Juristas fazem críticas ao Direito Penal no Brasil em Seminário da Emerj

Juristas debatem aplicação de princípios como presunção de inocência e direito à manifestação

Pontos importantes do Direito Penal e sua efetiva aplicação no Brasil foram debatidos por juristas da área nesta quinta e sexta-feira, na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), com base na obra de um mais notáveis profissionais deste campo, Winfried Hassemer. Ele foi um dos primeiros a defender o direito de manifestação popular e a importância do princípio de presunção de inocência, este pouco seguido no Brasil, como alerta o Prof. Dr. da Uerj, Juarez Tavares, coordenador do evento. Ao final do seminário, os juristas presentes devem formular um documento público, contra o novo projeto de Código Penal aprovado no Senado, que "rompe com a tradição liberal do Direito Penal brasileiro".

Hassemer, que faleceu no último mês de janeiro, foi professor da Universidade de Frankfurt e presidente da Corte Constitucional da Alemanha, um dos mais importantes tribunais do mundo. "Ele foi o mais notável jurista do século 20, então, em homenagem à memória de Winfried Hassemer, nós organizamos este seminário, para que aqui fossem tratados os temas relacionados a sua obra, sua contribuição, seu pensamento."

Na quinta-feira (21), o "Seminário de Direito Penal, Criminologia e Processo Penal em homenagem à Winfried Hassemer: O direito como instrumento de liberdade" contou com Conferência do professor da Universidade de Frankfurt, Ulfrid Neumann, para falar sobre a "teoria pessoal do bem jurídico", do professor Hassemer. A teoria, explica Tavares, é muito importante no Direito Penal, porque com ela se busca delimitar o poder de punir e evitar a instituição do Estado autoritário. 

Outros pronunciamentos foram feitos, também relacionados à obra do Hassemer, como sobre o chamado direito penal simbólico, o direito de intervenção, e, principalmente, reforça Tavares, a questão da relação entre o princípio da presunção de inocência e da problemática prática da sua execução no Brasil, que foi discursado por Maurício Dieter, da USP. O princípio da presunção de inocência, embora constitucional, não é um princípio acatado de maneira muito aberta e efetiva, lamenta Tavares.

Hassemer defendia que todo o processo penal deve partir do princípio de que o sujeito é inocente. O Ministério Público deve provar a culpa do réu, não o contrário. No Brasil, no entanto, o sujeito já parte da presunção de que é culpado e consequentemente a defesa tem que provar a sua inocência. "Mostrou-se ontem que há uma falta de execução concreta do princípio de presunção da inocência, porque a justiça criminal brasileira trabalha com uma presunção de culpa, praticamente. Isso se mostra de maneira nítida quando, estatisticamente, 80% dos processos judiciais levam à condenação. O que seria salutar seria uma média de 50%, mas não, 80% levam à condenação", declarou Tavares.

Participaram dos painéis de ontem, também, Juarez Cirino dos Santos, do ICPC, que falou sobre as transformações contemporâneas da política criminal; Juarez Tavares, que abordou uma revisão dogmática da teoria do delito; Helena da Costa, da USP, que falou sobre direito de intervenção; Fernanda Tórtima, da OAB/RJ, com o tema direito penal simbólico;  além de Paulo Queiroz, do MPF/CEUB, sobre política criminal das drogas e o direito penal liberal; Jacson Zilio, do MPPR sobre o dolo e indicadores externos, a partir da contribuição de Hassemer; Tiago Joffily, do MPRJ, sobre crimes de perigo abstrato; e, por fim, Leonardo Yarochewski, da PUC/MG, sobre Terrorismo e manifestações.

Nesta sexta, o evento continuou a tratar de questões importantes relacionadas ao processo penal, principalmente a busca da verdade e da prova no âmbito processual. António Avelãs, professor da Universidade de Coimbra, ofereceu uma conferência como tema "O capitalismo do crime sistêmico e a crise da Europa", para apontar a importância da teoria política e a influência do capital financeiro. Durante a tarde, foram levantadas questões relacionadas à liberdade de expressão, manifestações populares, judiciário e mídia, e processo penal democrático, este último tratado em conferência do ministro do STJ, Rogerio Schietti.

Em relação ao painel Liberdade de expressão e manifestações populares no âmbito democrático, ministrado por Ana Elisa Bechara, da USP, Tavares destacou: "A preocupação aqui foi justamente mostrar que as manifestações populares são manifestações democráticas e devem ser asseguradas sem que o Estado intervenha de maneira violenta para evitar essas manifestações. Práticas violentas em algumas manifestações não devem ser motivo para a proibição das manifestações, porque a maioria das pessoas que participam das manifestações não pratica a violência, é uma pequena minoria."

Toda manifestação, até as mais pacíficas existentes no mundo, aponta, sempre conta com um ato ou outro de violência, "porque há pessoas que efetivamente às vezes extrapolam emocionalmente", agindo de forma violenta em relação a outras pessoas ou coisas. "O Hassemer foi um dos primeiros sujeitos no mundo a defender o direito de manifestação popular. Na década de 1970, na Alemanha, quando havia aquele grupo Baader Meinhof, que era um grupo terrorista, muitas manifestações foram feitas contra o regime, o Hassemer foi o primeiro a dizer que as manifestações são a expressão da democracia, e devem ser asseguradas, mesmo que causem a perturbação da ordem."

O seminário vai resultar em um livro que será distribuído gratuitamente na Emerj e também em seu website. Ao final do evento, os juristas também assinarão um manifesto contra o projeto do Código Penal que foi aprovado pelo Senado, que, para Tavares, "é um projeto de Código Penal autoritário, que rompe com a tradição liberal do Direito Penal brasileiro".

Fonte: Jornal do Brasil

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