‘Me senti primeiro ofendida como mulher, como mãe’, diz advogada repreendida após bebê chorar em sessão

Via @portalg1 | A advogada que foi repreendida por um desembargador após a filha começar a chorar em uma audiência virtual disse que havia pedido para ser ouvida primeiro na sessão, pois precisa amamentar a criança. Segundo Malu Borges Nunes, de 29 anos, que é de Santa Catarina, a solicitação foi negada durante a audiência. O caso aconteceu na segunda-feira (22).

Após a repercussão das falas do magistrado Elci Simões, a defensora disse que se sentiu ofendida. Nas redes sociais, na terça-feira (23), a advogada agradeceu a atenção e o carinho que recebeu após o caso ser divulgado nas redes sociais.

"Eu me senti primeiro ofendida como mulher, como mãe, como advogada também. Ele [desembargador] questionou a minha ética profissional em relação a eu estar, não sei, com ela no colo, ou amamentando, ou de estar no home-office e ela estar perto de mim. Eu fiquei muito mal, chorei bastante depois. Eu me viro aqui nos 30 para dar conta de tudo que eu tenho que fazer. Dar conta de bebê, casa, trabalho", disse ao Bom Dia Brasil.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Catarina também se manifestou e destacou, em nota,o "constrangimento enfrentado" pela profissional.

Ainda nesta semana, a cena de um advogado que levou o filho para audiência comoveu nas redes sociais.

Filha da advogada chorou durante a sessão e atitude foi repreendida pelo magistrado — Foto: Reprodução/TV Globo

Audiência

O caso de Malu ocorreu durante uma audiência da 2º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ/AM). No vídeo, magistrados votavam um processo quando, em determinado momento, a filha de Malu, que estava no colo dela, começou a chorar.

o desembargador Elci Simões, então, interrompeu a audiência e se dirigiu à advogada, alegando que a criança estava "atrapalhando" o julgamento. "Isto prejudica os colegas", disse.

Filho da advogada chorou durante a sessão e atitude foi repreendida pelo magistrado — Foto: TJ-AM/ Reprodução

Contraponto

Após a repercussão do caso, o desembargador alegou, em nota, que pediu "educadamente" para que a magistrada evitasse barulhos durante a sessão, em respeito aos demais colegas.

“Recomendou-se educadamente e com todo o cuidado evitar barulhos durante a sessão, ainda mais em respeito a presença de outros advogados em audiência pública complexa e extensa", disse.

Sobre o pedido da advogada falar primeiro durante a sessão, Simões afirmou que ficou decidido que a ela não precisava ser ouvida antes dos demais pois estava home-office.

Veja as notas na íntegra:

Advogada Malu Borges Nunes

"Nós mulheres só queremos que nossa voz seja ouvida, que nos respeitem no nosso ambiente de trabalho e na sociedade. Que nossa ética profissional não seja questionada por estarmos exercendo dupla/ tripla jornada sem qualquer tipo de apoio.

A minha realidade é a de milhões de brasileiras - trabalhadora e mãe. Obviamente que se eu tivesse uma opção melhor para deixar a minha filha (que acabou de completar 6 meses e depende de mim para tudo) enquanto eu trabalho eu aderiria, pois, a maior prejudicada sou eu, que trabalho os 3 turnos para dar conta da quantidade de tarefas.

Minha ética poderia ser questionada somente se eu deixasse de cumprir prazos e realizar atos, o que não é o caso. Não sou antiética por trabalhar em home office com a minha filha no colo. O triste episódio ocorrido no TJAM – não somente quanto a fala do Desembargador Elci, mas também quanto a falta de respeito a minha preferência legal (lactante) - infelizmente somente comprova, mais uma vez, o machismo estrutural da nossa sociedade.

Isso porque, ao passo que eu fui condenada por estar com uma bebê resmungando (não chorando) na sessão, há uma semana um pai advogado teve preferência no seu processo no STJ por estar com o seu filho de 1 ano presente (matéria de repercussão nacional, inclusive). Mesmo diante da falta de compreensão com minha situação, continuarei sustentando amamentando ou com a minha filha próxima, que é o local adequado para ela".

OAB-SC

"A OAB Santa Catarina vem a público repudiar a atitude do desembargador Elci Simões, do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que repreendeu a advogada da Grande Florianópolis Malu Borges Nunes, inscritas nos quadros da Seccional, por causa do choro de seu filho durante julgamento realizada por videoconferência nesta segunda-feira (22/8).

Em vídeo compartilhado por veículo de comunicação é possível assistir trecho da sessão da 2ª câmara Cível do TJAM no qual o magistrado afirma que o choro da criança, que estava no colo da advogada, tira a concentração. "É uma sessão do Tribunal, não pode ter cachorro latindo e criança chorando. Então, se tiver alguma criança coloque em um lugar adequado para não atrapalhar a realização das nossas sessões", afirmou o magistrado.

A OAB/SC manifesta solidariedade à advogada e mãe Malu Borges Nunes pelo constrangimento enfrentado quando do exercício da advocacia, que teve ainda a ética questionada diante do ocorrido. A Seccional catarinense também reforça a importância da Recomendação n. 94/21, expedida pelo CNJ a pedido da OAB/SC, e de sua transformação em resolução, de modo a manter e aprimorar as gravações das audiências judiciais e sessões de julgamento no País, contribuindo, assim, para o combate ao desrespeito às prerrogativas da profissão.

Conquistas como essa e a própria Lei Julia Matos (Lei nº 13.363/16), que assegura uma série de garantias às mulheres advogadas, sobretudo às gestantes e mães, são imprescindíveis para a dignidade da advocacia feminina, que representa cerca de 50% da classe e, portanto, deve ter seus direitos e suas necessidades respeitadas".

Abracrim

"A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS – ABRACRIM, A COMISSÃO NACIONAL DA MULHER ADVOGADA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ADVOGADOS CRIMINALISTAS – ABRACRIM MULHER, vêm a público manifestar SOLIDARIEDADE à Advogada MALU BORGES NUNES, bem como a todas as mulheres e advogadas deste país, por repreensão, admoestação verbal e pública, realizada por um Desembargador do honrado Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, quando chamou a atenção de uma Advogada, de uma Mãe, em pleno exercício da profissão, em meio à realização de uma sessão virtual, devidamente gravada, devido aos ruídos causados pelo som do filho recém-nascido que estava em seu colo, e isso em pleno mês comemorativo da Advocacia e do Agosto Lilás.

Sentimos pela falta de sensibilidade por parte do ser humano, e, mais ainda, pelo desconhecimento das Leis Vigentes 8.906/1994 e Lei nº 13.363/16, respectivamente Lei Federal/Estatuto da Advocacia e da lei que estipula direitos e garantias à advogada gestante, lactante, adotante e parturiente.

Doutora Malu, não é o choro do seu filho que lhe retira a Ética, como indevidamente levantado, muito pelo contrário, serve de força e honra para todas as Advogadas e Mães não apenas do Estado do Amazonas, mas de todo o mundo; a doutora nos representa".

Por Caroline Borges, g1 SC e TV Globo

Fonte: g1

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