Processo Penal - Prova em áudio e vídeo: ou é íntegra ou é nula! Por Bruno Milanez

goo.gl/GLaEso | Em decisão recente, no Recurso Especial sob nº 1.719.933, a sexta turma do STJ cassou acórdão proferido pelo TJ/MG, que havia anulado sessão do Tribunal do Júri, ao reconhecer hipótese de cerceamento de defesa,

"pois o DVD contendo a mídia de gravação magnética das provas produzidas durante a sessão de julgamento está inaudível, o que impossibilita a análise das teses defensivas expostas no apelo. (TJ/MG – ApCrim 1.0702.13.014130-3/001)

No julgamento do recurso especial, consignou-se no voto condutor, acompanhado à unanimidade, que

"os autos evidenciam situação peculiar, qual seja, a demonstração de que, apesar da baixa qualidade da gravação da sessão de julgamento, por conta do baixo volume do áudio, a mídia apresenta compreensão das declarações, não obstante, repito, a pouca qualidade, tanto que o seu conteúdo foi objeto de degravação por empresa especializada (…).

Prova em áudio e vídeo


Tomando por pano de fundo a discussão travada no caso concreto, indaga-se: e se o meio de prova produzido mediante captação de áudio e vídeo estivesse efetivamente prejudicado (inaudível, total ou parcialmente), impedindo a compreensão integral do seu contexto, qual seria a solução ao caso concreto? A melhor resposta parece caminhar no sentido do reconhecimento da imprestabilidade da prova, ante sua consequente nulidade.

Não se desconhece a polissemia do significante “prova“, bem como das diversas funções que as provas cumprem – ou podem cumprir – no processo penal. Ainda assim, em linhas gerais, pode-se dizer que as provas são mecanismos através dos quais as partes buscam demonstrar as suas alegações e levar, ao juiz sentenciante, o conhecimento a respeito de fatos, pessoas e coisas.

Assim, parece intuitivo que, um meio de prova somente deve ser considerado útil quando for absolutamente íntegro, pois se assim não o for, parece intuitivo que meios de prova total ou parcialmente corrompidos podem distorcer a compreensão daquilo que se pretende provar.

Não por outra razão, a regra do art. 195, do CPC – aplicável por analogia ao processo penal, por força do art. 3º, do CPP -, estabelece a necessidade de que todo e qualquer ato processual (inclusive os probatórios, por evidente) deve ser registrado de forma a manter sua autenticidade e integridade:

"Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.

A propósito do assunto, a jurisprudência tem inclusive reconhecido a imprestabilidade de depoimentos colhidos por meio digital, quando o áudio está total ou parcialmente inaudível:

"APELAÇÃO CRIME (…) DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA E INTERROGATÓRIO COLHIDOS POR MEIO DIGITAL – ÁUDIO PREJUDICADO – IMPRESTABILIDADE DA PROVA – DEFEITO CONSTATADO TAMBÉM NA CÓPIA DE SEGURANÇA – PREJUÍZO MANIFESTO – RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA NULIDADE DOS ATOS MENCIONADOS – RECURSO PREJUDICADO. – g.n. – (TJ/PR – AC 846.578-5, Rel. Raul Vaz da Silva Portugal,  Unânime, Julg. 26.4.2012)

É que a ausência de manutenção da integridade da prova implica violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CR/88), razão pela qual é imperiosa a necessidade de desentranhamento dos vídeos inaudíveis:

"AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DAS PARTES E TESTEMUNHAS POR GRAVAÇÃO. ÁUDIO NÃO CAPTADO. NULIDADE INSANÁVEL. (…) VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE INSANÁVEL (…). (TJ/PR – AC 1.462.413-2, Rel. Vitor Roberto Silva, Julg. 3.8.2016)

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. FALHA NO ÁUDIO DA GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS DAS PARTES E DAS TESTEMUNHAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NULIDADE DA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO. (TJ/PR – AC 1.008.955-3, Rel. Mário Helton Jorge, Unânime, J. 26.06.2013)

Os exemplos apresentados se referem a testemunhos produzidos em audiência de instrução e julgamento, porém a mesma lógica deve ser aplicável em relação a gravações e escutas ambientais, gravações de testemunhos perante o órgão do MP ou a autoridade policial, pela razão acima exposta, vale dizer, provas corrompidas podem implicar em distorções e incompreensões fáticas.

Logo, a prova deve ser hígida e íntegra, senão será nula.

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Bruno Milanez
Doutor e Mestre em Direito Processual Penal. Professor. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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