O pedido foi recebido com certa surpresa por constitucionalistas justamente pela posição já consolidada do Supremo, em um caso que envolve intenso debate ideológico nas áreas criminal e de saúde pública.
Na ADPF, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e o Instituto de Bioética Anis defendem a inconstitucionalidade dos dispositivos do Código Penal que tratam a opção pelo aborto como crime.
O artigo 124 prevê pena de prisão, de um a três anos, para quem “provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque”. Já o artigo 126 pune quem “provocar aborto com o consentimento da gestante” com um a quatro anos de prisão.
Pela legislação, o aborto só não é crime em caso de estupro ou quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Além disso, a jurisprudência do STF permite o aborto nos casos de fetos anencéfalos.
A ação já corre há sete anos e o voto de Weber, relatora, foi para declaração parcial de inconstitucionalidade dos artigos do Código Penal que criminalizam as mulheres que consentem com um aborto até a 12ª semana de gestação. Em suma, ela votou pela descriminalização da conduta das mulheres nestas situações.
No último dia 29, o minsitro Flávio Dino votou pelo não conhecimento do recurso protocolado pela CNBB. O julgamento agora corre sob o rito virtual, e outros quatro ministros já seguiram Dino (Alexandre de Moraes, Luis Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin).
Em seu posicionamento, Dino listou uma série de ações que tramitaram no Supremo (ADC 49, ADI 7.300 e ADI 7.222, por exemplo) para reafirmar que a Corte não aceita legitimidade recursal de amicus curiae.
“Os amicus curiae podem opor embargos de declaração, como consta do Art. 138, § 1.º, do CPC. Todavia, o próprio STF tem interpretado restritivamente essa possibilidade, como fez no RE 949.297” diz o advogado Henderson Fürs, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB-SP, que representa a Sociedade Brasileira de Bioética no julgamento.
“A ideia é que os embargos podem ser propostos se tiver relação com a tese que está sendo debatida. Todavia, no caso em questão, os embargos da CNBB fogem (e muito) de uma contribuição à tese, e se equipara à atuação como se fosse parte, fugindo do escopo de atuação de um amicus curiae.”
Fürs diz que, a despeito dos debates acalorados que envolvem o tema, o Judiciário não foi contaminado pela discussão. “A matéria em si, infelizmente, suscita debate público acalorado, simplista e pouco baseado em dados ou na realidade, mas isso não se encontra refletido na perspectiva judicial até agora”, argumenta.
A advogada Maira Scavuzzi confirma que o entendimento do Supremo não permite o recurso da CNBB, mas discorda do posicionamento da corte.
“Para a corte, o Código de Processo Civil não se aplicaria, porque as ações diretas são regidas por lei específica. Contudo, a legislação especial em questão não disciplina o tema. Por isso entendo que, nesse ponto, a jurisprudência do Supremo está equivocada”, argumenta.
Interpretação análoga
Mariana Chiesa, sócia do Manesco Advogados e professora do Insper e da Fundação Getulio Vargas, afirma que o Supremo tem se fundamentado, ao barrar esse tipo de recurso, em uma interpretação análoga da Lei Federal 9.868/1999, que versa sobre a intervenção de terceiros nas ADIs.
Por essa lei, diz Chiesa, “essa intervenção se limita à instrução dos autos com informações ou dados técnicos relevantes sobre a matéria apreciada pela corte”.
“Nesse sentido, é pacífico o entendimento do STF de que as entidades que atuam como amicus curiae em sede de controle concentrado de constitucionalidade não possuem legitimidade recursal, tendo em vista a especialidade da legislação que disciplina essas ações”, diz a advogada.
O constitucionalista Lenio Streck diz que esse ponto (a rejeição a embargos de amicus curiae) é um dos “mais tranquilos e pacíficos” no Supremo.
“Imaginemos que, em um determinado caso, haja 15 amicus curiae — e isso não é raro — e cada um atue como parte. Seria o caos. Ademais, trata-se de uma questão técnica e processual. Parte é uma coisa, amicus curiae é outra”, diz.
Anulação de voto
À reportagem, os advogados consultados elencaram as possibilidades de anulação de voto: suspeição ou impedimento, ofensa ao contraditório, ao devido processo legal e à ampla defesa ou na ausência de fundamentação da decisão. No caso em questão, entretanto, há situação relativamente nova, que envolve o ambiente virtual de julgamento.
“A hipótese que interessa ao caso em análise são os processos com pedidos de destaque, que impedem o julgamento em ambiente virtual. Em tese, nesses casos, o julgamento é reiniciado e os votos já proferidos, nos termos do art. 4º, § 2º da Resolução 642/2019 do STF, não são computados”, diz a advogada e professora Mariana Chiesa.
“Contudo, no exame de Questão de Ordem em sede da ADI 5.399, o Plenário do STF entendeu (com divergência apenas do ministro André Mendonça) pela ‘validade de voto proferido por ministro posteriormente aposentado, ou cujo exercício do cargo tenha cessado por outro motivo, mesmo em caso de destaque em julgamento virtual’. Assim, não é possível, na hipótese do destaque, atacar a validade do voto proferido pela Ministra Rosa Weber.”
A advogada Maira Scavuzzi endossa: “O Supremo tem adotado entendimento no sentido de preservar os votos de ministros que tenham se aposentado. Se for pedido o destaque, os votos dados são desconsiderados apenas se o julgador votante puder participar dos debates presenciais e defender ou revisar ele mesmo o posicionamento, o que não acontece quando um ministro deixa o cargo.”
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Embargos de declaração na ADPF 442
Por Alex Tajra
Fonte: ConJur