Interceptação telefônica: investigar fatos ou pessoas? Por Rodrigo de Oliveira Vieira

goo.gl/8gU3YM | A interceptação telefônica é, indiscutivelmente, importante ferramenta na investigação de crimes. Entretanto, imperioso que se a visualize sob o prisma constitucional. É que vivemos em um país cuja Lei Maior, em seu artigo inaugural, estabelece como princípio reitor o postulado do respeito à dignidade da pessoa humana.

Decorre daí que alguns valores inerentes àquele preceito receberam a tutela constitucional, na condição de garantias fundamentais, como, por exemplo, a vida privada, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas (artigo 5º, inciso X, da CF/1988: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”). Logo, toda medida invasiva da intimidade e da vida privada de qualquer cidadão importará no afastamento pontual de uma garantia fundamental, devendo ser vista como algo excepcional, a ser adotada somente quando presentes as hipóteses estritamente admitidas pela Constituição Federal e pela legislação ordinária.

São conhecidas as situações em que pessoas têm seus telefones mantidos sob interceptação por meses a fio, com a finalidade de saber-se se estão envolvidas em alguma infração penal. É o que se denomina interceptação para prospecção.

A questão que se põe como objeto deste breve artigo, é saber da viabilidade jurídica, à luz da Constituição Federal e da lei de regência, de adotar-se a interceptação telefônica para a investigação de pessoas suspeitas de envolvimento em ilícitos penais.

O artigo , inciso XII, a Carta Magna, estabelece a possibilidade da adoção de interceptação telefônica, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Quer parecer que esse dispositivo já indica que se trata de meio de investigação ou de apuração judicial de crimes, e não de ferramenta voltada a uma devassa pessoal.

No plano infraconstitucional, a Lei n.º 9.296/96 foi editada com a finalidade de regulamentar este último dispositivo constitucional, dispondo assim, no seu artigo :

Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Veja-se que o inciso I prescreve que somente será admitida a interceptação telefônica quando houver indícios razoáveis de participação ou autoria em infração penal.

Vale dizer, o que se pretende investigar ou apurar judicialmente é o crime, em relação ao qual hajam indícios razoáveis de autoria ou participação. Já o inciso III do mesmo artigo 2º é ainda mais claro, ao prever como requisito para adoção dessa medida invasiva da privacidade, que se trate de crime punido com reclusão.

E o parágrafo único do artigo da Lei n.º 9.296/96, é ainda mais explícito na previsão de que o pedido de interceptação telefônica, para o qual estão habilitados a polícia judiciária e o Ministério Público, deve descrever com suficiente clareza a situação objeto da investigação.

Para não deixar dúvida, o artigo , caput, da Lei n.º 9.296/96, estabelece que o pedido de interceptação de comunicação telefônica deverá conter a demonstração de que sua realização é necessária à apuração de infração penal.

Quer dizer, deve haver uma investigação já em curso, e a interceptação telefônica, obviamente, não poderá ser a primeira medida a ser adotada em seu âmbito, devendo ser objetivamente indicada a situação que se pretende apurar.

Importante enfatizar que, ao elencar como requisitos ao deferimento judicial da interceptação telefônica a demonstração de indícios suficientes de autoria ou participação em delitos, e que o fato sob investigação se trate de crime punido com reclusão, a lei está estabelecendo requisitos para a adoção de uma medida que significa o afastamento pontual de uma garantia constitucional.

Logo, é ônus de quem postula seja implementada tal ferramenta investigatória demonstrar ao Juízo, através de elementos concretos e objetivos já produzidos pela investigação, a presença dos requisitos legais.

Em síntese, não há espaço para que, por meio da interceptação telefônica, se promova uma verdadeira “caçada” contra determinada pessoa, invadindo-se sua intimidade e devassando-se sua vida privada, ainda que a pretexto de investigação de crimes.

Com efeito, em um Estado Democrático de Direito não pode haver viabilidade jurídica para que se instaure investigação dirigida contra uma pessoa. O que se investiga são os fatos, em relação aos quais há suspeita de envolvimento de participação de pessoas.

Aliás, o nosso vetusto Código de Processo Penal, editado em 1941 sob indiscutível inclinação fascista, no seu artigo , já deixa claro que a atividade investigatória da polícia judiciária se destina à apuração de infrações penais e de sua autoria. Para dizer de forma mais clara: investiga-se o fato para saber-se quem é (ou quem são) seu (s) autor (es). Não se investigam pessoas para saber se elas cometeram ou não crimes.

Quanto à investigação criminal conduzida pelo Ministério Público, ainda que não conte com marco legislativo próprio, por óbvio, deve obediência ao Código de Processo Penal, cujo artigo , antes mencionado, determina que a investigação pré-processual é destinada à apuração de infrações penais.

Aliás, na resolução que disciplina a investigação criminal pela Instituição, o Conselho Nacional do Ministério Público estabeleceu que o procedimento investigatório criminal instaurado e presidido por membro do Ministério Público com atribuição criminal, terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de iniciativa pública (artigo 1º da Resolução n.º 181/2017 – CNMP, com alterações determinadas pela Resolução n.º 183/2018). Quer dizer, a investigação será instaurada com vista à apuração de fatos.

No que diz com a investigação no âmbito parlamentar, o artigo 58, § 3º, da Constituição Federal, é claríssimo ao dispor que as comissões parlamentares de inquérito serão instauradas para apuração de fato certo e determinado.

Sob outro enfoque, interessante assinalar que a Constituição Federal, no artigo 136, § 1º, inciso I, alínea c, prevê que, vigendo situação de Estado de Defesa, a restrição ao sigilo das comunicações telefônicas é uma das medidas passíveis de adoção. Com efeito, o Estado de Defesa, sendo instituto destinado ao restabelecimento da ordem pública ou da paz social, poderá vigorar por, no máximo, 60 dias.

Portanto, se, em contexto de anormalidade institucional, o prazo máximo que poderá perdurar medida de restrição ao sigilo das comunicações telefônicas, é de 60 dias, soa ilógico que, em situação normal, ou seja, fora de Estado de Defesa, a interceptação telefônica possa ser adotada por prazo indefinido.

Portanto, tendo-se em conta a natureza do instituto, e o que ele implica de sacrifício pontual de uma garantia fundamental, não há viabilidade para as denominadas interceptações telefônicas para prospecção. Cuida-se, a interceptação, de medida a ser adotada depois que o crime é cometido, para fins de apurar-se sua existência e quem sejam seus autores. Não é ferramenta a ser executada previamente a eventual crime, com finalidade de prospectar-se se determinada e específica pessoa irá ou não praticar infração penal.

O que é exceção não pode ser visto como regra. E vice-versa. E assim o é, porque assim o determina a Constituição, quer gostem, quer não gostem.

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Por Rodrigo de Oliveira Vieira
Fontes: Canal Ciências CriminaisJus Brasil

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