Antecedentes criminais e o reconhecimento do tráfico privilegiado - Por Ana Luíza Teixeira

goo.gl/xcRHrG | O instituto do tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, se trata de uma causa de diminuição de pena que estabelece a redução de um sexto a dois terços das penas referentes aos delitos definidos no caput e §10º do mencionado artigo.

Para fazer jus à aplicação desta causa de diminuição de pena, é necessário que o agente preencha, cumulativamente, os seguintes requisitos: primariedade, bons antecedentes, não dedicação às atividades criminosas e não participar de organização criminosa.

Especificamente quanto ao conceito de antecedentes criminais, Celso Delmanto explica:
"São os fatos anteriores de sua vida, incluindo-se tanto os antecedentes bons como os maus. Serve este componente especialmente para verificar se o delito foi um episódio esporádico na vida do sujeito ou se ele, com freqüência ou mesmo habitualmente, infringe a lei (DELMANTO, 2002. p. 110).
A separação entre bons e maus antecedentes se dá por exclusão, sendo que se compreende por maus antecedentes as condenações criminais transitadas em julgado desde que passado o lapso temporal da reincidência. Lembrando do teor da Súmula 444 do STJ que veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base, em razão do princípio da presunção de inocência.

Logo, se ausentes registros criminais (nos moldes acima descritos) no histórico do acusado, este já tem claro seus bons antecedentes, independentemente de qualquer comprovação, bastando apenas sua “ficha limpa”.

Entretanto, não raras vezes, deparamo-nos com casos em que juízes deixam de reconhecer o tráfico privilegiado, “em virtude de que o réu não comprovou bons antecedentes”, alegando ser necessário um exame positivo de sua vida pregressa, não podendo ser confundido somente com a primariedade e ausência de maus antecedentes.

Neste caso, cabe ressaltar que o ônus da prova acerca da ausência dos requisitos cumulativos em questão é de responsabilidade da acusação, em virtude, novamente, do princípio da presunção de inocência. Caso o Ministério Público não o faça, isto é, não comprove a impossibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena referida, a dúvida sempre ficará em favor do réu, devendo ser aplicada a minorante (LIMA, 2016. pp. 759-760).

E este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em diversos julgados (STF. 1ª Turma, RHC 107.759/RJ. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 18.10.2011, DJe 227 29.11.2011; STF. 2ª Turma, HC 99.608/SP. Rel. Min. Eros Grau. Julgado em 15.12.2009, DJe 91 20.05.2010), destacando-se um caso de relatoria do Min. Joaquim Barbosa:
"Habeas Corpus. Tráfico transnacional de drogas. Afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Fundamentação inidônea. Inversão do ônus da prova. Inadmissibilidade. Precedentes. O afastamento da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 exige fundamentação idônea. A ausência de provas do envolvimento em atividades criminosas ou da participação em organização criminosa deve ser interpretada em benefício do acusado e, por conseguinte, não é suficiente para afastar a aplicação da causa de redução da pena. Incidência do princípio da presunção de inocência e da regra do in dubio pro reo. Precedentes. Ordem parcialmente concedida apenas para afastar o óbice à aplicação da causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, devendo a fixação do quantum ser realizada pelo juízo do processo de origem ou, se já tiver ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória, pelo juízo da execução da pena. (grifo nosso) (STF. 2ª Turma, HC 103.225/RN. Rel. Min. Joaquim Barbosa. Julgado em 11.10.2011, DJe 221 21.11.2011).
Portanto, como os maus antecedentes dependem de comprovação, não podendo ser esta exigida do réu, a ausência de prova nesse sentido inviabiliza que o fato objeto de suposta “dúvida” conduza à presunção de que o recorrente não tenha bons antecedentes.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul segue o mesmo entendimento, ou seja, sendo primário e não registrando antecedentes em seu desfavor, não havendo elementos que demonstrem que o réu se dedica às atividades ilícitas ou integre organização criminosa, o benefício deve ser reconhecido. Veja-se:
"APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS PRIVILEGIADO. APREENSÃO DE COCAÍNA. INSURGÊNCIAS MINISTERIAL E DEFENSIVA. PALAVRA DOS POLICIAIS. PROVA VÁLIDA. Os policiais responsáveis pelo flagrante confirmaram, de forma uníssona, que, com base em informações dando conta que o réu estaria transportando drogas entre os municípios de Santa Maria e Rosário do Sul/RS, foram realizadas buscas no coletivo tripulado pelo acusado, resultando na apreensão de significativa volumetria de cocaína em seu poder. POSSE DE DROGAS. Irrelevante o fato de se tratar o réu de consumidor de entorpecente, circunstância que não inviabiliza a condenação deste pelo delito de tráfico de drogas. PENA. Tendo em vista a apreensão de significativa volumetria de cocaína, adequada a elevação da pena-base com fundamento na quantidade e natureza da droga em questão, em observância ao art. 42, da Lei 11.343/06. TRÁFICO PRIVILEGIADO. O réu é primário e não registra antecedentes em seu desfavor, tampouco havendo elementos a demonstrar que o acusado se dedicasse às atividades ilícitas ou integrasse organização criminosa, sendo devido o reconhecimento da benesse, embora em patamar inferior ao admitido na sentença. À simetria, redimensionada a pena pecuniária pela aplicação da privilegiadora. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITO. A elevação da pena importa em prejudicialidade da substituição operada na sentença. Benefício cassado. REGIME CARCERÁRIO. Mantido o regime fechado para o cumprimento da pena, tendo em vista as particularidades do caso em concreto e a apreensão de cocaína em poder do réu, com fulcro no art. 33, §§2º e 3º, do CP, c/c art. 42, da Lei 11.343/06. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (grifo nosso) (Apelação Crime Nº 70050667021, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandro Luz Portal, Julgado em 28/06/2016)
Portanto, conclui-se que o acusado não pode receber, sem fundamentação idônea e comprovação acusatória, uma pena maior quando a lei permite apenamento mais brando, devendo ser afastado óbice à aplicação da causa de redução de pena prevista no parágrafo 4.º do artigo 33 da Lei 11.343/2006.

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REFERÊNCIAS

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada. Salvador: Juspodvim, 2016.

Ana Luíza Teixeira Nazário
Especialista em Ciências Penais. Advogada criminalista.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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