Dados Pessoais dos Consumidores devem ser protegidos com base na Lei 13.709/18

goo.gl/4swnKC | Diante da constante e indevida manipulação de dados pessoais dos brasileiros, em 14 de agosto de 2018, foi editada a Lei Federal nº 13.709, que dispõe sobre a proteção de tais informações e altera o Marco Civil da Internet, instituído pelo diploma nº 12.965/2014. Não obstante o início da vigência da novel normativa venha a ocorrer ainda em 14 de abril de 2020, torna-se fundamental iniciar as discussões acerca de como serão assegurados os direitos dos consumidores de produtos e serviços que tenham violados os seus dados por fornecedores, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas. É cediço que, em frequentes ocorrências, aqueles sujeitos são desrespeitados em face do manejo de aspectos que os qualificam, sem qualquer aquiescência prévia, conquanto exista um microssistema tutelar - a Lei nº 8.078/90.

A Lei de Proteção de Dados Pessoais dispõe sobre o seu tratamento e estabelece como pressuposto o antecedente aval do indivíduo, possibilitando que este o revogue ou o modifique, assim como que solicite a exclusão de determinados itens e/ou a portabilidade destes. Restaram adrede previstas disposições acerca da segurança e das boas práticas no decorrer da execução das atividades de coleta e uso, preconizando o legislador quando ocorrerá a sua conclusão ou término e ainda em quais situações admitir-se-á a transferência de elementos informacionais entre interessados. A responsabilização dos agentes que atuam nas searas de coleta e de processamento de dados foi disciplinada e sanções para as hipóteses de descumprimento das regras estabelecidas foram também inseridas no conjunto legal.

Além da sanção pecuniária, restaram previstas a advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; o bloqueio dos dados pessoais, a que se refere a infração, até a regularização da atividade de tratamento pelo controlador; a eliminação de tais informações; e a publicização do ato transgressor, após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência. Há a possibilidade de suspensão ou proibição, parcial ou total, do funcionamento do banco de dados, e de ser decretada a descontinuação temporária do seu exercício. Essas penalidades serão impostas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD), cuja criação foi, inicialmente, objeto de veto presidencial.

No entanto, em 27 de dezembro de 2018, foi editada a Medida Provisória n. 869, acrescendo os artigos 55-A a 55-K à LPD e criando a mencionada Autoridade na condição de órgão da administração pública federal, integrante da Presidência da República. Restou-lhe assegurada “autonomia técnica”, mas “sem aumento de despesa”- aspecto que gera preocupação sobre a sua instalação e necessário funcionamento. A despeito das inovações albergadas pela Lei em análise, a efetiva existência e o devido funcionamento da mencionada Autoridade constituem pontos críticos, requerendo cuidadosa análise para a proteção dos interesses e direitos dos consumidores. De acordo com o parágrafo único do art. 55-K, a ANPD articulará sua atuação com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), vinculado ao Ministério da Justiça, e com outros órgãos e entidades com competências sancionatórias e normativas afetas ao tema de proteção de dados pessoais, mas será o ente central de interpretação da multicitada Lei, bem como para o estabelecimento de normas e diretrizes destinadas a sua implementação.

Torna-se- crucial a preparação do dito Sistema, composto pelos instrumentos elencados no art. 5º da Lei nº 8.078/90, a fim de que possa contribuir para a apuração das infrações cometidas pelos fornecedores, promovendo a responsabilização destes e, ipso facto, a coerente punição. Para o cumprimento deste mister, urge que haja uma atuação coesa, coordenada e harmônica dos órgãos públicos destinados à defesa dos destinatários finais de bens no que tange aos dados pessoais . No decorrer de 2019, será de grande valia que o SNDC inicie planejamento no sentido de estruturar o acompanhamento dos agentes que lidam com o tratamento de dados pessoais de consumidores, propugnando para que a Política Nacional de Proteção ao Consumidor contemple programação com o fito de que as normas, constantes na Lei nº 13.709/18, não se tornem inócuas, zelando-se para que não fiquem retidas tão somente no plano abstrato. A articulação da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, do Departamento Nacional de Proteção ao Consumidor (DPDC), dos órgãos públicos estaduais, municipais e do Distrito Federal, juntamente com os Ministérios Públicos, Defensorias Públicas e a sociedade civil organizada contribuirá para o exercício das atribuições atinentes à ANPD.

Fundamental também será a orientação dos consumidores acerca dos seus direitos basilares quanto ao fornecimento, acesso e uso dos seus dados pessoais, alertando-os sobre as novidades trazidas pela Lei, mas, principalmente, para que tenham cuidado com as autorizações que lhes sejam solicitadas. O direito de serem devidamente informados sobre como serão processados os atributos concernentes à sua personalidade é outro aspecto relevante . Seminários sobre a temáticas e a elaboração de cartilhas ou folders educativos, virtuais ou físicos, constituem também providências salutares a serem empreendidas pelos integrantes do SNDC.

O Brasil, ao aprovar a Lei 13.709/18, trouxe, como uma das justificativas, o acompanhamento dos demais países que já evoluíram sobre a seara em epígrafe . Na esfera das relações de consumo, imperiosa será a prévia organização e planejamento do SNDC, para enfrentar as dificuldades na incidência das disposições normativas no início de 2020. Que esteja preparado para a tarefa de assegurar aos adquirentes de produtos e serviços respeito e combate à manipulação desautorizada de elementos pertinentes à condição de sujeitos de direitos, responsabilizando os que agirem de modo arbitrário . A evolução do aparato normativo brasileiro é um avanço, mas a existência de uma estrutura adequada para a sua execução denota-se providência primordial, para que não se continue transgredindo o direito das pessoas optarem ou não pelo acesso e manejo de informações a seu respeito.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM)

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Joseane Suzart Lopes da Silva é promotora de Justiça do Consumidor do MP-BA, professora adjunta da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutora em Direito pela mesma instituição.
Fonte: Conjur

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