O habeas corpus depende de prévio pedido de reconsideração? Por Evinis Talon

bit.ly/2KRnwhC | O habeas corpus depende de um prévio pedido de reconsideração ao Juiz de primeiro grau que decretou a prisão preventiva?

Imagine a seguinte situação: o réu foi preso preventivamente por decisão de um Juiz de primeiro grau. Após essa decisão, o que você, Advogado Criminalista, deveria fazer? Deveria impetrar o habeas corpus ao Tribunal de segundo grau (TJ ou TRF) imediatamente ou, antes de impetrar o habeas corpus, deveria apresentar ao Juiz que decretou a prisão preventiva um pedido de reconsideração, instrumentalizado por um pedido de revogação ou relaxamento da prisão preventiva ou, de forma genérica, um pedido de liberdade?

Essa questão é muito interessante, porque há vários Tribunais de Justiça que entendem que, antes de impetrar o habeas corpus, é necessário que o Juiz de primeiro grau seja provocado para se manifestar sobre as alegações defensivas.

Nesse caso, a defesa, antes de impetrar o habeas corpus, deveria apresentar ao Juiz de primeiro grau um pedido de reconsideração, isto é, uma petição demonstrando por quais motivos aquela prisão preventiva é incabível. Após essa decisão do Juiz de primeiro grau mantendo a prisão preventiva, a defesa poderia impetrar o habeas corpus.

Esse entendimento tem como fundamento a ideia de uma supressão de instância. Em outras palavras, não seria cabível que o Tribunal se manifestasse sobre algo que a defesa ainda não apresentou como fundamento ao Juiz de primeiro grau (que decretou a prisão preventiva).

Devemos notar que que esse entendimento, apesar de ser adotado por vários Tribunais, é contrário a uma interessante decisão do STF, que afirma ser incabível o condicionamento do habeas corpus ao pedido de reconsideração à autoridade coatora, especialmente se não há fato novo:

"HABEAS CORPUS. PREVENTIVA. NEGATIVA DE JURISDIÇÃO. SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA 691/STF. Em casos teratológicos e excepcionais, como o dos autos, é viável superar o óbice da Súmula 691 desta Suprema Corte. Precedentes. Não pode Corte Recursal condicionar a admissibilidade da ação constitucional do habeas corpus, impetrado contra a decretação de prisão preventiva, à prévia formulação de pedido de reconsideração à autoridade coatora, especialmente se ausentes fatos novos. Negativa de jurisdição caracterizada. Ordem concedida para o julgamento, pela Corte Recursal, do mérito do habeas corpus, afastado o juízo de inadmissibilidade pronunciado. (HC 114083, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 28/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 11-09-2012 PUBLIC 12-09-2012)

A supracitada decisão do STF é um excelente precedente. Todavia, o STJ tem várias decisões seguindo o mesmo entendimento dos Tribunais de Justiça, ou seja, de que o pedido de reconsideração é necessário, sob pena de não conhecimento do habeas corpus.

Atuando na defesa, devemos invocar o precedente do STF, que é muito mais favorável à defesa e considera que o habeas corpus é incondicional, não dependendo de uma manifestação anterior da própria autoridade coatora em um pedido de reconsideração.

Aliás, como se não bastasse essa ideia equivocada de supressão de instância, ainda “existe” algo chamado “princípio da confiança no Juiz da causa”, normalmente utilizado por Tribunais que não querem analisar detalhadamente o caso.

Esse é um princípio que não existe e não está previsto na legislação, mas, segundo a jurisprudência, ele diz, basicamente, que o Juiz de primeiro grau é o mais próximo dos fatos e da comunidade e, por isso, tem mais chances de saber se a prisão preventiva é necessária ou deve ser revogada.

Ora, mais uma vez, trata-se de um entendimento que limita o habeas corpus, porque reduz as chances de que ele seja concedido.

Em suma, a jurisprudência criou uma indevida exigência para o conhecimento do habeas corpus – o pedido de reconsideração à autoridade coatora para evitar a supressão de instância -, assim como um fundamento (princípio da confiança no Juiz da causa) para não fazer uma análise séria e detalhada do caso concreto.

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Evinis Talon
Mestre em Direito. Professor. Advogado.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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