Opinião: A contagem dos prazos no processo penal e a alteração na Lei 9.099/95

goo.gl/sCJUuW | Foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (1º/11) a Lei 13.728/18, que alterou a Lei 9.099/95, estabelecendo que, na contagem de prazos para a prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, serão computados somente os dias úteis. A alteração está consubstanciada no acréscimo do artigo 12-A, com a seguinte redação:
“Art. 12-A. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, para a prática de qualquer ato processual, inclusive para a interposição de recursos, computar-se-ão somente os dias úteis”.
Como se sabe, sob a égide do velho Código de Processo Civil, “o prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, é contínuo, não se interrompendo nos feriados”, nos termos do artigo 178 do Código de 1973. Ademais, “a superveniência de férias suspenderá o curso do prazo; o que lhe sobejar recomeçará a correr do primeiro dia útil seguinte ao termo das férias” (artigo 179).

Contava-se o prazo de forma contínua, sem interrupção nos finais de semana ou feriados. Optou-se, à época, por um curso contínuo dos prazos processuais.

Com a promulgação do novo código, houve uma completa modificação neste tema, prevendo-se, no atual artigo 219, que “na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”, devendo ser desprezados os finais de semana e os feriados.

No processo penal, desde a redação original do Código de Processo Penal, a regra está estabelecida no caput do artigo 798, segundo o qual “todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado”, não se computando “no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento”. Ademais, “o prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato”.

Já na Lei 9.099/95 não havia disposição relativa à maneira de contagem dos prazos processuais, prescrevendo-se apenas que “os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária” (artigo 12). Também o artigo 64 dispõe que “os atos processuais serão públicos e poderão realizar-se em horário noturno e em qualquer dia da semana, conforme dispuserem as normas de organização judiciária”.

Pois bem.

Observa-se que, nada obstante una, esta lei especial trata de dois procedimentos distintos, um na área cível, outro na área penal. Nos artigos 1º a 59 temos o procedimento sumariíssimo para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade. A partir do artigo 60, e até o final, disciplina-se o procedimento sumariíssimo para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo.

Assim, as regras a serem observadas, subsidiariamente, são as do Código de Processo Penal e as do Código de Processo Civil, conforme se trate de procedimento no Juizado Especial Criminal ou Cível, respectivamente.

Aliás, no que diz respeito ao Juizado Especial Criminal, há disposição expressa no sentido da aplicação subsidiária das disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal (artigo 92).

Com a nova modificação, introduzindo-se o artigo 12-A, apenas ficou consignado no texto da lei o que já se continha no Código de Processo Civil, conforme acima transcrito. Neste sentido, a alteração até seria desnecessária.

Porém, quanto ao procedimento nos Juizados Especiais Criminais, nada foi alterado, pois deve continuar sendo seguida, como sempre o foi, a regra prevista no artigo 798 do Código de Processo Penal. São procedimentos diversos (nada obstante sumariíssimos) que devem obedecer às respectivas normas processuais.

Veja-se, por exemplo, que o Enunciado 710 da súmula do Supremo Tribunal Federal estabelece regra específica a ser observada apenas nas ações penais: “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.

Só poderíamos cogitar a respeito da aplicação do novo artigo 12-A às ações penais se não houvesse, para o processo penal, uma disposição particular que tratasse da mesma matéria, o que não é o caso (vide artigo 798 do Código de Processo Penal).

Observa-se que não se aplica aqui o artigo 3º, do Código de Processo Penal, segundo o qual “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”, pois não há lacuna legislativa para ser preenchida nem dúvida acerca de aplicação da norma processual.

Portanto, o novo artigo 12-A não se aplica a nenhum procedimento criminal, tratando-se de dispositivo regulador apenas do procedimento sumariíssimo a ser observado nos Juizados Especiais Cíveis. Caso fosse outra a “intenção” do legislador, certamente a nova lei teria também acrescentado, por exemplo, o artigo 64-A com a mesma redação do artigo 12-A.

Para concluir, reiteramos que, em definitivo, não se deve aplicar regras do processo civil ao processo penal, sob pena de fazermos uma verdadeira e odiosa “processualização civil” do processo penal. A chamada Teoria Unitária (que acredita na Teoria Geral do Processo) é inadmissível exatamente porque não há similitude entre os conteúdos do processo civil e do processo penal.

Eugenio Florian, já em 1927, teve a lucidez de estabelecer a contradição de uma Teoria Geral do Processo. Para ele, era inadmissível a tese da identidade dos dois processos:
“A nosso juízo, o processo penal e o civil são duas instituições distintas. O objeto essência do processo penal é, como vimos, uma relação de direito público, porque nele se desenvolve outra relação de direito penal. Já no processo civil o objeto é sempre ou quase sempre uma relação de direito privado, seja civil ou mercantil. (...) O processo penal é o instrumento normalmente indispensável para a aplicação da lei penal em cada caso; o civil, ao contrário, não é sempre necessário para atuar as relações de direito privado. (...) No processo civil o juízo está regido exclusivamente por critérios jurídicos puros (...), ao contrário do processo penal em que se julga um homem e, por isso mesmo, o juiz deve inspirar-se em critérios ético sociais. (...) O processo civil tem caráter estritamente jurídico, e o penal, no qual se trata de julgar um homem, tem também caráter ético. (...) Leva-se em consideração, equivocadamente, algumas formas comuns entre o processo civil e o processo penal de mínima importância, descuidando-se de elementos diferentes, que são decisivos. (...) O triunfo da tese unitária conduziria a absorção da ciência do processo penal pela ciência do processo civil, perdendo o primeiro a sua autonomia, resultando profundamente alterado em sua concepção e estrutura”1 (tradução livre).
O próprio Ovídio Baptista da Silva, consagrado processualista civil, ao escrever a sua Teoria Geral do Processo Civil (em coautoria com Fábio Gomes), posicionou-se terminantemente contrário à Teoria Unitária do Processo. Após alinhar alguns argumentos de outros autores a favor da tese, afirma:
“Não convencem, entretanto, as razões alinhadas em prol da construção de um conceito unitário, bem como da elaboração de uma teoria geral adequada tanto ao processo civil como ao processo penal. Muitos doutrinadores que defendem tal unidade se contradizem logo de início. (...) Os próprios doutrinadores que defendem a unidade fundamental do processo ressalvam a identidade própria dos respectivos ramos, o que, a rigor, encerra uma contradição; a não ser que entendamos esta unidade em termos extremamente finalísticos, mas, então, cair-se-ia no plano da teoria geral do direito. (...) O direito processual civil, como o direito processual penal, juntamente como todos os demais ramos da ciência jurídica, constituem uma vasta unidade, um conjunto harmônico de normas coordenadas, cuja independência, entretanto, deve ser respeitada”2.
Em definitivo, há “coisas” completamente diferentes entre o processo penal e o processo civil e não somente meras peculiaridades, como costumam afirmar os adeptos da Teoria Unitária.

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1 Eugenio Florian, Elementos de Derecho Procesal Penal, Barcelona, Bosch Editorial, 1933, págs. 20 a 23.
2 Teoria Geral do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, págs. 38 e 40.

Por Rômulo de Andrade Moreira
Fonte: Conjur

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