A escolha de Cármen ocorreu na sessão de terça à noite, com o uso da urna eletrônica, seguindo a tradição da Corte de escolher o membro mais antigo como presidente. Da mesma forma, Nunes Marques foi eleito vice-presidente.
— Eu agradeço, em meu nome e do ministro Kassio Nunes Marques, a confiança do tribunal, pelos votos que nos foram dados. Nos comprometendo os dois a, como temos feito, honrar a Constituição, as leis da República e nos comprometer inteiramente com responsabilidade e absoluta dedicação a que o TSE, a Justiça Eleitoral brasileira continue a cumprir a sua função constitucional em benefício da democracia brasileira — disse a magistrada.
Já Alexandre de Moraes, que passou o bastão, ressaltou o fato de que ela se tornará a primeira mulher a presidir duas vezes o TSE.
— A Justiça eleitoral estará em boas mãos, a democracia brasileira estará em boas mãos.
A Corte Eleitoral — Foto: Editoria de Arte |
Mendonça no TSE
Com a mudança, Moraes também deixará a composição do tribunal, para dar lugar ao ministro André Mendonça, que hoje atua como integrante substituto e é considerado de uma ala divergente à do antecessor. Apesar da escolha, a posse de Cármen só deve ocorrer em junho, quando termina o mandato de Moraes.
A mudança pode afetar a maioria que vem sendo alcançada em julgamentos de grande alcance: o placar de 4 a 3, sempre alinhado a Moraes. Nos bastidores da Corte, a avaliação é de que é possível um deslocamento deste placar: com a chegada de Mendonça, quatro ministros mais “conservadores”, e menos alinhados a Moraes, passariam a integrar o plenário — Nunes Marques, Raul Araújo e Isabel Gallotti. Do outro lado, ficariam Cármen Lúcia, André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques. Mendonça foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal.
Um dos principais casos que o TSE deverá julgar no início da presidência de Cármen é o pedido de cassação do senador Sergio Moro (União-PR), absolvido no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. A Corte também irá julgar a ação que pode levar à cassação do senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC), caso suspenso para coleta de novas provas.
Além disso, ainda tramitam na Corte ações contra Bolsonaro, já punido pelo TSE com a inelegibilidade de oito anos, em junho do ano passado, por ataques ao processo eleitoral em reunião com embaixadores.
Segundo interlocutores da Corte, a ministra tem o projeto de seguir avançando com a edição de normas para combater a desinformação. Em fevereiro, Cármen foi relatora de resoluções com regras para as eleições municipais. Uma delas estabeleceu regras para uso de inteligência artificial, com a proibição das “deep fakes”, técnica que simula rostos e vozes de pessoas reais. Também foi determinado que a inteligência artificial só pode ser usada em peças de campanhas com um aviso de que o conteúdo foi feito a partir de uma ferramenta do tipo.
O TSE também aprovou pontos que ampliam a responsabilização das redes e reforçam as regras de transparência do impulsionamento de propagandas políticas. Como resposta, o Google anunciou a proibição de veiculação de anúncios políticos durante as eleições municipais. O X (antigo Twitter) fez o mesmo.
Na terça-feira pela manhã, em seminário promovido em São Paulo pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a ministra tratou dos dilemas do Judiciário diante da profusão de ataques e a necessidade de se preservar a liberdade de expressão.
— Esse é um dos nossos grandes desafios: a liberdade que se expressa está garantida, mas se a usarmos para atacar alguém, podemos estar cometendo um crime — afirmou.
Em sua gestão, Cármen pretende seguir dialogando com as plataformas digitais, e tem mantido uma série de reuniões preparatórias com as empresas de tecnologias com o intuito de adotar medidas eficazes durante o período eleitoral. Um dos principais focos da equipe é o fortalecimento da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, órgão criado em 2022.
Juiz de garantias
Em 2012, Cármen foi a primeira mulher a conduzir uma eleição nacional. Sua gestão ocorreu ainda na estreia da Lei da Ficha Limpa, após aprovação da medida pelo Congresso, na esteira de grande pressão popular. Ela também foi a primeira integrante do TSE e do STF a divulgar o contracheque.
Já na gestão de Moraes, um dos momentos mais importantes foi o julgamento de Bolsonaro. No período, o TSE também determinou a retirada de diversos conteúdos dos principais candidatos, incluindo Bolsonaro e o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Houve ainda um endurecimento no combate às fraudes da cota de gênero, com a cassação de chapas envolvendo candidaturas laranjas.
Na terça-feira, o TSE aprovou a implementação do juiz de garantias na Justiça Eleitoral no prazo de dois meses. O mecanismo, previsto em lei, divide a condução de investigações entre dois magistrados, um deles responsável pela coleta de provas e outro pelo julgamento.
O legado de Moraes
• Combate à fake news: sob o comando de Moraes, o TSE reforçou medidas contra fake news. Como membro da Corte, em 2021, ele votou pela cassação do deputado Fernando Francischini (PSL-PR), por propagar notícias falsas.
• Inelegibilidade de Bolsonaro: em voto que tornou o ex-presidente inelegível por oito anos devido a ataques ao sistema eleitoral, Moraes disse que “liberdade de expressão” não pode ser usada para atacar a democracia.
• Garantia das cotas de gênero: o TSE apertou a punição às fraudes à cota de gênero. De 51 julgamentos envolvendo candidaturas laranjas de mulheres em 2020, 42 decisões resultaram na cassação de chapas inteiras de vereadores.
No horizonte de Cármen
• Julgamento de Moro: o TSE deve julgar o pedido de cassação do ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR). Na avaliação de integrantes do tribunal, a troca na composição do TSE torna a situação mais favorável a Moro.
• Ações contra ex-presidente: mesmo inelegível, Bolsonaro segue alvo de outras 16 ações que tramitam no TSE. Entre os casos estão ataques às urnas, uso da máquina pública e propagação de um ecossistema de desinformação.
• Inteligência Artificial: Cármen tem se reunido com as big techs a fim de criar regras para uso de inteligência artificial — podendo levar à cassação do candidato. O TSE já aprovou pontos que ampliam a responsabilização das redes.
Por Daniel Gullino e Mariana Muniz
Fonte: oglobo.globo.com