A necessária mudança na “legislação penal” - Artigo de Diorgeres de Assis Victorio

goo.gl/RzKqvk | Muito se tem falado sobre a necessidade de um Novo Código Penal. Eu vou um pouco mais adiante: o problema é o da Síndrome da Bola de Cristal que contaminou o Legislativo. Temos sérios problemas com o quantum nas Ciências Criminais. Mas de que quantum estarias eu a me referir, não é mesmo?

Há algo que não vejo a Criminologia, elaborar estudos e não tomei conhecimento sobre o quantum da Pena em Abstrato[1], que é aquele “valor” (sem fundamentação científica) de pena mínima e de pena máxima que o legislador entendeu ao seu bel prazer cominar, se esquecendo da sua responsabilidade quanto a esse “palpite penal”, tendo em vista que a pessoa presa um dia obrigatoriamente retornará à sociedade:
"Como justamente observa Jiménez de Asúa nas mais belas e sugestivas páginas da sua Psicoanálisis criminal, os investigadores provaram que a prisão mata espiritualmente o homem, destrói nêle (sic) tôda (sic) mola ativa e tôda (sic) reação útil para a vida em comum, e empurra pelas suas portas, ao têrmo (sic) da pena um pobre indivíduo desalentado e radicalmente estéril para a comunidade, ou um ser mais rancoroso, mais inadaptado, mais agressivo que o que entrou na penitenciária. Segundo as observações de Sieveres, deduzidas do estudo de memórias de reclusos, a psique do condenado conserva, ainda que retorne à vida livre, perniciosos resíduos deformantes, que se podem sintetizar nos seguintes >incapacidade de concentração, debilidade da memória, ilusionismo fantástico, insatisfação da vida afetiva, defeitos no domínio de si mesmo, diminuição do impulso de sociabilidade, falta de alegria no trabalho, ausência de decisão e de vontade. O liberado manifesta, por êstes (sic) sinais de conduta, deficiências ou deformações psicológicas que afetam a atenção, a memória, a imaginação, o sentimento, a vontade, todo o seu mecanismo psicológico. Com razão são chamados “homens rotos”. (FUNES, Mariano Ruiz. A crise nas prisões. 1953, p. 118)
Dentro do cárcere eu via o dia a dia dos presos e posteriormente analisava a parte criminal dos mesmos (o velho “vício” de pesquisador criminal que ainda não abandonei).

E nesse hobby eu escolhia a dedo quem ia “merecer” ser “pesquisado”, então eu verificava que muitos presos possuíam mais de um processo como homicidas.

Eu ficava me perguntando e me respondendo (quando ficava esperando as “trocas de facas” acabarem, alguém tem que tombar, afinal disseram “Vai Morrê” “Vai Subi” e o crime não é comédia):
"De qual ciência, o legislador penal se fundamentou para criar os valores das penas em abstratos prevista em nosso Código Penal?
E respondo-me:
"Com certeza foram dos estudos realizados nas pessoas presas, não é mesmo?
Afinal de contas, desde que a pessoa é presa, ela já é submetida a uma primeira avaliação de sua personalidade, e assim ela é “aferida” ao menos semestralmente (visando traçar mecanismos ao legislador penal pátrio, que assim terá meios de elaborar a pena em abstrato).

Assim, conforme for permanecendo presa, ocorrerão outras avaliações, com o escopo de verificar se está sofrendo os efeitos da prisionização e da despersonalização.

Se esses efeitos influenciam na reincidência e a que nível, visando assim efetuar estudos sobre criminalização, pois no cárcere, se assim desejar, poderá se aperfeiçoar em suas técnicas criminais, ou ampliar o seu “curriculum criminale[2] (criminalização terciária) com o aprendizado de outros crimes.

É deveras dificultoso àquele que está preso não sofrer a criminalização terciária, tendo em vista que por questão de sobrevivência no cárcere vai ter que falar, andar, comer, ou seja, “proceder” na cadeia como o mundo daquela cadeia determina que ele proceda.

Temos via de regra umas regras básicas da cadeia, mas nunca podemos deixar de nos esquecer é que uma cadeia não é igual a outra, e, sendo assim, ela (o “ela” aqui representa as pessoas presas) cria suas regras internas que se adaptam à realidade e necessidade daquela prisão, daquelas pessoas presas, para a vida naquela sociedade enclausurada.

A sua vida dependerá da caminhada na cadeia, que muitas vezes poderá estar atrelada a sua “caminhada no crime” (que inclui a caminhada/proceder da/na rua e da/na cadeia) e com todos esses ingredientes criminógenos a sua personalidade será moldada para retornar a sociedade.

Aqui pergunto aos leitores, a academia científica e ao legislador:
"Essa pena em abstrato que vem vindo sendo “empurrada a nossa goela abaixo” gerando aumento da criminalidade desde a sua criação (aqui trato do Código Penal de 1940, não que eu não queira viver muito, mas não gostaria de ver o código penal brasileiro completar 100 anos de existência) vem demonstrando alguma eficiência quanto à inibição da criminalidade?
Infelizmente, essa falta de responsabilidade do legislador pátrio quanto a não observar a necessidade da cientificidade quando da criação da pena em abstrato nos faz tentar (sobre)viver com essa falsa impressão que a condenação criminal e a prisão são capazes de resolver a problemática do fenômeno da criminalidade.

Que ingenuidade de nossa parte. Fico pensando: se realmente a “sociedade como um todo” realmente se interessasse por temas como crimes e prisão, sem sombra de dúvidas a situação não seria a atual.

Seria interessante se os conselhos, ordens, centros, institutos e profissionais da área que sabem da sua importância para mudança no quadro atual de nossa criminalidade, se unissem para que possamos analisar a pessoa que foi presa.

Efetuar mais estudos de Criminologia Penitenciária para que assim, baseados nesses estudos de nossa população carcerária, elaborar não uma Política Criminógena que vemos hoje, mas sim uma Política Criminal que servirá para mostrar ao legislador o fenômeno criminal e a conclusão dos estudos apresentados.

Sem estudos continuaremos nesse enxugar gelo de prender, despersonalizar, criminalizar e desprepará-lo mais ainda para ser reintegrado à sociedade.
"Para a política criminal restava a função de, baseada nos conhecimentos da análise da realidade criminal, naturalística e empírica – baseada, numa palavra, na criminologia tal como ela era então concebida – , dirigir ao legislador recomendações e propor-lhe directivas em tema de reforma penal. (DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte Geral: tomo I. São Paulo; Editora dos Tribunais; Portugal; Coimbra Editora, 2007, p. 23)
Como já disse um velho amigo de graduação em um comentário em um artigo que escrevi neste mesmo Canal:
"Como o fez durante a apresentação de uma palestra na nossa querida Universidade de Taubaté, ao confrontar o Secretário de Segurança Pública de São Paulo acerca da Existência do PCC nos presídios de São Paulo, em especial os localizados no Vale do Paraíba, e a Casa de Custódia, o qual veementemente negou. Todavia, pouco tempo depois, ocorre aquela grande virada pelo PCC o que acabou por comprovar tudo o que o Diogeres havia mencionado durante aquela palestra.
Entendo ser necessário quando for elaborar não somente o Novo Código Penal, mas na verdade qualquer “norma”, nunca se esqueça, caro legislador, quando da exposição de motivos, nos informar em qual, ou quais estudos científicos, ele se fundamenta para estabelecer o quantum necessário para atingir a finalidade/objetivo/efetivação da norma. O crime não aceita amadores e o Estado de Direito necessita que o legislador também não o seja.
"Na verdade, como salienta AASHLEY MONTAGU, mestre das Universidades de Nova York e Harvard, não sabemos de maneira científica e detalhada porque o homem se comporta dessa maneira. Ele entende que estamos tão avançados no estudo da violência humana quanto no estudo do resfriado comum ou como estávamos no estudo do átomo em 1889 (SOUZA, Moacyr Benedito de. A crise na Política Criminal Jurisprudência Brasileira. Curitiba: 5ª série, 1983, p.13.)
É sabido que essa tarefa de avaliar a personalidade da pessoa presa não será nada fácil, afinal de contas sofrem com as mazelas do cárcere, dentre elas o Ostracismo:
"Isso transforma um homem, que nós pretendemos conhecer imediatamente, num homem que não se quer deixar conhecer. O que acontece, então, nesse sistema é que nós envernizamos uma personalidade delinquente; por fora, nós lhe damos uma aparência de que está entrosada no sistema penitenciário, como um bom sentido de recuperação; quando não é verdade: ele está vivendo um duplo papel; ele está vivendo o papel do homem que não quer ser castigado por infração de normas regulamentares e o de um homem que não quer ser castigado pelos seus companheiros, caso ele não venha a se comportar como eles desejam que ele se comporte naquele meio. Neste caso quais são as regras mais importantes para ele, do ponto de vista da adesão da vontade? São aquelas regras do meio em que ele vive, e que o ajudarão a sobreviver, e não as normas nossas morais do grupo social nosso, com qual ele não está convivendo no momento; portanto, ele pode adiar, para um futuro mais ou menos longínquo, o aprendizado dessas verdades que nós queremos que ele aprenda. Primeiro ele vai aprender as normas daquele meio; esse fenômeno se chama hoje cientificamente em Penologia, Prisionização, o homem que se prisioniza (PIMENTEL, Manoel Pedro. Sistemas Penitenciários. Revista dos Tribunais. São Paulo: v. 639, ano 78, 1953, p. 115.)
Sinto com meu dever de estudioso da Criminologia Penitenciária cumprido quando elaboro textos nessa linha de pesquisa, tendo em vista que as academias não dão importância a Criminologia, imaginem então uma das ramificações da Criminologia, ou seja, a Criminologia Penitenciária.

Muitas vezes me sinto em um oceano nadando contra a maré, mas foi exatamente por esse motivo que desde 1994 prometi pesquisar sobre o tema tendo em vista o abandono acadêmico muitas vezes ocasionado pelas dificuldades em pesquisas dessa natureza. Entendo porque até eu mesmo tenho essas “dificuldades”, por mais incrível que isso possa parecer.

Mas acredito que um dia alguém me “ouvirá” e assim eu não tenha que ler e ouvir (com tristeza) mais uma vez as frases que venho ouvindo e lendo por toda minha vida profissional/acadêmica (como eu gostaria de estar errado):

"– Puts você viu…bem que você falou!

– Cara, aconteceu igualzinho você falou!

– Mas como que você adivinhou tudo que ia ocorrer?

E etc.

Lamento que tenhamos avançado tão pouco nos estudos da trissomomia cromossômica assim como no estudo do “gene guerreiro” (warrior gene), sendo que o Tribunal Superior do estado do Novo México, nos EUA, está decidindo se esta tese deve ser aceita nos julgamentos criminais.

Enquanto isso nós não fazemos nem ao menos uma análise da personalidade do réu, fazendo o juiz o papel, não de juiz das garantias, que tanto defendemos em virtude de sua imparcialidade, pois não pode o mesmo avaliar a sua personalidade sem formação acadêmica para tanto e depois ele mesmo dosar a pena (ele já está “contaminado pela parcialidade” a partir do momento que quer “chupar cana e assobiar” ao mesmo tempo). É um equívoco levantar a bandeira de super-juízes, os defensores das pessoas de bem e etc.

Estaremos condenados ao fracasso da pena de prisão enquanto adotarmos o equivocado e deveras prejudicial entendimento de que:
"O juiz não precisa ser um técnico para avaliar a personalidade, bastando o seu natural bom senso, utilizado, inclusive e sempre, para descobrir a própria culpa do réu. (…) É bem verdade que há decisões superficiais, mencionando em poucas palavras que a personalidade do réu é deturpada ou voltada ao crime, mas esse critério não necessita ser por isso eliminado, bastando que seja aperfeiçoado, dedicando-se o julgador a buscar maiores elementos de apoio para chegar ao seu veredicto.
É óbvio que quando algum profissional habilitado na área (que não é o caso do juiz) elaborar o seu laudo o mesmo não terá a mesma “técnica” do magistrado, pois a tecnicidade não está presente na formação do magistrado e muitas vezes se verificará que o preso dentro do cárcere adquiriu problemas em sua personalidade que não foram constados (e nem vão) pelo magistrado quando da condenação, ou seja, ele ficou “doente” pelas mazelas do cárcere e nesse caso o Estado tem responsabilidade civil.

Quantas milhares de ações pedindo indenizações nós teremos em nosso país, tendo em vista que a probabilidade de um magistrado “acertar” em seu “laudo” quanto a personalidade do réu é quase inexistente? Lá vou eu fazendo mais um alerta ao nosso país!

Que em 2019 possamos passar por transformações em nosso ordenamento jurídico penal, afinal de contas a Ciência Criminal nos informa isso e a nossa sociedade necessita e clama por mudanças eficazes.

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NOTAS

[1] Mesmo problema científico ocorre quanto a “quantificação das agravantes” na dosimetria da pena, dos lapsos temporais para progressões de pena, livramento condicional e etc.

[2] Currículo Criminal (tradução nossa)

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Diorgeres de Assis Victorio
Agente Penitenciário. Porta-voz da LEAP.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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