de criança, um desejo dos pais ou apenas uma falta de opção ou escolha errada. Mas o Direito sempre toca o coração de alguém, num momento ou outro da vida. Portanto, a preparação para trilhar esse caminho começa muito cedo para alguns e até de forma acidental para outros.

Porém, o sonho vai sendo alimentado a cada dia de estudo para o vestibular. O convívio social é sacrificado, baladas, namoros, amizades, tudo em função de um objetivo bem maior.

Até que sai a lista dos aprovados no vestibular. Lá está o nome.

Mesmo os que ingressam nas universidades públicas encontram pela frente toda sorte de gastos, dada a necessidade urgente de atualização.

E o estágio? Não basta ter o conteúdo teórico. É preciso ter contato direto com a prática forense e suas nuances. Para alguns existe um elemento diferencial que é a necessidade de trabalhar e estudar. Muitos pagam os próprios estudos e não é pouco comum nos depararmos com pessoas dentro de ônibus e metrô, tarde da noite, com “vade mecuns” no colo e desmaiadas de cansaço.

O sonho demanda sacrifício: falta de dinheiro e de tempo, noites de estudo, renúncias.

Talvez o ápice dos cinco anos de faculdade seja o tão temido TCC, ou monografia para alguns. Ali muitas vezes é feita a primeira “seleção natural”, furtando o conceito tão conhecido de Darwin e plenamente aplicado à vida jurídica. Naquele momento o acadêmico sofre seu primeiro impacto com a necessidade de escrever, sustentar suas ideias e ser persuasivo.

Até que, por fim, vem a conclusão do curso.

Já ali na formatura alguns pensam no futuro. Até então temos a “justificativa do acadêmico”, ou seja, não preciso pensar no futuro ainda, preciso apenas pensar em terminar a faculdade.

Mas agora não. Estamos sós e entregues à vida. É preciso ter nervos de aço para suportar a pressão desse momento, pois depois que acaba a festa, a realidade bate à porta: “o que fazer agora?”

De um jeito ou de outro os estudos não acabam ali. Ou você opta pelas carreiras públicas ou decide advogar, o que demanda a aprovação no igualmente temido exame da OAB.

Quando se escolhe a faculdade de Direito é necessário ter em mente que a leitura e a atualização jamais terão fim. É preciso ter consciência disso.

Muitas vezes a aprovação no exame de ordem demanda mais de uma prova, às vezes até anos!

Mas uma hora ela chega e, com a “carteira na mão”, damos início ao segundo ato.

II – Segundo Ato: “Os primeiros passos”


Superada toda essa fase de formação e preparação é preciso começar a trabalhar. Seja como colaborador do departamento jurídico de uma empresa, componente de uma banca jurídica ou, ainda, autônomo, os infortúnios são bem parecidos.

Quando iniciamos a carreira é comum estarmos abertos a diversas áreas de conhecimento jurídico, o que nem sempre é o mais correto. Aliás, nunca é, pois é muito mais recomendável, eticamente inclusive, que se busque a área com a qual se tem mais afinidade, pois o cliente que o procura, faz isso buscando um profissional que resolva seu problema e que saiba o que está fazendo. Mas nem sempre isso acontece. A necessidade, muitas vezes, faz com que um perigoso leque se abra e dificilmente volte a se fechar.

É nesse momento que muitos advogados acabam por ter as maiores desilusões, pois o mercado é cruel e não aceita falhas, por menores que sejam. Muito natural que se ingresse em grandes escritórios onde o contencioso de massa acaba por massacrar o recém-aprovado no exame de ordem.

Não é uma crítica aos grandes escritórios, pelo contrário. Grandes demandas exigem um numero elevado de profissionais e por essa razão a advocacia de massa só aumenta no país. Mas, por muitas vezes, o advogado iniciante, o qual tem toda uma estrutura de vida para manter e contas para pagar, acaba abrindo mão de advogar na área onde teria mais conhecimento ou afinidade.

Por outro lado, a advocacia autônoma também não é um mar de rosas como se pensa. Convencemo-nos ao longo do tempo que ser seu próprio chefe muitas vezes é pior do que trabalhar sob o comando alheio.

Muita gente desconhece as mazelas de se ter o próprio escritório. É preciso muito autocontrole para desenvolver três funções: administrativa, financeira e jurídica.

Advogado, na maioria dos casos, não é economista, nem contador, nem administrador. Mas é preciso ser um pouco de cada, quando se tem um escritório próprio, ao menos até que se tenha uma estrutura completa de colaboradores para auxiliá-lo nesse trabalho.

Mas existe mais uma função que alguns advogados, principalmente os que militam na área de direito de família, são obrigados a exercer: a de psicólogo.

Explicamos: o cliente chega à sua sala de reuniões completamente destroçado, abalado com o fim do amor ou com a saudade dos filhos ou, ainda, temendo o que o termino de um relacionamento é capaz de causar tanto na sua vida sentimental, quanto financeira.

É preciso deixar o olhar jurídico um pouco de lado e ouvir.

Saber ouvir é importantíssimo, mas nem sempre é fácil. Advogar na área de família equipara-se, muitas vezes, ao médico oncologista que tem um filho com câncer. Sabemos que a analogia pode não ser das mais felizes, mas apenas para que entendam, o advogado também é um ser humano, de carne, osso e coração. Tem seus próprios problemas, relacionamentos acabados, decepções e desilusões que, por mais que a ética e a atuação estritamente profissional clamem para que sejam deixados de lado, muitas vezes virão à tona quando do atendimento de um caso semelhante ao que ele está passando.

Nessas situações encontram-se os vocacionados, que tiram da própria experiência a força para amparar aquela pessoa tão impotente diante de tantas desilusões.

O profissional do Direito é como qualquer pessoa, embora as piadinhas usuais sobre ele o coloquem como alguém sem coração, quase um mercenário. Tem sentimentos, dores de dente, de barriga, depressão, falta de sono, vai ao cinema, chora, sorri, torce por algum time de futebol, cai, levanta, paga mico etc.

Portanto, encerra-se o segundo ato com a premissa de que o advogado não é uma máquina.

III – Terceiro Ato: “O improvável inimigo”


Aprendemos já nos primeiros dias de aula na universidade que “o advogado é indispensável à administração da justiça”. A constituição garante esse preceito em seu art. 133.

Alguns (colegas inclusive) dizem que o advogado é um “mal necessário”. Discordamos dessa afirmação, pois isso acaba por estigmatizar toda uma classe já tão massacrada ao longo do tempo.

Mas, lamentavelmente, vemos que boa parte da sociedade e da comunidade jurídica ainda enxerga o advogado como um ser à margem dos demais. Lamentavelmente.

Nossos amigos criminalistas que o digam. A despeito do comando constitucional que preceitua o direito de defesa, a sociedade costuma enxergar o advogado como um criminoso hipócrita que quer mais é ver o “circo pegar fogo”, se nos permitem a utilização da expressão popular.

É muito comum vermos a generalização e proliferação de afirmações ofensivas aos profissionais que se dedicam à nobre defesa dos direitos humanos e à advocacia criminal.

As redes sociais têm contribuído para isso. É frequente a utilização da expressão “advogado de bandido também é bandido”. Porém, o mais triste tem sido o apoio aos achincalhamentos públicos que alguns membros do Judiciário (e aqui não se faz necessário citarmos nomes) tem feito à classe. É lamentável que ainda tenhamos o pensamento medieval de vingança pública e, igualmente, de que quem participa da defesa desses “pré condenados” também deva ser submetido ao linchamento público.

O que muitos não percebem é que o advogado é um profissional qualificado para resolver os pequenos e grandes problemas jurídicos que o cidadão enfrenta, desde um defeito em um celular até a perda da liberdade de locomoção, passando ainda por grandes contratos e guarda de filhos etc.

Como se não bastasse, ainda temos esse tipo de visão, conforme já dito, por alguns membros do Judiciário e do Ministério Público.

Dizemos alguns, pois muitos desses profissionais tratam os causídicos com extrema fineza e cordialidade não apenas por uma questão de educação (que é inerente a cada ser humano), mas também por entender o papel do advogado naquele contexto jurídico.

Não obstante exista uma Lei Federal que disciplina a advocacia (Lei 8906/94 – Estatuto da OAB), algumas autoridades ainda tratam o advogado como se fosse um ser inferior, desconsiderando o que o artigo 6º do Estatuto preceitua, ou seja, que não há hierarquia entre membros do Ministério Público, Magistrados e Advogados.

A grande verdade é que nem as partes vêm sendo respeitadas ultimamente. Pois, quando o desrespeito é direcionado aos advogados, mas as partes são respeitadas a situação é diferente.

Mas o que presenciamos de forma lamentável é a falta de comprometimento de alguns Juízes e Promotores com o seu “mister” constitucional e institucional.

A bem da verdade, tais atores têm que estar próximos do problema do cidadão que submete sua causa à apreciação de estranhos, que representam o Estado em tal função.

Não é possível que fechemos os olhos, ainda, para os mais pobres, pois são eles os que mais precisam e os que mais são massacrados.

Hoje em dia litigar também é mendigar.

A assistência judiciária vem sendo desconsiderada e motivando muitas pessoas a desistirem de seus litígios. Por muitas vezes a existência de um instrumento de mandato (procuração) no processo é motivo suficiente para que alguns Juízes entendam que aquela pessoa tem condições de arcar com custas processuais desmedidas e que não deveriam ser empecilho para a prestação jurisdicional.

Todos os integrantes da comunidade jurídica reconhecem que o grande volume de ações propostas e o déficit funcional do Judiciário representam dois pontos irreconciliáveis quando se fala da lentidão da Justiça.

No entanto, quem busca a solução de seu conflito não pode ser penalizado por fatores aos quais não deu causa.

Mas é aqui que o advogado é mais uma vez o depositário das frustrações – legítimas – daqueles que o procuram. Poucos compreendem que por mais que o advogado seja diligente e atuante, há barreiras quase que intransponíveis e que levam tempo demais para serem superadas.

Processos, ainda que agora modernizados com a tão comemorada digitalização, permanecem sem andamento por semanas e até meses, pois os mecanismos que os envolvem não são automáticos, mas dependem de seres humanos motivados e bem remunerados para o exercício de suas funções, o que sabemos está longe de acontecer.

Assim, cabe também ao advogado conseguir demonstrar ao seu cliente que tudo o que estava ao seu alcance foi realizado, devendo se aguardar a decisão, que virá sabe-se lá quando.

IV – Epílogo


O Direito, apesar de todos os entraves e problemas que foram apresentados nos três atos acima, é a essência da liberdade e de toda a vida em sociedade.

A carreira é fonte de muitas satisfações, bem como de crescimento pessoal e profissional, permitindo ao advogado conhecer o mundo imperceptível aos olhos de alguns e manter a mente sempre aberta às mudanças sociais cada vez mais frequentes, que demandam novos enfoques para que sejam amparadas.

Assim, retomando o que dissemos no início, sem qualquer traço de cinismo, ser advogado “não tem preço”. Se o profissional tiver como objetivo buscar soluções adequadas e éticas, a probabilidade de realização profissional será quase certa!

Por Carla Moradei e Leandro Souto
Fonte: justificando.com

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