Advogados vs Inteligência Artificial - A saga dos Contratos: Por Guilherme Visconti

goo.gl/hPMFMX | Esta semana fui instigado por uma publicação do Thiago Romariz, Content Manager no Omelete, na qual ele falou que Inteligência Artificial é o tema de boa parte das discussões no SXSW, evento de tecnologia, comunicação e entretenimento que ele está acompanhando em Austin, nos Estados Unidos.

Além de expor um fato que está vivenciando, o Thiago também deu sua opinião sobre o assunto afirmando o seguinte:
Essa tecnologia aplicada a meios como jornalismo, propaganda, saúde e alimentação já toma conta do cotidiano de muita gente - e mais pra frente vai substituir muita força de trabalho. Até agora tudo parece mais positivo que negativo. Existem inúmeros problemas e lacunas para serem resolvidos, mas o vislumbre disso lá na frente parece ser mais interessante do que tecnologias como 360, VR, etc. Inteligência Artificial é aplicada em várias coisas hoje em dia, mas a questão do “aprendizado das máquinas” é o que mais chama atenção. O trabalho mais braçal, mais automático, vai ser dominado por robôs. Já existe tecnologia pra isso e o futuro do seu setor provavelmente passa por esse controle. E o ponto central é economizar tempo, a moeda mais valiosa de todas, seja onde for. Apesar das ressalvas, parece ser a mais efetiva e valiosa tendência discutida por aqui por um simples motivo: as aplicações reais extrapolam um meio, enquanto a experiência e o tempo do consumidor são otimizados. E para todo tipo de tecnologia essas fatores são essenciais. Não vejo a hora da era dos robôs realmente chegar”. Thiago Romariz (LinkedIn)
Como alguns de vocês já sabem, sou advogado e atuo basicamente propondo soluções jurídicas para as empresas, o que inclui uma gestão eficiente e segura de contratos. Na semana passada deparei-me com um estudo da empresa norte-americana LawGeex, realizado em parceria com os professores de Direito da Universidade de Stanford, da Faculdade de Direito Duke e da Universidade do Sul da Califórnia, cujo título foi destacado no melhor estilo Discovery Channel ou um filme da DC: "AI vs. Lawyers", em uma tradução livre: “Inteligência Artificial contra Advogados”.

Como quem tem cérebro tem medo (sei que a expressão não é essa, mas neste caso faz mais sentido assim!), o estudo ser em inglês e ter sido pouco comentado por aqui, fingi que não li, decidi não passá-lo para frente e segui minha vida, pois, em uma leitura fria daquele artigo, os advogados foram destruídos. O início do fim de uma carreira como "contratualista" estava anunciada.

Voltando ao início do texto, por um acaso, destino, sorte, uma entidade maior ou seja lá o que você acredita, a publicação do Thiago Romariz me acordou para minha total displicência, sendo que eu, um amante das ciências jurídicas e de novas tecnologias, não poderia fingir que a inteligência artificial não estava acontecendo na minha área de atuação.

O estudo pode ser baixado completo aqui, mas para contextualizar melhor, basicamente consistiu na seguinte verificação: em um primeiro momento, um time de professores e advogados experientes estabeleceram e revisaram uma lista de 30 disposições contratuais que devem constar em um NDA (Non Disclousere Agreement) padrão, também conhecido como “Acordo de Confidencialidade” em português.

Para quem não está familiarizado com o termo, o “NDA” ou “Acordo de Confidencialidade” é um documento firmado entre duas ou mais partes determinando que certas informações (em sentido amplo) disponibilizadas entre elas são confidenciais por um determinado período de tempo e não podem ser divulgadas a terceiros sob pena da parte divulgadora responder legalmente por este ato. É realmente um documento básico e é recomendável que toda empresa deveria ter um modelo padrão, caso se envolva em determinados negócios jurídicos.

Este documento é comum e muito utilizado, por exemplo, entre empresas que estão negociando alguns serviços, produtos, parcerias e necessitam trocar informações confidenciais sobre o negócio de cada uma delas para formalizar uma proposta comercial.

Voltando ao estudo, os pesquisadores escolheram 5 NDAs reais, diferentes entre si e os advogados tinham que identificar e destacar nesses documentos se todas as 30 disposições contratuais mencionadas lá em cima constavam nos documentos e, em caso afirmativo em qual parte deles.

Obviamente, os advogados foram informados quais eram as 30 disposições contratuais básicas estabelecidas antes da análise e que deveriam constar nos documentos.

Por outro lado, o programa de Inteligência Artificial desenvolvido pela LawGeex faria o mesmo, ressaltando-se o fato de que ela nunca havia processado qualquer um dos NDAsobjeto do estudo até então.

Ao final do estudo, concluiu-se os seguintes fatos:

  • 1 - O programa de Inteligência Artificial desenvolvido pela LawGeex teve uma média de 94% de acerto, enquanto os advogados, que eram 20 (vinte) no total, tiveram uma média de 85% de êxito;

  • 2 - Na média, os advogados levaram 92 minutos para concluir a análise completa dos 5 NDAs, sendo que o operador do direito que demorou mais tempo demorou 156 minutos e o que levou menos tempo acabou a análise em 51 minutos. O programa de Inteligência Artificial desenvolvido pela LawGeex demorou apenas 26 segundos para concluir toda a análise;

  • 3 - O programa de Inteligência Artificial desenvolvido pela LawGeex atingiu 100% de acerto em um dos contratos, enquanto o maior percentual de um advogado foi de 97%;

  • 4 - Analisando o resultado individual de cada um dos advogados, nota-se que ainda os que tiveram melhores desempenhos tiveram resultados muito próximos aos alcançados pelo programa de Inteligência Artificial, sendo que a diferença de tempo de conclusão do serviço é imensamente discrepante considerando-se a eficiência;

  • 5 - Os advogados beberam 12 copos de cafés e o programa de inteligência artificial nenhum.

A conclusão é óbvia: a inteligência artificial consegue ou conseguirá muito em breve exercer alguns trabalhos de advogado com muito mais eficiência do que nós, seres humanos meros mortais, podemos fazer e, mais, em uma qualidade bem próxima ou superior a de qualquer jurista experiente.

Isso quer dizer que nós, advogados, devemos nos encolher em um canto da sala com nosso cobertorzinho na mão e começarmos a chorar como um bebê? Claro que não! A não ser que você esteja com vontade de fazer isso e esteja precisando de uma desculpa, aí você pode ir na fé. Chorar faz bem.

Apenas a título de curiosidade, segundo a consultoria McKinsey, ainda que em análise de um cenário norte-americano que possui um sistema jurídico diverso do brasileiro, estima-se que 22% dos trabalhos de advogados e 35% dos trabalhos paralegais podem ser executados de forma automatizada e os números não devem ser tão diferentes no Brasil.

Então, o que isso quer dizer? Simplesmente que nós advogados temos como tornar nossos serviços mais eficientes automatizando cerca de 22% da demanda e focar, ainda com mais qualidade e técnica nos outros 78% restantes, o que inclui até mesmo os contratos complexos e que não são padronizáveis pois atendem uma realidade de um negócio específico para o seu cliente.

Importante mencionar que o desenvolvimento e atualização de sistemas de Inteligência Artificial no âmbito jurídico não são simples, o da LawGeex mesmo demorou mais de 4 anos para chegar no estado em que se encontrava à época do estudo e muito advogados foram consultados para que o resultado final fosse possível.

Ressalta-se ainda a dificuldade da Inteligência Artificial no Direito porque é uma área que há uma língua própria, o “juridiquês”. Para um leigo existe empréstimo, para um advogado, dependendo do caso, pode ser mútuo, comodato, depósito, apenas a título de exemplo e cada um tem sua regulação legal própria.

Nota-se que até mesmo para saber o contrato adequado utilizando-se a Inteligência Artificial, serrá necessário um conhecimento prévio de Direito, mas sou todo ouvidos as opiniões que entenderem o contrário. É só colocar aqui nos comentários!

Outra dificuldade, principalmente tratando-se de Brasil, é que estamos falando de uma área que está em constante aprimoramento e mudanças.

Apenas a título de exemplo, tratando-se de Brasil, em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) no segundo semestre de 2017, União, Estados e municípios editaram 5,47 milhões de normas desde a promulgação da atual Constituição Brasileira, em 5 de outubro de 1988.

Apenas para fins de didática, estamos falando, em média, de 535 leis, decretos, medidas provisórias, normas complementares ou emendas editadas por dia e, até onde eu saiba, que tem que acompanhar estas alterações legislativas e a relevância para o cliente ainda terá que ter um advogado, o qual poderá verificar todas as implicações das alterações nos seus negócios pretéritos e futuro, o que inclui uma análise contratual mais elaborada.

Assim como ninguém anda em um avião sem piloto, mesmo sabendo que existe o piloto automático; que ninguém usa uma máquina que faz uma cirurgia médica “sozinha”, sem um acompanhamento humano antes, durante e depois do procedimento, é evidente que até mesmo nos contratos padrões, os gestores de empresas ainda pedirão uma chancela de um advogado ainda nos contratos e este profissional ainda terá o papel primordial de trazer segurança jurídica na negociação , prevenção do litígio e, se este não puder ser evitado, atuando na própria situação contenciosa.

Assim, concordo com o Thiago que a tendência é que a Inteligência Artificial venha a somar em todos os ramos da sociedade e os advogados não estão excluídos disso, quem souber utilizar as novas tecnologias será ainda mais eficiente e poderá dedicar seu tempo as questões realmente relevantes do seu trabalho.

A Inteligência Artificial está aí e é para todo mundo, em todos ramos de atuação e, como disse o Thiago, até o momento parece trazer mais benefícios do que malefícios. Quem quiser brigar com ela em vez de se adaptar, vou dar um spoilier: você provavelmente vai perder essa luta e o robô provavelmente vai te engolir.

E então, como provavelmente a Chapeuzinho Vermelho diria nestes tempos modernos: “quem tem medo do robô-mau”?

Por Guilherme Visconti
Fonte: Jus Brasil

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