Jovem que foi algemado e puxado por PM em moto se torna réu na Justiça por tráfico de drogas e dirigir sem habilitação

Via @portalg1 | A Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público (MP) e tornou réu por tráfico de drogas e dirigir sem habilitação o jovem negro que aparece num vídeo preso, algemado e sendo puxado por 300 metros por um policial militar numa moto, no último dia 30 de novembro na Zona Leste de São Paulo. O caso levou o debate de especialistas em segurança pública sobre tortura, abuso de autoridade e racismo (saiba mais abaixo).

O juiz José Paulo Camargo Magano, da 11ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda, na Zona Oeste da capital, ainda manteve a prisão preventiva de Jhonny Ítalo da Silva, de 18 anos, para que ele responda preso pelos crimes dos quais está sendo acusado pelo Ministério Público de ter cometido.

"Reexaminando os autos, não vislumbro qualquer alteração na situação fática que possa levar à mudança na situação prisional específica", escreveu o magistrado na sua decisão desta quarta-feira (15).

O juiz José marcará futuramente a data do julgamento, mas antecipou na decisão de quarta-feira (15) que não ouvirá, inicialmente, depoimentos de testemunhas que sejam parentes do acusado. "Não serão ouvidas testemunhas que possuam grau de parentesco com o réu, salvo, quando não for possível, por outro modo, obter ou integrar-se a prova do fato de suas circunstâncias, facultando-se a apresentação de declarações escritas".

Justiça negou soltura

Jhonny está preso atualmente na Penitenciária 1 de Lavínia, no interior do estado. A prisão fica distante a mais de 580 quilômetros da capital paulista.

A defesa dele havia entrado com um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo alegando que o rapaz foi "torturado" e que por esse motivo deveria ser solto para responder em liberdade as acusações de tráfico e dirigir sem habilitação.

Mas o desembargador Laerte Marrone, da 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça, negou o pedido na semana passada, alegando que "aparentemente, a colocação do paciente em liberdade representa um risco à segurança e à saúde públicas".

O mérito da liminar do TJ ainda será avaliado por mais desembargadores, que poderão manter a decisão ou até mesmo conceder a liberdade a Jhonny. Ainda não há data para quando isso deverá ocorrer.

O caso de Jhonny ganhou repercussão nas redes sociais e na imprensa depois que o vídeo que o mostra sendo puxado por um PM viralizou na internet.

A própria Polícia Militar (PM) decidiu afastar temporariamente do patrulhamento nas ruas o cabo Jocélio Almeida de Souza, que prendeu o Jhonny, depois da repercussão do caso. Em seguida, a corporação criticou o modo como o agente algemou o rapaz na moto e puxou pela Avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello, na Vila Prudente.

A Corregedoria da PM apura a conduta do agente para saber se ele agiu corretamente ou não no momento que prendeu o rapaz. Se for punido, ele poderá ser advertido, suspenso ou até expulso da corporação. O g1 não localizou a defesa do policial para comentar o assunto.

Ministério Público

Na denúncia do Ministério Público contra Jhonny não há manifestação sobre o pedido de liberdade do rapaz feito pela defesa dele ou menção a informação de que a prisão dele foi irregular, segundo seus advogados, por causa da suspeita de que o rapaz tenha sido "torturado" pelo PM que o prendeu.

A Promotoria concentrou seus argumentos nos crimes cometidos pelo rapaz. Num dos trechos do documento, a promotora Celeste Leite dos Santos informou que "diante das circunstâncias da prisão, da quantidade, variedade e forma de acondicionamento dos entorpecentes, inegável a destinação daqueles ao comércio ilícito. Da mesma foram, não há dúvidas que o denunciado praticou o crime previsto no artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro, ao conduzir motocicleta sem habilitação na contramão de via pública, vindo a causar, colisão com outro veículo no local".

Celeste é a mesma promotora que havia denunciado uma mulher presa em 29 de setembro, ao furtar itens alimentícios em um supermercado da Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Após denunciá-la, a promotora reviu o caso e pediu a liberdade dela ao Tribunal de Justiça alegando que a mulher era dependente química e precisava de tratamento médico. A mulher foi solta depois pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) após pedido da Defensoria Pública.

O g1 não conseguiu localizar a defesa de Jhonny para comentar a decisão do TJ.

O advogado Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, criticou a decisão da Justiça em tornar o rapaz réu no processo sem considerar o pedido dos advogados dele para soltá-lo diante da possibilidade de que ele tenha sido "torturado". Ariel também sugeriu que Jhonny foi vítima de "abuso de autoridade".

"Mais uma vez, o Judiciário desconsidera completamente a tortura e o abuso de autoridade que precederam a prisão em flagrante. A única finalidade é a punição do jovem", disse Ariel nesta quinta-feira (16) à reportagem. "E de antemão, o juiz proíbe a participação das chamadas testemunhas de antecedentes, que são familiares, amigos e conhecidos, que poderiam falar do histórico de vida do acusado."

'Tortura, abuso de autoridade e racismo'

O vídeo que viralizou nas redes sociais e gerou todo debate envolvendo especialistas sobre tortura, abuso de autoridade e racismo foi gravado por testemunhas no final do do mês passado. As imagens mostram Jhonny detido em flagrante pelo cabo Jocélio, da Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas (Rocam) da Polícia Militar, depois de não parar a moto que pilotava numa blitz policial. Em seguida, ele bateu o veículo numa ambulância e fugiu.

O rapaz foi autuado na Polícia Civil por dirigir sem habilitação e indiciado por transportar 11 tijolos de maconha escondidos numa mochila de entregas. No vídeo é possível ver Jhonny preso, com a mão esquerda algemada na moto do PM, que o puxa pela avenida.

A defesa de Jhonny chegou a afirmar que seu cliente também foi arrastado, apesar de as imagens não mostrarem isso. O vídeo acabou compartilhado na internet, acompanhado por críticas à atitude do policial e protestos de especialistas e personalidades nas redes sociais.

'Racismo estrutural'

As associações Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo entraram com uma ação civil pública na Justiça contra o governo de São Paulo no caso de Jhonny.

Segundo essas entidades, o caso protagonizado pelo policial militar contra o jovem negro foi uma "manifestação explícita de racismo estrutural e institucional". Diante disso, elas pedem uma "reparação de dano moral coletivo e dano social infligidos à população negra e ao povo brasileiro de modo geral, em razão de graves atos de violência policial".

A ação proposta pela Educafro e pelo Centro Santo Dias solicita uma indenização de R$ 10 milhões do governo, a ser revertida ao Fundo Estadual de Direitos Difusos do Estado de São Paulo. Além disso, propõe que a Justiça obrigue o estado a implantar medidas antirracistas na Polícia Militar.

A gestão estadual informou por meio de nota que não poderia comentar o assunto porque a ação ainda não havia sido analisada pela Justiça e que a Secretaria da Segurança Pública (SSP) poderia se posicionar. A pasta informou num comunicado que repudia "qualquer ato de racismo ou injúria racial" e que já vem adotando "ações dentro das polícias para combater esses crimes, bem como estimular as denúncias".

"Me senti humilhado, tive medo de morrer. Cometi um erro, mas não merecia ser humilhado", escreveu Jhonny num bilhete ao Fantástico, em reportagem exibida no domingo (5).

PM omitiu que puxou preso

Jhonny confessou que ganharia dinheiro para levar de moto a maconha escondida na mochila até São Mateus, na Zona Leste de São Paulo. O veiculo era emprestado e foi apreendido com o entorpecente.

No boletim de ocorrência do caso, os policiais contaram que algemaram Jhonny porque havia o risco de fuga dele, mas omitiram o fato de que o suspeito foi puxado algemado, com a mão esquerda presa na moto da PM.

Jhonny já havia sido detido pela polícia por roubo quando era adolescente. Ele cumpriu medida socioeducativa na Fundação Casa por dez meses. No início deste ano, foi preso por tráfico de drogas, mas estava respondendo ao processo em liberdade. Antes de ser detido pela terceira vez, Jhonny morava com a namorada de 17 anos em uma comunidade da Vila Prudente.

Fonte: G1

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