‘Minha vida está parada’: um ano após ser absolvido pelo STJ, porteiro ainda luta para provar inocência

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Via @portalg1 | Um ano após ser solto por uma determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pedreiro Paulo Alberto da Silva Costa, de 38 anos, que ficou preso por 3 anos após ser reconhecido por foto em mais de 60 ações penais, ainda tenta provar que não é criminoso.

Mesmo após o parecer do STJ, Paulo já sofreu outras condenações e não consegue emprego fixo. Pai de dois filhos, ele teme voltar para a prisão. Desempregado, Paulo conta com ajuda da mãe e faz pequenos bicos para conseguir sobreviver.

"Estou feliz por estar na rua e com a minha família. Mas a minha vida está parada. Eu tenho que ajudar os meus filhos, de 11 e 5 anos, mas não consigo arrumar emprego por conta das constantes audiências", diz emocionado.

"Já fui em tantas audiências que até perdi a conta. Às vezes eu ia para uma sessão com o juiz e eram 12, 13 no mesmo dia e de uma única vez. Eles faziam muitas audiências em um único dia. Então, não tenho como conseguir um emprego de carteira assinada enquanto isso não acabar."

Enquanto isso, Paulo aguarda uma resposta do ofício enviado pela Defensoria Pública do RJ ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e ao Ministério da Igualdade Racial pedindo a análise do seu caso, inclusive quanto à possibilidade de indulto individual (veja mais detalhes do benefício mais abaixo). O documento foi enviado no dia 13 de julho do ano passado.

Foto: Reprodução

Nos últimos meses, ele já sofreu três novas condenações.

"A todo momento eu imagino a polícia entrando aqui na minha casa e me levando novamente para aquele lugar. Eles acabaram com a minha vida. Eu não tenho mais esposa, não vejo mais os meus filhos crescerem. Eu nunca imaginei indo para aquele lugar [a cadeia]."

"Eu só pedia a Deus para me tirar dali e ele me tirou. Hoje, eu só peço a Ele que me livre isso tudo. É impossível viver com esse peso", diz Paulo, que atualmente mora com a mãe, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

Ele ficou 3 anos preso após acumular 62 processos, sendo 59 por roubo, e outros por homicídio, latrocínio e receptação. Todas as acusações, de acordo com sua defesa, têm como origem o reconhecimento por foto na delegacia, prática considerada falha pelo STJ.

"Paulo Alberto, um rapaz sem antecedentes criminais, teve suas fotos do Facebook usadas irregularmente pela Polícia Civil, para que vítimas de crimes patrimoniais fizessem o reconhecimento fotográfico. Sem que fosse respeitado o procedimento legal e oferecida chance de defesa", explica a coordenadora de defesa criminal da Defensoria Pública, a defensora pública Lucia Helena Oliveira.

"Paulo foi investigado em mais de 70 inquéritos e denunciado em mais de 60 ações penais, o que ocasionou várias prisões preventivas, com base apenas no reconhecimento fotográfico", completa.

O caso de Paulo Alberto chegou ao plenário do STJ quando ele já acumulava 20 absolvições e 11 condenações, das quais 4 não caberiam mais recurso. A corte determinou a revogação de todos os 12 mandados de prisão contra Paulo, bem como sua soltura imediata.

Paulo Alberto da Silva Costa após ser fichado na Polícia Civil

 À época, o ministro Rogério Schietti afirmou que não se pode enviar alguém para o presídio só pelo reconhecimento da vítima em um álbum fotográfico. O magistrado destacou ainda que o caso de Paulo Alberto causava vergonha ao sistema de Justiça.

“Não estamos num caso como qualquer outro. Estou convencido de que estamos diante de um erro judiciário gravíssimo, com consequências duradouras no tempo. Estamos diante de um caso que me envergonha de ser integrante do sistema de Justiça, que é de moer gente. Roda vida de crueldade".

Novas condenações

Mesmo com a decisão do ministro, a Justiça do RJ condenou Paulo em 3 processos. Ele também foi citado a responder a mais 1, por roubo. Mas, nesse período, o pedreiro já conseguiu ser absolvido em 16 processos de primeira instância, entre eles, 1 de homicídio. Ele também conseguiu a reversão de 4 condenações.

Paulo ainda luta para ser inocentado em todas as outras acusações.

"Um dia eu vou acordar e não ter medo de ser preso novamente. Vou acordar e as pessoas saberão que sou inocente e que não tenho nada com isso", fala.

Segundo o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), as denúncias contra Paulo Alberto não apontavam qualquer outra prova de envolvimento dele além do reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas. Em alguns dos casos, as vítimas só reconheceram Paulo como criminoso já em audiência.

A saga de Paulo começou em 2020, quando foi preso. Naquele dia, parentes do homem viram sua foto no "mural de suspeitos" da 54ª DP (Belford Roxo). A suspeita do IDDD é de que isso ocorreu porque o condomínio em que ele vivia e trabalhava como porteiro era controlado por uma facção criminosa.

Por conta das constantes falhas em casos de reconhecimento fotográfico, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que estabelece diretrizes para a identificação de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário.

Arquivos de reconhecimento apresentado pela Polícia Civil do RJ nos autos do processo com a imagem do Paulo e outros suspeitos

Segundo a Defensoria Pública do RJ, cerca de 80% das vítimas de erros em reconhecimentos fotográficos são negras, “evidenciando o impacto desproporcional do racismo estrutural no sistema de justiça e contribuindo para o encarceramento em massa da juventude negra”.

Indulto

O pedido de indulto individual é um instrumento que está previsto no Código do Processo Penal. O pedido ainda precisa passar pelo Conselho Penitenciário e pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para posterior decisão do presidente da República.

O benefício, se concretizado, seria inédito no país. O único a conceder graça individual foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, para o ex-deputado Daniel Silveira. A benesse, porém, foi derrubada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O que dizem os citados

Procurado, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania disse que, após análises por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, "o ministro Silvio Almeida irá conversar com o ministro Ricardo Lewandowski para encaminhar a posição do MDHC pela concessão de indulto. O que será obviamente decidido pelas autoridades competentes".

Ainda de acordo com o comunicado, esse "é um caso que merece toda atenção pois demonstra todas as falhas e injustiças do sistema criminal brasileiro. O ministro Silvio Almeida vai se empenhar pessoalmente neste caso, pois considera que é paradigmático, e mostra a injustiça do sistema criminal no Brasil".

O g1 também procurou o Ministério da Igualdade Racial, mas ainda não teve retorno.

Por Rafael Nascimento
Fonte: g1

1/Comentários

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  1. Infelizmente em nosso país há certa resistência das autoridades em aplicar a lei quando se trata de pessoas hipossuficientes. Se seguissem a disposição contida no art. 226 do Código de Processo Penal, aberrações semelhantes deixariam de ocorrer. Sempre vemos noticias de equívocos perpetrados pelas vítimas e apoiados pelo sistema, cuja reversibilidade é demorada e os prejuízos irreparáveis. Até quando?

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