A pegadinha da Justiça

Isso tudo começou com Platão, depois Aristóteles, tendo sido consagrado por Montesquieu. Isso tudo, que digo, é a teoria da separação dos poderes.

A Constituição dos Estados Unidos de 1787 baseou-se nessa teoria para estabelecer o sistema de pesos e contrapesos da democracia americana. Funcionou bem. E serviu de inspiração para a democracia brasileira e outras tantas ao redor do planeta.

Pelo menos era o que se estudava na escola, tempos atrás. Esses conceitos que me foram ensinados, e que depois vi aplicados, quando em contato próximo a agentes dos três poderes, esses conceitos me levavam a crer que o Judiciário era um poder que, em primeiro lugar, tentava a conciliação. O Legislativo fazia leis, o Executivo as cumpria e o Judiciário as aplicava, mas, quando havia duas partes em conflito, o Judiciário fazia o possível para que se acertassem e que tudo voltasse a ficar em paz.

Estou vendo que não é bem assim. Estou vendo que o Judiciário, agora, tornou-se uma espécie de entidade combatente em favor dos bons sentimentos. Refiro-me ao caso da agora famosíssima juíza de Livramento. Não havia nenhum conflito na comarca dela, não havia partes litigantes, não havia foco de prática homofóbica, uma vez que os tradicionalistas da cidade não estavam patrocinando nenhum ato discriminatório contra homossexuais. Mas ela identificou que, na comunidade, algumas pessoas cevavam o preconceito em seus espíritos mesquinhos, e anunciou que iria “quebrar paradigmas” (palavras dela). Então, agiu a fim de mostrar aos preconceituosos tradicionalistas da Fronteira que eles estão errados: empenhou-se para promover um casamento de duas mulheres em um galpão de CTG, sabendo que isso iria despertar o ódio dos preconceituosos. E conseguiu o que pretendia: provocou o conflito. Antes a Justiça era conciliatória, agora é promotora da discórdia. Uma evolução.

Li a entrevista da juíza em que ela anunciou que está no seu posto para defender as minorias. Sempre achei que um juiz defendesse a aplicação da lei, sem se importar se uma das partes é maioria ou minoria. Outro erro meu.

Se você for do time da maioria e estiver em litígio contra alguém do time da minoria em Livramento, desista da Justiça. Em Livramento, a Justiça não é cega.

Estou louco para ver essas novidades na atuação da Justiça transformando o Brasil em um país sem preconceitos. Aliás, desculpa: não devia ter dito “louco”. Fiquei sabendo que um senador do Nordeste pretende apresentar uma lei que criminaliza a “psicofobia”.

Garanto que você não sabe o que é psicofobia. É o preconceito contra psiquiatras ou quem sofre de doenças mentais. Não duvido que você seja um maldito psicófobo. Preconceituoso! Cuidado! Você pode cair numa pegadinha da Justiça, como fez a juíza de Livramento, e acabar na cadeia.

Se você não for para a cadeia, a sociedade organizada pela internet vai dar um jeito de reprimi-lo, como fez com aquela menina torcedora do Grêmio que praticou uma injúria racial na arquibancada, aquela Adolfa Hiltler, aquela chefa da Ku Klux Klan. A menina teve sua casa incendiada, precisou fugir da cidade e agora enfrentará a fúria dos tribunais.

Fúria, sim, porque, se ela pegar um juiz que, antes de tudo, está decidido a agir em defesa das minorias, será atirada nas profundezas mais infectas do Presídio Central e lá ficará pela eternidade.

Os juízes do STJD também foram vanguardistas ao usar o Grêmio como exemplo mundial contra o racismo, banindo-o da Copa do Brasil. Mas não se valeram do mesmo método educativo da juíza de Livramento: não montaram pegadinha. Não foram proativos, portanto. Terrível defeito. A Justiça desportiva ainda haverá de evoluir, nesse Brasil cada dia mais evoluído.

Por David Coimbra

Fonte: wp.clicrbs.com.br

Anterior Próxima