É ilícita prova de aborto obtida por denúncia de médico, diz Tribunal de Justiça

goo.gl/rq9Q3P | São ilícitas as provas obtidas mediante violação de sigilo médico, por profissional que denuncia caso de aborto. Com esse entendimento e por maioria de votos, a 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo trancou ação contra uma mulher de 21 anos que foi denunciada com base em relatos da própria médica que a atendeu em um hospital público.

A ré foi acusada de ingerir medicamento para provocar aborto. Quando passou mal, ela foi levada ao hospital por uma tia, que recebeu da médica um documento e a orientação de procurar um distrito policial. Trata-se da guia de encaminhamento de cadáver, na qual constava informações sobre o aborto cometido pela jovem.

As defensoras públicas Ana Rita Souza Prata e Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadoras do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, alegaram falta de justa causa para ação penal em decorrência da violação do sigilo profissional por agende de saúde, assim como a falta de relação de causalidade entre a conduta da mulher e a interrupção da gravidez.

Árvore envenenada


Relatora do processo, a desembargadora Kenarik Boujikian entendeu que o caso atende à teoria dos frutos da árvore envenenada: tudo o que consta nos autos e toda atuação policial derivam da revelação do segredo médico, feito pelo agente de saúde sem estar em qualquer das hipóteses permissivas, definidas pelo artigo 73 do Código de Ética Médica.

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A conduta, na análise da relatora, feriu o princípio constitucional da tutela à intimidade e da dignidade da pessoa. Além de Kenarik, votou pela ilicitude da prova o desembargador Willian Campos, ficando vencido o desembargador Fábio Poças Leitão.

O caso integra grupo de 30 pedidos de Habeas Corpus impetrados pela Defensoria Pública de São Paulo em favor de mulheres acusadas criminalmente de aborto.

Inconstitucionalidade da criminalização


O pedido inicial da defesa era de atipicidade da conduta, argumentando ser inconstitucional criminalizar a prática de aborto pela gestante. Kenarik concorda com o argumento, citando decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF 54 e no HC 124.306. Nesse último caso, por maioria, a 1ª Turma decidiu pela “inconstitucionalidade da incidência do tipo penal do aborto no caso de interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre”.

A desembargadora entende que a criminalização não é compatível com direitos fundamentais como direito sexual e reprodutivo, direito à integridade física e direito de fazer suas escolhas existenciais.

“Friso que o tema necessita de um enfrentamento real e urgente por parte do Estado brasileiro e sociedade, com o foco na saúde da mulher, especialmente porque o abortamento inseguro constitui uma das maiores causas de morte de milhares e milhares de mulheres brasileiras, especialmente as mais vulneráveis, as de menor poder aquisitivo, que sofrem com a seletividade penal, já que não podem ter acesso ao atendimento adequado e por conta própria e de diversas formas, buscam a solução para a gestação indesejada e só depois, quando estão em péssima situação física e emocional é que num gesto último de socorro, comparecem ao serviço público”, ressaltou, no voto.

A posição, no entanto, é isolada na câmara, o que impede de encaminhar o caso para o Órgão Especial do Tribunal paulista, para controle difuso de constitucionalidade, já que há exigência de maioria absoluta de seus membros, segundo o artigo 97 da Constituição. O número do processo não foi divulgado.

Por Danilo Vital
Fonte: Conjur

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