Juíza nega pedido de shopping de São Paulo que quer prender crianças de rua

goo.gl/wHLqzv | A juíza Mônica Gonzaga Arnoni, da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou autorização para que o grupo de seguranças do Shopping Pátio Higienópolis apreenda crianças e adolescentes desacompanhados nos arredores do estabelecimento.

Localizado em um dos bairros mais caros da capital paulista, o shopping alega que um número grande de crianças e adolescentes moradores de rua e sem pais têm ido para o local praticar atos de vandalismo, depredação, agressão, furtos e intimidação de frequentadores que "demandam a intervenção do corpo de segurança".

Por isso, pede autorização para que esse mesmo grupo de seguranças, quando os menores estiverem desacompanhados, possam apreender as crianças e entregá-las à Polícia Militar ou ao Conselho Tutelar. Além disso, pedem que o órgão faça inspeções periódicas no shopping no sentido de adotar as medidas cabíveis na ausência dos pais.

O Ministério Público deu parecer nos autos afirmando opinando pela extinção do feito sem resolução do mérito por ausência de interesse processual. O que foi ratificado pela juíza Mônica Arnoni. "Como bem sabido, para a comprovação do interesse processual é necessária a demonstração de que sem o exercício da jurisdição, por meio do processo, a pretensão não pode ser satisfeita", disse.

Segundo a magistrada, o pedido do shopping pode ser analisado sob dois enfoques. O primeiro deles, ressalta a juíza, é que nos termos do artigos 106 e 107 do Estatuto da Criança e do Adolescente, os menores que pratiquem ato infracional como furto e roubo podem ser apreendidos em flagrante com comunicação imediata do estabelecimento à autoridade judiciária e à família da criança.

"Dessa forma, desnecessária a tutela jurisdicional quando se tratar de adolescente em prática de ato infracional, seja ele em situação de rua, como conceituado pelo autor, ou em qualquer outra situação", relata. "Assim, evidente a ausência do interesse de agir, posto que o autor tem à sua disposição os instrumentos necessários para, constatando a pratica de ato infracional, responsabilizar o adolescente infrator sem que, para isso, precise de prévia autorização judicial."

Higiene Pessoal


Já o segundo enfoque do pedido, diz a decisão, leva a entender que o Shopping Pátio Higienópolis quer um "salvo-conduto" para fazer no local um "genuína higiene pessoal". "Isso porque, tratando-se de crianças e adolescentes que não estejam na prática de ato infracional, mas de alguma forma violando regras sociais, tais como, caminhar em sentido contrário em escadas rolantes ou até mesmo pedir dinheiro aos frequentadores, qualquer autorização judicial para fins de apreensão esbarraria tanto no direito constitucional de ir e vir desses infantes, como no delito previsto no artigo 230 do ECA", destacou a magistrada.

De acordo com a juíza, a salvaguarda objetiva do estabelecimento fica clara quando pede autorização justamente para evitar a tipificação do referido artigo. "Os pedidos formulados pelo requerente fazem lembrar a doutrina Separate But Equal (Separados mas iguais), que pregava que todos eram iguais, mas permitia a segregação", diz a magistrada na decisão.

"A simples presença física do outro que não é igual ou não segue o ideal de normalidade que se convencionou para o referido shopping center não legitima o pedido de autorização para apreensão de crianças e adolescentes, chamadas repetidamente pelo requerente de 'em situação de rua', indicando, quiçá, atitude discriminatória e ilegal. Salta aos olhos, inclusive, a ausência de fundamento legal a embasar os pedidos", concluiu a juíza.

Para ela, a "suposta preocupação" do shopping com a segurança dos menores pode ser uma tentativa de "ocultar o incômodo que essas crianças e adolescentes vulneráveis causam nos frequentadores do local". Segundo a decisão, o estabelecimento, como atividade empresarial lucrativa, pode adotar estratégias para diminuição de riscos, mas isso "não significa, em absoluto, valer-se do Poder Judiciário para varrer de seus corredores as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social".

Processo 1012021-21.2019.8.26.0100

Por Mariana Oliveira
Fonte: Conjur
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