A crise do sistema carcerário e a súmula vinculante nº 56 (STF) – Por Bianca da Silva

bit.ly/2VEOivz | Na última semana, devido a falta de vagas nas casas prisionais, a 1ª Vara de Execuções Criminais (VEC) da comarca de Porto Alegre expediu uma determinação para suspender mandados de prisão para condenados na Capital e na Região Metropolitana por falta de vagas em presídios.

A referida medida adotada pela 1ª VEC de Porto Alegre, que já foi inclusive suspendida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deu ensejo a uma série de problematizações e reacendeu o debate a respeito da crise vivida pelo sistema carcerário, que, atualmente, enfrenta uma série de questões complexas.

A crise do sistema carcerário


Atualmente, a população carcerária do Rio Grande do Sul conta com 41.208 detentos, segundo dados fornecidos pela  Superintendência dos Serviços Penitenciários. Apenas na Cadeia Pública de Porto Alegre a população carcerária é de 4.299 presos, sendo que a capacidade prevista é para até 1.824 detentos.

A Cadeia Pública de Porto Alegre foi, inclusive, considerada uma das piores casas prisionais da América Latina, devido a sua superlotação e más condições, tendo sido, inclusive indicada a sua interdição.

Um dos reflexos da superlotação das casas prisionais pode ser percebido também pela contenção de presos provisórios em viaturas e celas de delegacias, o que se tornou corriqueiro no Estado do Rio Grande do Sul.

Tendo em vista a grave ilegalidade cometida no Estado, o Tribunal de Justiça concedeu uma liminar determinando que presos provisórios, que aguardavam vagas em casas prisionais, fossem retirados de viaturas e delegacias. Contudo, não existem vagas disponíveis para a alocação desses suspeitos.

Nesse sentido, caótica se mostra a situação carcerária do Rio Grande do Sul. Essa situação não reflete apenas nos casos de cumprimento de pena em regime fechado. A situação é ainda mais alarmante nos casos de apenados que possuem direito à progressão de regime. Isso porque, devido a falta de vagas em estabelecimentos para cumprimento de pena em regime semiaberto, por exemplo, muitos reeducandos permanecem no regime mais gravoso, devido a essa falta de vagas.

A súmula vinculante nº 56 (STF)


Tendo em vista que a crise na segurança pública não se mostra visível apenas no Estado do Rio Grande do Sul, por ser um problema nacional, o Supremo Tribunal Federal editou uma súmula vinculante para coibir as ilegalidades que vinham ocorrendo, estando relacionada, exclusivamente  à falta de vagas e a consequente progressão de regime, prevista pela norma Penal. A súmula vinculante de nº 56 diz que:

"A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Atualmente, no Estado do Rio Grande do Sul, mais de 600 apenados que conquistaram o direito à progressão de regime estão reclusos em estabelecimento penal destinado a cumprimento de pena em regime mais gravoso que o seu. Isso se dá pela falta de vagas em estabelecimento penal adequado.

Essa prática fere, em demasia, o princípio da dignidade da pessoa humana, da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, bem como o princípio da legalidade, previsto no art. art. 5º, XXXIX. Além disso, vai de encontro com a uma súmula editada por um Tribunal Superior que foi criada justamente para se coibir essa ilegalidade.

Frente ao problema existente, qual seja: a falta de vagas em casas prisionais adequadas ao regime daquele que conquistou a progressão, o STF determinou que nesses casos, fossem adotadas as medidas previstas no RE 641.320/RS, que deu ensejo à súmula vinculante nº 56. Vejamos as alternativas postas no referido recurso:

"Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;

(ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

(iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.

Entretanto, ainda que existam as alternativas mencionadas, as ilegalidades continuam sendo perpetradas, o que gera certa insegurança no âmbito criminal, haja vista que as determinações de um Tribunal Superior não são atendidas.

A determinação do STF para os casos apresentados pode, em um primeiro momento, causar certo incômodo, pois no Brasil se criou a cultura do punitivismo, puro e simples. Dessa forma, a lei só se torna efetiva quando se aplicam as penalidades previstas, com o máximo rigor.

Olhando por esse lado, pelas lentes da cultura do punitivismo exacerbado, onde a pena só se mostra eficaz quando atinge o corpo do condenado, estamos no caminho certo. Isso porque, conforme foi mencionado, no Brasil, encontra-se uma das piores casas prisionais da América Latina, devido a sua superlotação e más condições. Assim, a pena aqui, diante dessas lentes,  atinge o seu objetivo.

Todavia, faz-se necessária a adoção das medidas estabelecidas, não para dar ensejo ao abolicionismo penal, mas sim que o direito penal, o processo penal e o cumprimento de pena em si sejam exercidos de acordo com os parâmetros previsto na lei. A situação carcerária já se mostra caótica e difícil se mostra uma melhora em um curto espaço de tempo. Por essa razão, as soluções aqui postas servem para estancar, ainda que se forma mínima, a crise a qual estamos enfrentamos.

Entretanto, ainda que os dados aqui mencionados sejam amplamente divulgados e debatidos, ainda prosperam discursos no sentido de que “o Brasil é o país da impunidade”. Ora, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo! Logo, com base nisso e com a visível superlotação das casas prisionais brasileiras, chegamos a apenas uma conclusão:

"No Brasil, prende-se muito e prende-se mal.

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Bianca da Silva Fernandes
Advogada.
Fonte: Canal Ciências Criminais

1/Comentários

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  1. Excelente texto. Bom lembrarmos dessa entre outras aberrações jurídicas.

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