A foto foi tirada por um aluno, que não se identificou, e repassada em grupos no WhatsApp.
O advogado Juliano Amaral, que também é aluno de pós-graduação na mesma instituição, foi contatado por um estudante que recebeu a imagem e registrou um boletim de ocorrência por racismo contra a faculdade.
Após a denúncia, ele foi chamado para participar de uma reunião com o corpo docente da instituição, o professor e alunos que fizeram parte da dinâmica. Na reunião, eles alegaram que a placa foi colocada na porta de entrada da sala, durante a aula e que, no rodapé do papel, havia a informação de que a placa fazia parte de um trabalho acadêmico. A mensagem citada não aparece na foto.
A aula é ministrada por um professor branco.
A universidade afirma que, durante a aula de Sociologia e Antropologia, foi realizada uma atividade com o objetivo de promover discussões sobre as consequências jurídicas da prática do racismo e que a turma recebeu a tarefa de analisar e criticar o filme "Histórias Cruzadas" no contexto da legislação brasileira de combate ao racismo.
"O trabalho proposto tinha como objetivo claro combater o racismo, e, para tanto, o grupo elaborou um panfleto e materiais complementares que criticavam cenas do filme que retratavam a segregação racial entre brancos e negros. O material foi inspirado também pela prática de segregação racial abordada no Museu do Apartheid, na África do Sul, onde são utilizados ingressos diferenciados para brancos e negros como forma de impactar o público e demonstrar o caráter reprovável da segregação racial", disse em nota a Faculdade de Direito.
A instituição destacou ainda que os cartazes foram fixados exclusivamente no ambiente da sala de aula "com a finalidade pedagógica de fomentar a reflexão crítica entre os estudantes presentes".
"Histórias Cruzadas" é um filme de 2011, dirigido por Tate Taylor e se passa no Mississippi, nos Estados Unidos, na década de 1960, durante a segregação racial. (leia mais abaixo)
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) disse que o caso foi registrado no 1º Distrito Policial de São Bernardo do Campo, que analisou o ofício enviado pela diretoria da instituição de ensino sobre a atividade pedagógica durante a aula de Sociologia e Antropologia. Após apuração dos fatos, a autoridade policial concluiu que não houve prática de ato criminoso.
Ainda segundo um aluno ouvido pelo g1, casos de racismo na faculdade são recorrentes. Nesta ocasião, o professor sugeriu que os alunos fizessem um teatro com a análise dos filmes - além de "Histórias Cruzadas", eles também viram "Tempo de Matar".
O aluno que fez a denúncia, que não quer ser identificado, disse ainda que o professor pediu que os alunos reproduzissem os filmes e, nesse contexto, foi levada a placa.
"Como ele pediu que os alunos viessem a caráter, reproduzir, eles achavam tudo bem reproduzir 'Histórias Cruzadas' em pleno 2024. Todo mundo tem muito medo de falar alguma coisa, são poucos alunos negros. Então, todo mundo tem medo de sofrer retaliação." — Aluno que fez a denúncia e prefere não ser identificado
Segundo o estudante, os alunos negros são em pequeno número e não são ouvidos. "Nessa turma não tem alunos negros. No 3º ano, no geral, são pouquíssimos. Então, tem quem teve medo de denunciar e quem não viu problema. Quando acontece esse tipo de coisa, tudo o que fazem são palestras, mas eles não conversam com professores, não ouvem alunos negros, só fazem as palestras para dizer que estão fazendo algo", continua.
A universidade informou que realiza debates e possui um núcleo de violência onde um dos assuntos abordados é a violência racial. Disse ainda que realiza estudos e palestras sobre o assunto e que conta com coletivos de diversidade dentro da instituição.
"A Faculdade reafirma seu compromisso com a promoção de um ambiente inclusivo e repudia veementemente qualquer forma de discriminação. Para reforçar esse compromisso, disponibilizamos diversos canais de denúncia, como o 'Fale com o Diretor', a Ouvidoria, o contato direto com os coordenadores de curso e uma caixa de denúncias anônimas localizada nas dependências da instituição. Após a recepção das denúncias, as providências cabíveis são tomadas, incluindo a instauração de processos administrativos internos e, quando necessário, a comunicação às autoridades competentes."
'Histórias Cruzadas'
"Histórias Cruzadas" acompanha Skeeter, personagem de Emma Stone, uma escritora de classe média alta que retorna à cidade natal para entrevistar mulheres negras, em especial empregadas domésticas, que trabalhavam para a elite branca.
O filme, que tem Viola Davis no elenco e rendeu um Oscar para Octavia Spencer, é criticado constantemente por ter uma trama "white savior" ("o branco salvador", em português), termo utilizado quando produções sobre temas raciais apresentam um personagem branco, geralmente de importância no roteiro, como libertador e salvador de pessoas não brancas.
A própria Davis já afirmou em uma entrevista para a Vanity Fair, em 2020, ter se arrependido de ter composto o elenco e que as vozes das empregadas não foram ouvidas.
Segundo a atriz, o foco da narrativa do filme beneficia os personagens brancos e as suas jornadas de redenção, sem dar ênfase para as lutas das empregadas domésticas negras.
Racismo estrutural
Diretor-executivo da Educafro Brasil, Frei Davi Santos afirmou que a ideia dos jovens, ainda que apresentada como uma proposta pedagógica, é parte do racismo estrutural presente no país.
"É uma atitude que condiz com uma etapa que está morrendo, que está nos seus últimos suspiros, que é a etapa do racismo inconsciente — ou consciente e não bem assumido." — Frei Davi Santos, diretor-executivo da Educafro Brasil
Para ele, a responsabilidade é das instituições de ensino que não colocam no currículo estudo da história do povo afrobrasileiro.
"Entendemos que a culpa não está só no aluno da faculdade de direito [de São Bernardo]. A culpa não está só nos alunos da faculdade de direito da PUC, que recentemente ofenderam os cotistas. A culpa também está nas próprias universidades relatadas e demais universidades públicas e particulares do Brasil, porque, em 2003, o governo brasileiro criou a lei 10.639, que determinava a obrigatoriedade do estudo da história do povo afrobrasileiro, e essa lei não foi botada em prática nem por 15% das instituições", apontou.
O teólogo também pediu um trabalho mais efetivo por parte dos Ministérios Públicos Estadual e Federal em relação à fiscalização das leis sobre o tema que já estão em vigor: "Nossa esperança, enquanto entidade e enquanto o povo brasileiro, neste mês da Consciência Negra, é que o Ministério público sai da sua toca".
Denúncia de racismo e homofobia
Esta não é a primeira vez que a Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo é denunciada por racismo. Em março de 2018, um banheiro feminino foi pichado com uma frase racista e contra lésbicas. A inscrição foi fotografada e levada à direção da instituição, que abriu sindicância para apurar o ocorrido.
Na porta do banheiro foram escritas, com letra em caixa alta, as frases: "fora sapatão', "fora preta sapatão", "odeio preto" e "fim das cotas", em referência às cotas para estudantes negros.
Na época, uma aluna do 4º ano do curso de direito, que denunciou o caso, disse que foi a gota d’água, pois outras atitudes semelhantes de racismo já teriam ocorrido na instituição. Segundo ela, os outros casos não foram devidamente apurados. A universidade informou à época, por meio de nota, que repudiava o comportamento e que tinha aberto sindicância para apurar o ocorrido.
Por Gustavo Honório, Deslange Paiva, g1 SP — São Paulo
Fonte: g1