Parece que ainda não se percebeu que as petições devem ser dirigidas ao juízo

goo.gl/M3G411 | "Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz (de Direito, Federal, do Trabalho)." Assim começam a petição inicial e as petições em geral em primeira instância. Essa profusão de pronomes de tratamento, com iniciais em maiúscula, a preceder a indicação da autoridade judiciária, além de injustificável, é tecnicamente incorreta.

Passada de geração em geração e absorvido sem uma reflexão crítica, este péssimo hábito de iniciar as petições forenses deve ser repelido.

Além do fundamento principiológico — um verdadeiro Estado republicano, no qual prepondera de fato, e não apenas nas palavras ornamentais de nossa Constituição, o bem comum do povo sobre os interesses particulares, e no qual os agentes públicos são empregados do povo, rechaça estes tratamentos reverenciais —, há um motivo de natureza técnico-processual. À exposição desse motivo destina-se este breve texto.

Antes, porém, é necessária uma breve digressão acerca do raciocínio utilizado para se fixar a competência.

A competência é fixada a partir de raciocínios sequenciais: Justiça, foro (território) e juízo (órgão judicial) competentes.

Analisa-se, inicialmente, a existência de “foro por prerrogativa de função” ou, na designação que revela a verdadeira natureza do fenômeno, “foro privilegiado”. Essa análise deve ser feita antes das demais, porque a existência de foro privilegiado prejudica a continuidade do raciocínio. O foro privilegiado já indica diretamente o órgão judicial competente: determinado órgão colegiado de certo tribunal.

Não sendo esse o caso, deve-se verificar a Justiça competente: Justiça especializada (Eleitoral, trabalhista ou Militar) ou Justiça comum (Federal ou estadual).

Fixada a Justiça competente, passa-se a seguir à análise do foro competente. Na Justiça comum, este é designado por seção ou subseção judiciárias (Justiça Federal) ou comarca (Justiça estadual).

Após estabelecida a competência territorial, deve-se passar, enfim, à análise do órgão judicial competente.

É requisito da petição inicial de uma demanda o que se convencionou chamar de endereçamento. Neste, sobressai a menção ao juízo (órgão judicial ou — o que é o mesmo — vara) competente.

O CPC de 1973 previa esse requisito no artigo 282, I. Segundo esse dispositivo legal, a petição inicial deveria indicar o juiz a que seria dirigida.

Conquanto o diploma legislativo revogado referisse-se ao juiz competente, nunca se pôs em dúvida que o fenômeno da competência relaciona-se com o órgão judicial (juízo ou vara), e não com o funcionário público que exerce a função jurisdicional.

Incompetente, ou competente — na acepção técnica aqui empregada, e não no sentido corrente — é, pois, o juízo, e não o juiz. Este pode ser suspeito ou impedido, fenômenos que se relacionam com a autoridade judiciária, e não com o órgão judicial.

Apesar disso, desde sempre se menciona, no endereçamento das petições em geral, e no da inicial em particular, o juiz integrante do órgão judicial competente. E sempre de forma reverencial, com profusão de pronomes de tratamento, como se ainda estivéssemos séculos atrasados.

O CPC atualmente em vigor corrigiu a previsão legal. Em seu artigo 319, I, estabelece, agora de forma correta, que a petição inicial deve ser dirigida ao juízo competente. Deste modo, por exemplo: Vara Cível (Criminal etc.) da Comarca de Macondo[i].

Sem embargo, parece que as consciências ainda não perceberam que as petições devem ser dirigidas ao juízo — e não ao juiz — competente, dispensando-se ademais, obviamente, quaisquer pronomes de tratamento.

A previsão legal fora corrigida. Importa, agora, alterar a mentalidade.

[i] Cidade fictícia do romance Cem anos de Solidão, do festejado escritor colombiano Gabriel García Márquez.

Por Emmanuel Levenhagen Pelegrini e Renan Levenhagen Pelegrini
Fonte: Conjur

10/Comentários

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  1. Como seria no Processo Penal?

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  2. Sinceramente eu não vejo melhoria e/ou razão para tal alteração. O endereçamento ao juiz da vara... da cidade de .... também é uma demonstração de cordialidade e cumprimento. Certas alterações e mudanças parecem mais duelo de ego do que benefício para os profissionais. Hoje penso assim, mas se existir alguma razão ou melhoria decorrente dessa mudança de endereçamento, passarei a adotar sem pestanejar.

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    1. Será que o ego da questão não está na necessidade pessoal do funcionário público juiz ser reverenciado como se fosse uma figura celestial?

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  3. O autor esqueceu-se de enfrentar uma importante questão: a propria crfb/88, ao elencar os órgãos jurisdicionais, afirma que os juizes (militares, eleitorais, federais e do trabalho) são órgãos do Poder Judiciário (art. 111, III; art. 118, III; art. 106, II

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    1. Como vc endereça para um juiz específico antes da distribuição? É sobre isso que a matéria tenta dizer.

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  4. Esta cordialidade é recíproca?

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  5. Essa matéria tem somente a intenção de chamar a atenção para o nome de quem a redigiu, ele se esquece que ao se referir a Juízo, refere-se também aos juízes, além dos demais serventuários, mas é inegável que o destinatário real é o Juiz(a) da comarca que se pretende. Quando se expede um ofício para um batalhão por exemplo, seria justo colocar no endereçamento: "Batalhão X" ou "Comandante do Batalhão X"? acho que tem coisas muito mais importantes que isso para se discutir.

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  6. simples preciosismo...

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  7. Lembrem -se que há juízes titulares e substitutos.

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