Furto de pertences no interior de restaurantes: o estabelecimento responde pelo prejuízo?

goo.gl/JF3CSx | Um fato que, infelizmente, acontece com bastante frequência sobretudo em grandes centros urbanos é o furto de pertences no interior de restaurantes e outros estabelecimentos do gênero. Não é raro ouvirmos situações de pessoas que tiveram bolsas, mochilas, carteiras ou celulares subtraídos enquanto consumiam suas refeições. Um momento que seria de descontração, relaxamento, ou até mesmo uma reunião de negócios, acaba por se tornar um grande transtorno.

Mas e então, quem responde pelo prejuízo? O restaurante é obrigado ressarcir o freguês que foi furtado?

Diariamente, diversas ações são ajuizadas perante o Poder Judiciário tendo como causa de pedir a ocorrência desses furtos. Tratam-se de consumidores pleiteando indenização tanto por danos materiais, correspondentes ao valor econômico dos bens furtados, quanto por danos morais, sob argumento de que a situação em comento ultrapassa o limite do mero aborrecimento do cotidiano.

A responsabilidade civil dos restaurantes e estabelecimentos congêneres, perante seus fregueses, é sem dúvida atrelada às disposições do Código de Defesa do Consumidor. Não se questiona que se trata de relação de consumo. Por isso, como fornecedor que é, responderá de forma objetiva pelos danos causados, isto é, sem que seja necessário demonstrar a ocorrência de culpa ou dolo em sua conduta[1]. A simples ocorrência de dano ao consumidor advinda de alguma conduta do restaurante – relação essa chamada de nexo de causalidade – já será o suficiente para a condenação no dever de indenizar os prejuízos.

Neste passo, antes de adentrar no mérito do tema em análise, importante esclarecer que essa desnecessidade de comprovação de culpa nas relações de consumo, muitas vezes, incute no imaginário popular a ideia de que toda e qualquer demanda ajuizada por consumidor em face de fornecedor de produto ou prestador de serviço será julgada procedente. No entanto, tal conclusão é equivocada.

Em primeiro lugar, é equivocada porque o próprio Código de Defesa do Consumidor estabelece as hipóteses em que o prestador de serviço ou comerciante não responderão pelos danos sofridos pelo consumidor. Em resumo, essas chamadas “excludentes de responsabilidade” consistem na inexistência de defeito do produto ou do serviço ou na culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Em segundo lugar, é do mesmo modo equivocada porque embora não prevista textualmente, Doutrina e Jurisprudência já pacificaram o entendimento de que casos fortuitos também se caracterizam como excludentes de responsabilidade, desde que sejam fortuitos externos, ou seja, não relacionados com a atividade-fim do estabelecimento. Mais abaixo este conceito ficará mais claro.

Estabelecidas tais premissas e voltando à análise da responsabilidade dos restaurantes por furtos ocorridos em suas dependências, é correto afirmar que, sobretudo no Estado de São Paulo, o entendimento é quase que pacífico por não responsabilizar o estabelecimento e julgar improcedente as demandas movidas pelos consumidores com esta finalidade.

Isto porque, em situações como esta, os restaurantes e congêneres estão acobertados por praticamente todas as excludentes de responsabilidade acima mencionadas.

Por um lado, diz-se que os estabelecimentos em questão têm como atividade precípua o fornecimento de alimentos e refeições e não assumem ou tomam para si, em momento algum, a responsabilidade pela guarda dos objetos pessoais de seus clientes. Assim, porque compete a eles, consumidores, este dever de guarda e atenção sobre objetos de uso pessoal, considera-se que a ocorrência do furto se dá por negligência do próprio cliente, evidenciando-se, aqui, a excludente de culpa exclusiva do consumidor.

Nesse exato sentido, recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

APELAÇÃO. Redistribuição pela Resolução OE nº 737/2016 e Portaria nº 02/2017 do TJ/SP. RESPONSABILIDADE CIVIL. Furto de bolsa em restaurante. Culpa exclusiva da vítima. Ausência de responsabilidade do fornecedor (art. 14, § 3º, II, CDC). Precedentes. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP; Apelação 1011777-87.2014.8.26.0320; Relator (a): Beretta da Silveira; Órgão Julgador: 31ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Limeira - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/11/2017; Data de Registro: 10/11/2017)

De outro turno, as excludentes de culpa de terceiro – do meliante – e fortuito externo estão intimamente ligadas. Como dito acima, a atividade-fim de bares e restaurantes é comercializar alimentos servindo refeições, de modo que a ocorrência de subtração furtiva de bens que não estão sob custódia própria é hipótese que se afasta completamente de seu objeto social. Por isso, não restam dúvidas que se está diante de fortuito externo que afasta a responsabilidade civil.

Para ilustrar melhor a diferença entre fortuito externo e interno, basta exemplificar uma situação hipotética de cliente acometido por intoxicação alimentar decorrente de produto servido pelo restaurante. Neste caso, por razões óbvias, o dano sofrido pelo consumidor está diretamente ligado à atividade-fim do estabelecimento: comercialização de alimentos. Ainda que o restaurante tenha tomado todas as cautelas que lhe competiam para fornecer um produto de qualidade e não tenha tido nenhuma culpa pelo evento danoso, será responsabilizado e condenado a ressarcir pois o fortuito é interno, relacionado à sua própria atividade.

A Corte de São Paulo também alberga em suas decisões as excludentes de fato de terceiro e de fortuito externo:

RESPONSABILIDADE CIVIL – FURTO DE BOLSA EM RESTAURANTE – FATO DE TERCEIRO – EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS – A relação de consumo tratada nos autos não envolvia responsabilidade pela guarda de objetos de uso pessoal da autora e não há nexo de causalidade entre o dano por ela suportado e a conduta do prestador de serviços em decorrência de fato de terceiro. (TJSP; Apelação 1057022-71.2015.8.26.0002; Relator (a): Ronnie Herbert Barros Soares; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/07/2017; Data de Registro: 25/07/2017)

Ação de Indenização por Danos Materiais e Dano Moral – Furto de celular no interior das dependências de restaurante – Dever de segurança de bens dos clientes que é totalmente estranho à atividade exercida pela Ré – Ausência de responsabilidade – Fortuito externo equiparado ao caso fortuito/força maior – Recurso da Ré provido – Recurso da Autora prejudicado. (TJSP; Apelação 0030094-74.2013.8.26.0001; Relator (a): Luiz Antonio Costa; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/09/2016; Data de Registro: 20/09/2016)

Importante deixar claro que embora predominante – principalmente em São Paulo – existem decisões em sentido diverso. No Rio de Janeiro, por exemplo, é possível encontrar julgamentos tanto pela procedência, quanto pela improcedência desses pedidos. Vejamos acórdão que entendeu pela responsabilização do restaurante:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZATÓRIA. FURTO DE BOLSA EM RESTAURANTE. DANO MATERIAL E MORAL. 1. No contexto dos serviços pagos pela autora para alimentar-se em restaurante de qualidade diferenciada, temos não somente a qualidade da alimentação lá servida mas também conforto e segurança. 2. Já há muito que câmeras e demais equipamentos de vigilâncias tiveram seu custo reduzido permitindo que fossem maciçamente adotadas como instrumentos que visam coibir não somente a ocorrência de fatos como o que o ora narra a autora - tendo sua bolsa furtada no interior do restaurante - como até mesmos outras ocorrências mais graves. 3. Furtos em restaurantes e casas noturnas são fatos corriqueiros pelo que longe de serem considerados imprevisíveis tampouco inevitáveis, ensejando hipótese de fortuito interno (fato proveniente da atividade da ré), o que não ilide a responsabilidade pretendida. 4. Falha na prestação do serviço do réu impondo a reparação do dano material advindo da perda do telefone celular da autora assim como do dano moral advindo dos transtornos naturais ante a perda de uma bolsa com pertences e documentos pessoais, impondo o arbitramento do valor adequado ao caso de R$1.500,00, a ser corrigido a partir da presente data nos termos da súmula 97 deste Tribunal e com juros legais desde a citação por considerar a responsabilidade de natureza contratual (art. 405 do CC/2002), ambos até a data do efetivo pagamento, arcando ainda o réu com os ônus da sucumbência. 5. Recurso provido. (Apelação nº 0189378-45.2015.8.19.0001, 27ª Câmara Cível do TJRJ, Relator Marcos Alcino de Azevedo Torres, julgado em 13.07.2016)

Por fim, vale mencionar uma situação fática que mudará completamente a discussão aqui tratada: caso ofereça o serviço de chapelaria, isto é, um local destinado exclusivamente para que os clientes possam deixar os seus pertences, o estabelecimento estará, automaticamente, assumindo a responsabilidade pelo dever de guarda dos bens ali depositados e, consequentemente, obriga-se a devolvê-los incólumes. Neste caso, em ocorrendo furto, será indiscutível o dever do bar ou restaurante de indenizar o prejuízo.

De todo modo, sempre valerá a análise do caso concreto, devendo-se partir da premissa de que, em regra, o estabelecimento somente responderá pelos prejuízos advindos do furto se tiver assumido, de algum modo, o dever de guarda sobre os pertences subtraídos.


Referências:

[1] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

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Bruno Angeli Perelli
Advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, atuante em direito civil, principalmente na área contenciosa judicial, com extensão em direito de família e lei de locações. Experiência de mais de 10 anos em escritório de boutique, onde assessorou grandes redes dos ramos de bares, restaurantes e lanchonetes, postos de gasolina, clínicas e hospitais médicos e odontológicos, agência de viagem, construtoras, além de Startups de diferentes campos de atuação, tais como transporte privado e lawtech. Principais áreas: Contencioso Cível, Imobiliário, Família e Sucessões, Contratos e Marcas e Patentes.
Fonte: brunoperelli.jusbrasil.com.br

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