Legislação reforça impunidade a motoristas que matam no trânsito

http://goo.gl/gb80h5 | Em 11 dias, entre 14 dezembro e a tarde de Natal, dois acidentes com veículos ocorridos em Franca trouxeram muita semelhança entre a forma como aconteceram, seus resultados, a atitude dos motoristas e o mesmo sentimento de inconformismo com um tipo de crime que choca a sociedade tanto pela violência quanto pela falta de respostas oferecidas pelos órgãos que deveriam apresentá-las: Polícia Civil, Ministério Público e Poder Judiciário.

O acidente de trânsito ocorrido no dia 14 de dezembro no bairro Santa Terezinha, em Franca, quando o sapateiro Fernando Rodrigues de Souza avançou em um cruzamento, atingiu uma motocicleta e matou seus dois ocupantes, chocou pela gravidade, gerou comoção e reacendeu a discussão em torno de uma polêmica: como, afinal, alguém embriagado entra em um carro, mata duas pessoas em um acidente, foge do local, e quatro dias depois, ao se apresentar à polícia, sai caminhando pela porta de uma delegacia?

A resposta, por mais que cause indignação está na própria legislação. O sapateiro fugiu do local do acidente, deixando para trás Júnior César Barbosa, 28, e Juliana Cristina Lopes, 23, em estado gravíssimo. Alegou que fugiu por temer ser linchado. Dentro do veículo, cuja frente arrebentada dava bem a noção da violência da batida contra o casal, policiais encontraram latas de cerveja entre outros objetos.

Na noite do Natal, na Rua Antônio Pedro Ferreira, no Jardim Aeroporto I, outro sapateiro foi envolvido, mas desta vez como vítima. José Luiz de Melo caminhava em um trecho da rua que não tem calçadas quando foi atingido pelas costas por um motorista ainda não identificado que fugiu sem prestar qualquer tipo de ajuda. Melo morreu três horas depois.

Os dois acidentes são apenas parte de uma estatística verificada durante o ano todo, crimes para os quais, quase sempre, as condenações são muito brandas, sendo praticamente inexistentes as chances de que um motorista, mesmo bêbado ou disputando rachas, seja condenado por homicídio quando mata pessoas no trânsito.

O histórico de acidentes causados por condutores que bebem ou abusam da direção é grande. No dia 8 de janeiro deste ano, o sitiante Wirlene Ferreira da Costa, 65, causou a morte da sapateira Franciele Aparecida Evangelista, 25, e deixou gravemente ferido seu marido, Arnaldo Fornel Júnior, numa batida na Rodovia Ronan Rocha. No dia 22 de julho, outro sapateiro, com 18 anos, atropelou e matou duas amigas que faziam caminhada pela Avenida São Vicente, em Franca. Aparecida das Graças Ribeiro, 61, morreu na hora. Roselane Henrique Rafael, 34, chegou a ser levada viva ao hospital, mas também não aguentou. Luis Fernando Barbosa Silva tinha passado a noite bebendo, segundo a polícia. Preso em flagrante, foi solto por determinação judicial duas semanas depois. O inquérito que apurou as circunstâncias do acidente foi um dos raros que terminou com indiciamento por homicídio doloso.

Somam-se a esses casos, o acidente ocorrido na Rodovia Cândido Portinari, em dois de setembro, quando seis pessoas ficaram feridas, entre elas duas crianças de dois e quatro anos, e duas morreram. O caseiro Rubens Bonfim, 45, que deu causa à batida, tinha bebido, mas foi indiciado por homicídio simples e lesão corporal.

Penas mais severasO delegado João Valter Tostes Garcia, que responde interinamente pelo 5º distrito, onde o inquérito sobre as mortes na Vila Santa Terezinha está correndo, lamenta que o motorista tenha fugido e com isso evitado o flagrante. “Poderia estar preso até agora, caso tivesse sido detido na hora”. O verbo poder foi usado na condicional porque são muitas as possibilidades de recursos e medidas atacadas com habeas corpus permitindo a Souza se livrar da prisão, aguardando a conclusão do inquérito e um eventual processo na Justiça em liberdade.

Para o delegado e vereador Daniel Radaeli, as pessoas precisam entender que o fato de não ter havido flagrante não significa que o acusado deixará de pagar pelo crime que cometeu. Responsável pelo primeiro indiciamento por homicídio doloso em Franca após a promulgação do Código de Trânsito Brasileiro, Radaeli disse que um inquérito bem feito e consistente é fundamental para garantir a condenação de um acusado.

Para Radaeli a quantidade de recursos disponíveis é que compromete a punição. Dizendo ser seguidor de uma doutrina surgida no Rio Grande do Sul, onde delegados em casos análogos aos narrados acima indiciam os motorista por homicídio por dolo eventual, ele acredita que o CTB deveria ser revisto, com penas mais severas, para poder se ajustar aos tempos atuais.

Na noite de sexta-feira, a filha de Aparecida das Graças Ribeiro, que morreu na Avenida São Vicente, Pâmela Mendes, disse que está vivendo à base de remédios desde a morte da mãe. Seu relato mostra o sofrimento pelo qual familiares das vítimas passam. “Cheguei a ir todos os dias ao Ministério Público para falar com o promotor responsável pelo caso, mas a denúncia está parada na promotoria. Não me deram explicações e, mesmo com todas as provas, o promotor disse que não tem elementos suficientes para denunciá-lo (Luís Fernando) por homicídio doloso, mas que isso ainda pode acontecer”, disse Pâmela. “Só que a demora é muita. Imagina eu passando o primeiro Natal sem a minha mãezinha!”. Não foi possível confirmar a situação do processo junto ao Ministério Público de Franca.

Por Paulo Godoy
Fonte: gcn.net.br
Anterior Próxima