O clamor público é fundamento idôneo para decretar a prisão preventiva?

goo.gl/CSnU3n | Afinal, o clamor público é fundamento idôneo para decretar a prisão preventiva? O termo “clamor”, dentre outros significados, quer dizer: “discurso, geralmente aos gritos, de quem faz um suplício, um protesto, uma reclamação, etc.” (AURÉLIO, 2017).

Assim, entende-se por clamor público todo pedido que é formulado pela sociedade, e dirigido aos seus representantes, em razão de uma situação que gerou um abalo no meio social.

Em outras palavras, todo o descontentamento, toda a comoção social advinda da prática brutal de um crime gera na sociedade um sentimento de repulsa; uma antipatia em relação ao autor do fato criminoso.

Logo, em virtude de todo esse sentimento negativo, a sociedade – abalada pela ocorrência do delito – discursa a favor de um maior rigor, ou seja, de uma maior severidade na punição do individuo que realizou o fato tido por repugnante.
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Nota-se que o termo “clamor público’, não está expressamente previsto como fundamento para decretação da prisão preventiva. O artigo 312 apenas menciona que a prisão preventiva poderá ser decretada no intuito de garantir a ordem pública, o que, por si só, gera diversas possibilidades de decretação da preventiva, dando margem à possibilidade de decretação de prisões arbitrárias, em razão da vagueza da referida norma.

Sanguiné (2003), ao tratar do tema, diz que o termo “clamor público” é bastante amplo e possui diversos significados. A doutrina e a jurisprudência ora o relacionam com a repercussão causada pelo cometimento do crime, ora o relacionam com o abalo social causado pelo delito, e não poucas vezes, com a gravidade em abstrato do crime.

Assim, o clamor público pode ser justificado em razão da ocorrência de uma vasta gama de consequências naturais advindas da prática de um crime.

Em outros dizeres, o abalo no meio social, a gravidade, e a repercussão negativa do crime, são consequências naturais da prática de todo e qualquer um crime, pois toda conduta delituosa, por si só, gera uma desordem no meio social.

Sendo assim, a utilização do clamor público para fundamentar o decreto prisional de natureza preventiva dá margem para que se decrete a prisão preventiva na ocorrência de todo e qualquer crime, o que acaba gerando um grande insegurança jurídica.

Por sua vez, Lopes Jr. (2013) entende que a mídia explora os fatos criminosos de forma exagerada, causando, dessa forma, uma falsa sensação de temor e insegurança para a sociedade.

O “clamor público”, tão usado para fundamentar a prisão preventiva, acaba confundindo-se com a opinião pública, ou melhor, com a opinião publicada (LOPES JR, 2013, p. 110).

Ainda segundo Lopes Jr (2013), a decretação da prisão preventiva sob o manto de tutela da ordem pública, em razão do clamor social, é fruto da atuação da mídia, que de forma sensacionalista explora o fato criminoso, forjando a situação fática, que na verdade nunca existiu.
Vivemos em tempos estranhos. O vernáculo é superado pelo espetáculo, as leis são substituídas por holofotes, deixa-se de seguir a Constituição, para seguir opinião exposta no jornal ou, pior ainda, para estar no jornal no dia seguinte. (TALON, 2017, p. 59).
Talon (2017) diz que a pressão exercida pela mídia influencia a tomada de decisões por parte dos juízes, que acabam decidindo em desacordo com os parâmetros legais, como ocorre, por exemplo, nos casos de prisão em flagrante. Por vezes, mesmo não estando presentes os requisitos da prisão preventiva, os juízes decidem pela decretação da prisão em virtude da pressão que sofrem.

Nota-se, muitas vezes, que o que é veiculado na imprensa não condiz com o que está acontecendo na realidade fática. Além do que, em muitos casos, a exploração do fato criminoso é feita de maneira exagerada, podendo haver, inclusive, manipulação, o que acaba gerando uma falsa noção de realidade para a sociedade.
O clamor popular não autoriza, por si só, a custódia cautelar. Sem periculum in mora não há prisão preventiva. O clamor popular nada mais é do que uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais) (grifo nosso). Por essa razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. Garantir a ordem pública significa impedir novos crimes durante o processo. Nesse sentido: “A repercussão do crime ou clamor social não são justificativas legais para a prisão preventiva” (STF, RT, 549/417). (CAPEZ, 2016, p. 369). 
Nota-se que a decretação da custódia cautelar sob o manto do clamor público, em um determinado caso concreto, pode ocasionar uma injustiça. Sendo assim, não é sensato que a decretação de uma medida de caráter restritivo se dê, única e exclusivamente, em razão da pressão midiática ou da comoção social.
HABEAS CORPUS. PRISÃO CAUTELAR. CLAMOR PÚBLICO E REPERCUSSÃO SOCIAL. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS. AUSÊNCIA DE NULIDADE DA OITIVA DE TESTEMUNHA APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCEDÊNCIA. 1. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que a simples invocação do clamor público e da repercussão social, provocados pelo fato delituoso, não constituem fundamentos idôneos à decretação e manutenção da prisão cautelar.[...] (grifo nosso) (HC n° 85.046-Relator(a): Min.. EROS GRAU. Primeira Turma. Julgado em:10/03/2005).
Destarte, o clamor público não pode ser invocado para determinar a segregação cautelar do indivíduo que supostamente tenha cometido um crime. A opinião pública pode até tratar o indivíduo, que supostamente tenha cometido a infração, como se culpado fosse.

Contudo, os juízes e tribunais, ao menos em tese, não podem deixar se contaminar pelo sensacionalismo midiático, devendo, portanto, analisar cada caso concreto, de forma isolada, verificando, em cada um deles, se há ou não elementos suficientes para que a prisão preventiva seja decretada.
Tenha-se em conta que uma lógica antecipadora da "exemplaridade" é constitucionalmente inadmissível porque, por sua ambivalência, poderia mais facilmente permitir uma condenação antecipada pela polícia, se a esta o fato lhe parecesse mais ou menos cruel ou a pessoa mais ou menos perversa. Por isso, a função de "exemplaridade" na luta contra o delito, ou de "prevenção geral do delito", sai do âmbito processual cautelar para desenvolver-se em um campo idêntico e exclusivo da pena, com o que se assimila o imputado ao culpado, e converte a prisão preventiva em uma pena antecipada, quando menos, inconstitucional. (SANGUINÉ, 2003, p. 117).
De acordo com Lopes Jr (2013), as funções de prevenção geral e especial e retribuição são características exclusivas da pena, não podendo, portanto, serem buscadas na via cautelar.

Nota-se, portanto, que o clamor público não é fundamento idôneo para segregação cautelar, pois a prisão preventiva decretada a partir desse argumento ganha ares de pena antecipada, pois o indivíduo é tratado como se culpado fosse, em razão da incidência de institutos que são típicos da pena, que servem para que o indivíduo não volte mais a delinquir.

Ademais, deve-se ter em mente que o cometimento de um crime, por si só, gera uma sensação de medo e insegurança na sociedade, e, sendo assim, não se pode utilizar o argumento do clamor público, para que a prisão preventiva seja decretada sob o manto da garantia da ordem público, pois, se assim fosse, a prisão preventiva perderia sua excepcionalidade e seria decretada após o suposto cometimento de todo e qualquer crime.
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REFERÊNCIAS

TALON, Evinis. O criminalista. Vol 2. Porto Alegre. 2017.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 23° ed. São Paulo: Saraiva. 2016.

LOPES JR, Aury. Prisões Cautelares. 4 ed. São Paulo: Saraiva. 2013.

SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. Porto Alegre: Revista Estudos Criminais, n° 10, 2003.

Por Daniel Lima
Fonte: Canal Ciências Criminais

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