Futuro do Imposto sobre a Renda: tributar a pessoa física ou a jurídica?

No último dia 15 de setembro o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas contou com a participação de Isaias Coelho como expositor em seu workshop semanal. O texto discutido foi The end of cash, the income tax, and the next 100 years (O fim do papel moeda, o Imposto sobre a Renda e os próximos cem anos), de Jeffrey Kahn e Gregg D. Polsky[1].

Com vasta experiência em política fiscal nacional e internacional, Isaias Coelho conduziu o debate com olhar progressista, de modo a desafiar o corpo acadêmico a pensar sobre o futuro da ordem econômica e da tributação em bases universais, mostrando que esse futuro pode estar mais próximo do que imaginamos.

Isaias explicou que o texto debatido foi redigido em comemoração ao centenário do Imposto sobre a Renda americano instituído em 1914 e, por isso, reflete a realidade vivenciada pelos Estados Unidos e que não necessariamente coincide com o contexto brasileiro. Apesar das disparidades, é inegável que o avanço tecnológico contribui para a uniformização do comportamento econômico mundial, o que torna aconselhável o aprendizado por meio das experiências de outros países.

Inicialmente idealizado para tributar os mais ricos, o Imposto sobre a Renda ganhou força arrecadatória e atingiu todas as camadas sociais com a implementação de alguns marcos tecnológicos durante a sua evolução. Dentre eles podemos destacar a criação do mecanismo de retenção na fonte, o cruzamento de dados e a declaração eletrônica e pré-elaborada.

Ao se pensar na tributação de riquezas é fundamental relacionar o assunto ao sistema econômico. E quando se fala em sistema econômico e o seu futuro no contexto tecnológico, muito se questiona sobre a importância e necessidade da manutenção do papel-moeda como elemento necessário às operações mercantis e financeiras.

Do ponto de vista de política fiscal, há bons argumentos para incentivar sua extinção visto que as transações em papel moeda comumente estão associadas às atividades criminosas e de evasão fiscal. Com o fim do papel-moeda as pessoas seriam forçadas a declarar todas as transações econômicas, o que proporcionaria aumento da base de cálculo e, consequentemente, diminuiria a alíquota nominal, obedecendo a máxima: “se todos pagam, todos pagam menos”. Portanto, estaria reduzindo o hiato tributário (“fiscal gap”), que corresponde ao potencial de arrecadatório decorrente da aplicação da legislação e o que de fato é recolhido aos cofres públicos.

Algumas medidas já foram pensadas e até mesmo implementadas por outros países para contribuir com a extinção do papel moeda, tais como a proibição de pagamento de alto valor em papel moeda e a indedutibilidade para fins de apuração do Imposto sobre a Renda de despesas pagas com dinheiro “vivo”.

Outras medidas de eficácia questionável são a tributação de saques bancários e a aplicação de alíquota mais alta nas vendas cujo pagamento é feito em papel-moeda. Essas medidas devem ser vistas com restrição, uma vez que podem produzir efeito contrário ao pretendido e perenizar operações informais.

Voltando à temática de política tributária, Isaias mencionou que a sociedade está no alvorecer do imposto sobre o consumo. Diante disso, em âmbito mundial, a tributação sobre a renda está perdendo significância quando comparada com a incidente sobre o consumo, especialmente em razão dos países priorizarem a ética na tributação. A renda é vista como contrapartida da riqueza adicionada à sociedade e o consumo como o uso da riqueza social pelo indivíduo.

Em termos práticos, a tributação sobre o consumo — que também é adotada no Brasil — pode ser considerada mais vantajosa em relação à tributação sobre a renda, pois promove neutralidade fiscal entre consumo e poupança e, principalmente, dispensa regras de competência, realização e disponibilidade. Tais regras tendem a se relativizar no contexto de globalização e da informação eletrônica.

Com relação à tributação da renda da pessoa jurídica (IRPJ), Isaias elucidou que com a tecnologia atualmente disponível já seria possível obter plena transparência das companhias e sociedades, o que tornaria o IRPJ desnecessário mediante a concentração da tributação na pessoa física. Contudo, ainda existem entraves sociais para a implementação dessa medida. Muitos são contra a transparência das informações fiscais das empresas e há percepção geral de que seria injusto não tributar os grandes lucros auferidos pela pessoa jurídica.

Esses exemplos mostram que a tecnologia, ao impactar nas relações econômicas, interfere também de forma direta na política tributária. A extinção do papel-moeda, a opção pela tributação do consumo no lugar da renda e a utilização de declarações eletrônicas são instrumentos que podem aumentar a eficiência do sistema tributário dependendo da realidade de cada país.

Nota-se que, independentemente do estágio de desenvolvimento econômico ou da política tributária adotada pelo país, o movimento internacional mostra a existência de importantes iniciativas para ampliar a sinergia de informações (BEPS - Base Erosion and Profit Shifting, regimes CFC – Controlled Foreign Company, regras de preços de transferência e subcapitalização).

Diante disso, voltando os olhos para a realidade brasileira e a par de qualquer controvérsia política sobre como implementar a reforma tributária, a opção pela adoção de um sistema mais transparente é inevitável se de fato quisermos ter maior eficiência na arrecadação, promover justiça fiscal e segurança jurídica.

[1] Disponível em http://goo.gl/ufbU4R (acesso em 29.9.2014)

Por Gisele Barra Bossa e Ana Teresa Lima Rosa
Fonte: conjur.com.br
Anterior Próxima