Rediscussão de fatos e provas: como elaborar REsp ou RE sem incorrer nessa falha

goo.gl/D8Xhsi | Os advogados bem sabem o quanto é uma missão inglória a interposição de Recursos Extraordinários (em sentido amplo). A grande dificuldade em recorrer aos Tribunais Superiores é fazer com que os recursos sejam conhecidos, seja pela presidência do Tribunal recorrido, seja pelo Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal. O juízo de admissibilidade do Recurso Especial e Extraordinário é tão relevante que quando o Novo Código de Processo Civil foi promulgado, Ministros do STF e STJ protestaram contra a nova regra que extinguia o juízo de admissibilidade pelo Tribunal de origem com base em dados que mostravam que uma maioria massacrante de recursos sequer chegavam às instâncias superiores por inadmissibilidade, e quando chegavam por meio de Agravos, raramente eram conhecidos. Alegavam os Ministros que a extinção do filtro sobrecarregaria demais os Tribunais Superiores. Conseguiram, ao final, reestabelecer o duplo juízo de admissibilidade com a edição da Lei nº 13.256/2016.

Sem dúvidas, o maior gargalo dos Recursos Especiais é o temido enunciado nº 7 da Súmula do STJ (“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”) e, de igual modo para o Recurso Extraordinário, o enunciado nº 279 da Súmula do STF (“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”). Segundo o entendimento sumulado, a instância extraordinária não rediscute provas, o que impede a apreciação de boa parte das insurgências que ali aportam.

Mas, afinal, o que significa a rediscussão de provas?

A pergunta é relevante na medida em que muitos causídicos não compreendem adequadamente o verbete e, desse modo, elaboram recursos que não tem chance de admissão. Os Tribunais de Apelação (Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais), por sua vez também pecam muito na aplicação do enunciado, muitas vezes negando conhecimento a recursos absolutamente admissíveis.

Pretendemos, no presente artigo, contribuir para uma melhor compreensão do que efetivamente não se pode discutir no âmbito das instâncias extraordinárias.

A FUNÇÃO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES


É a Constituição Federal quem define as competências e funções dos Tribunais Superiores, notadamente do STJ e STF, nosso objeto de estudo. As Cortes possuem competências originárias e recursais (ordinárias e extraordinárias). A competência recursal extraordinária é, como o próprio nome sugere, excepcional e possui uma série de requisitos de admissibilidade específicos (esgotamento prévio da instância ordinária, prequestionamento e etc) com o intuito óbvio de criar um verdadeiro funil recursal.

A função, de acordo com a Constituição Federal, do Superior Tribunal de Justiça, enquanto instância extraordinária, é uniformizar a interpretação da Lei Federal; a função do Supremo Tribunal Federal é uniformizar a interpretação da Constituição Federal.

Considerando essa função específica, o STJ e STF analisam o acerto e desacerto do Acórdão recorrido apenas quanto a aplicação do direito, e não quanto à interpretação dos fatos.

É dizer: em determinada situação fática o ordenamento jurídico prevê essa ou aquela solução jurídica. É esse o modelo de julgamento pretendido pelo STJ e STF, o que se distancia muito do julgamento feito pelos Tribunais de Apelação que analisam documentos, depoimentos, provas periciais e todo o caderno processual para concluir pelo acerto e desacerto do juízo de primeiro grau não só quanto à aplicação do direito, mas sobretudo quanto à interpretação dos fatos.

Como fica, pois, a discussão dos fatos no Recurso Especial e Extraordinário?

O DIREITO E OS FATOS


Não há direito sem fatos. Não há aplicação do direito que esteja descolada, ainda que hipoteticamente, de uma situação fática, ainda que hipotética. É, portanto, equivocado afirmar que nos Recursos Especiais e Extraordinários os fatos não são discutidos. Pelo contrário, os fatos são relevantíssimos para fixar qual é a tese jurídica aplicável ao caso.

O advogado tem que ter em mente, no entanto, que não deve impugnar as premissas fáticas estabelecidas no Acórdão. O possível, nos recursos excepcionais, é discutir a solução jurídica sobre os fatos tidos como verdadeiros. Em seu recurso, o advogado deve trabalhar com os fatos admitidos pelo Acórdão e argumentar a teses de que o ordenamento jurídico prevê solução diversa.

A feliz lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero bem sintetiza a questão: “o material que pode ser trabalhado em recurso extraordinário e recurso especial, portanto, é composto de fatos e de direito – até mesmo porque fato e direito se interpenetram no processo de delimitação do caso, interpretação e aplicação do direito. O que não é possível é rediscutir a existência ou inexistência dos fatos em recurso extraordinário e em especial (súmula 279, STF, e súmula 7, STJ). Vale dizer: o recorrente tem que trabalhar com o caso em seu recurso partindo da narrativa fática estabelecida pela decisão recorrida.” (Novo código de processo civil comentado, São Paulo: RT, 2015, p. 968).

É importante lembrar que toda decisão judicial estabelece as premissas fáticas e sob essas premissas aponta a solução jurídica que resolve aquele litígio. É, pois, o Acórdão recorrido que irá definir o quadro fático sob o qual o Recurso Especial ou Extraordinário deverá ser construído. O recorrente poderá apenas impugnar a solução jurídica dada ao caso, desde que a solução jurídica que ele – recorrente – reputa correta não demande alteração nas conclusões fáticas do Acórdão. O Recurso Especial e Extraordinário, por fim, impugna a roupagem jurídica que o Acórdão recorrido vestiu aos fatos.

Alguns exemplos facilitam compreender a questão:

Imagine um caso em que o Autor pleiteia a condenação do Réu a indenizá-lo por danos materiais. Se o Acórdão prolatado pelo Tribunal de Apelação admitir a ocorrência do dano material, não adiantará ao Réu interpor Recurso Especial alegando que o dano material não ocorreu, pois para concordar com essa tese o Superior Tribunal de Justiça teria de alterar as premissas fáticas do Acórdão recorrido.

Imagine outro caso em que o Acórdão prolatado pelo Tribunal de Apelação tenha reconhecido a prescrição por entender que o caso é de reparação civil e, portanto, o prazo prescricional é de 3 anos, nos termos do art. 206, § 3º, V do Código Civil. Poderá o sucumbente interpor Recurso Especial com o objetivo de contestar a incidência daquele prazo prescricional ao caso e sustentar, por exemplo, que o caso seria de cobrança de dívida líquida constante em instrumento particular, em que o prazo prescricional é de 5 anos, conforme o art. 206, § 5º, I do Código Civil.

Por outro lado, de nada adiantará interpor Recurso Especial ou Extraordinário argumentando que o depoimento de determinada testemunha diz isso ou aquilo, pois o Acórdão recorrido, se não enfrentou esse ponto, entendeu que era irrelevante, e a alteração da conclusão somente se daria com a alteração das conclusões fáticas. De igual modo, se o Acórdão considerou o resultado de uma perícia como fato relevante na solução do caso, de nada adiantará argumentar que há outras provas que desabonam a conclusão pericial.

Em resumo, o fracasso do recorrente é certo caso ele decida argumentar o desacerto do Acórdão recorrido a partir de suas premissas fáticas. O correto é questionar apenas e tão somente a valoração jurídica dada aos fatos pelo Acórdão prolatado.

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Euripedes Souza é advogado na GMPR Advogados e coordenador do núcleo de Direito Constitucional do Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD). Seu contato é euripedes@gmpr.com.br e pode ser encontrado no Facebook e no Instagram.

Instituto de Estudos Avançados em Direito
O IEAD é uma entidade técnico-científica, estruturado como associação privada, sem fins lucrativos nem filiação partidária, com ampla atuação nacional, com inclusões estaduais por meio de suas diretorias.
Fonte: Jus Brasil

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