Luciane é presidente da Associação Instituto Liberdade do Amazonas, que defende melhores condições no sistema carcerário brasileiro e luta pelos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.
Luciane é casada com Clemilson dos Santos Farias, conhecido como "Tio Patinhas", um dos líderes do Comando Vermelho, que foi preso em dezembro de 2022. Luciane também foi condenada, em segunda instância, por lavagem de dinheiro, associação para o tráfico e organização criminosa. No entanto, ela recorre em liberdade da sentença de dez anos de prisão. Já Tio Patinhas cumpre 31 anos de prisão no Amazonas.
CPI
O deputado federal Coronel Ulysses (União-AC) pediu a abertura de uma CPI "para investigar supostas reuniões realizadas por integrantes do Mistério da Justiça e Segurança Pública com membros de organizações narcocriminosas". Até esta quinta-feira (16), o documento contava com 54 assinaturas. Para abrir uma comissão do tipo, é necessária a assinatura de 171 deputados.
Na justificativa para a abertura da CPI, Coronel Ulysses ressaltou que o episódio "tem propiciado críticas, angústia e aflição à sociedade brasileira". O requerimento foi apresentado na última terça-feira (14).
"Muito importante para esclarecer desvios e ilícitos que, em tese, têm ocorrido dentro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, favorecendo o crime. Temos que apurar qual o grau de conivência entre o Ministério da Justiça e o crime organizado", escreveu o parlamentar em uma rede social.
Pedido semelhante por abertura de CPI foi feito pelo deputado Amom Mandel (Cidadania-AM). No documento, ele explica que "é imperativa uma investigação minuciosa". "Qualquer sinal de colaboração ou conluio entre autoridades ministeriais, detentores de cargos políticos e organizações criminosas representa uma ameaça direta à segurança pública, ao Estado de Direito e à confiança da população nos órgãos governamentais e detentores de cargos políticos responsáveis por fiscalizar o Poder Executivo", justificou.
Além do pedido de CPI, Amom enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime, para que sejam apuradas as visitas de Luciane às pastas ministeriais.
Depois que o caso veio à tona, o Ministério da Justiça e Segurança Pública mudou as regras de segurança para a entrada na sede da pasta.
Impeachment
O ministro da Justiça, Flávio Dino, é alvo de um pedido de impeachment em razão do caso. O requerimento é do deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP). "O ministro Flávio Dino cometeu grave violação ao princípio republicano e ao mandamento constitucional da moralidade no exercício da administração pública, mediante a utilização de poderes inerentes ao cargo, com o propósito de garantir interlocução com o crime organizado, especificamente o Comando Vermelho", justifica Kataguiri.
O ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, também está no radar dos parlamentares. Com 46 assinaturas até esta quinta-feira, um requerimento pelo impeachment liderado pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE) foi protocolado na Câmara. O pedido é pela perda em caráter definitivo do cargo e inabilitação para o exercício de função pública por oito anos.
Na avaliação de Valadares, a autorização de recursos da pasta para gastos em viagem de Luciane "pôs o aparato estatal à disposição de indivíduo umbilicalmente ligado ao tráfico ilícito de drogas, aviltando a República, instrumentalizada que foi em prol do interesse de grupo criminoso representado por aquela pessoa". A conduta, continua o parlamentar, evidencia "cumplicidade no mínimo escandalosa das altas esferas da administração federal com o crime organizado".
A partir do momento em que um pedido de impeachment é protocolado, cabe ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), realizar a admissão, sem um prazo para que isso ocorra. Caso ele aceite, há a abertura de uma comissão especial para aprovar ou não o requerimento. Já o julgamento fica a cargo do Senado.
Encontros em ministérios
Luciane Barbosa Farias esteve ao menos duas vezes no Palácio da Justiça neste ano. Também conhecida como "Dama do Tráfico Amazonense", ela esteve com Elias Vaz, secretário nacional de Assuntos Legislativos, em março. Ele explicou que a audiência atendia a uma solicitação da Associação Nacional da Advocacia Criminal, feita pela advogada Janira Rocha, ex-deputada estadual no Rio de Janeiro.
Janira entrou acompanhada de duas mães de jovens assassinados — que pediram celeridade nas investigações da morte dos filhos —, além de Luciane Farias, que falou de supostas irregularidades no sistema penitenciário brasileiro. "Por esta razão, foi sugerido à advogada Janira Rocha que elas procurassem a Secretaria Nacional de Políticas Penais", explicou Vaz.
Em maio, Luciane participou de outro encontro para discutir o assunto. "Não houve qualquer outro andamento do tema", disse o Ministério da Justiça e Segurança Pública. "Sobre a atuação do Setor de Inteligência, era impossível a detecção prévia da situação de uma acompanhante, uma vez que a solicitante da audiência era uma entidade de advogados, e não a cidadã mencionada no pedido de nota", declarou a pasta.
Também em maio, ela esteve com a Secretária Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Érica Meireles, no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A pasta confirmou que custeou passagens e as diárias em Brasília de Luciane. Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que ela viajou para a capital federal a fim de participar do Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, realizado nos dias 6 e 7 deste mês, e que ela foi indicada por um comitê amazonense.
"O Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, por meio do ofício n° 233/2023, solicitou aos Comitês Estadual de Prevenção e Combate à Tortura dos estados que indicassem representantes para participação da atividade. O Comitê estadual do Amazonas, por sua vez, indicou Luciane Barbosa Farias como representante a participar do evento. Todos os convidados tiveram suas passagens e diárias custeadas", informou a pasta, comandada por Silvio de Almeida.
Outro lado
Em nota, Luciane alegou que em nenhum momento tentou burlar a lei e que toda a sua atividade política sempre foi pública e exibida nas redes sociais.
"Minha luta é por garantir dignidade e direitos fundamentais ao meu esposo e a outros internos do injusto sistema carcerário do meu estado e do Brasil. Não enxergo que pratico crime em pedir as reuniões de interlocução nem que as autoridades, que, cumprindo o papel institucional para o qual foram eleitas, nos receberam em diferentes instâncias em Brasília, possam ser criticadas e descredenciadas por isso", ressaltou.
Por Bruna Lima e Ana Isabel Mansur, do R7, em Brasília
Fonte: R7