O Fantástico teve acesso a imagens que ajudaram a Justiça a transformar em réus os acusados: os seguranças Antônio Cesar Bonfim Barros e Bryan Gustavo Teixeira, o funcionário do hortifruti do mercado, Luiz Roberto Costa Barbosa, e o motociclista Henrique Moreira Alves Pinheiro do Carmo.
Nas redes sociais, o Muffato se orgulha de ser um estabelecimento super vigiado, a ponto de criar a campanha chamada "Os indesejáveis". A empresa posta flagrantes de furto com o slogan "Segurança é tudo!".
O rapaz fazia compra no local toda semana. No dia de sua morte, não pegou carrinho nem cesta, foi segurando os produtos que queria no bolso e nas mãos. No caixa, apalpou o corpo, avisando que não tinha nada para pagar.
A funcionária liberou o rapaz, mas notou que restava um item no bolso. Sem saber, esse gesto selou o destino do Rodrigo.
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Rodrigo da Silva Boschen, de 22 anos, foi encontrado morto com sinais de agressão — Foto: Arquivo Familiar |
O que mostram as imagens
As imagens mostram Rodrigo indo para a praça de alimentação do mercado, onde encontra o vigia Bryan Gustavo Ferreira.
"Ele me deu o chocolate e eu fui liberar ele", disse o segurança em depoimento. "Ele virou de costas e correu. No que ele correu, eu corri atrás", continuou.
O vigia deu um alerta no rádio, levando o funcionário de hortifruti e outros a se juntarem à perseguição.
Rodrigo consegue sair do supermercado, mas o grupo corre atrás. De acordo com depoimento de Ailton Camargo, chefe da vigilância, eles estavam desobedecendo uma ordem.
"Nós não temos essa política de sair correndo atrás de ninguém. O mercado não autoriza. E, também, a gerência falou: 'pode voltar, volta aí, deixa isso aí pra lá'. Mas eles não me ouvem e continuam correndo", comentou.
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Câmeras de segurança registraram Rodrigo da Silva Boschen correndo após ser abordado no mercado — Foto: Reprodução |
No entanto, as imagens mostram que o próprio Ailton também segue à procura de Rodrigo, uma contradição ao depoimento. Em determinado momento, ele volta ao mercado. Segundo Bryan, porque o chefe da vigilância se sentiu inseguro.
Em seguida, os três restantes avistam Rodrigo e conseguem encurralar a vítima. É quando começa, segundo o Ministério Público, uma brutalidade fora do comum.
"Eu segurei ele, nisso já chegou o outro de boné e deu uma pezada no rapaz, que foi onde o rapaz caiu e ele já montou num mata-leão no rapaz. E nunca mais soltou", relatou Henrique Moreira Alves Pinheiro do Carmo em depoimento. Henrique é motociclista e se envolveu no caso para ajudar os seguranças.
O golpe mata-leão teria sido dado por Bryan. A defesa diz que ele não agrediu o jovem, nem participou de qualquer ato violento. O advogado também relata que ele estava ali por ordem do seu supervisor imediato. Uma testemunha acusou Bryan e o segurança Antônio, de omissão.
"Falei para soltarem o cara, amarrarem, parar de bater e chamar a polícia. Até dei um grito com o cara lá falando que isso não era coisa que fazer com ser humano. Ele falou que eu tinha dó de ladrão", relatou a testemunha.
Depois que o jovem está morto, Luiz Roberto, Bryan e Antônio arrastam o corpo. O trio ouve a indignação de moradores, mas também cumprimentos pelo bom trabalho.
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Acusados de terem participado da morte de Rodrigo da Silva Boschen, morto após ter tentado roubar um chocolate. — Foto: TV Globo/Reprodução |
Depois disso, o corpo de Rodrigo é abandonado na rua, com as calças arriadas, sem cobrir o rosto e exposto aos animais. O trio voltou para o supermercado.
A polícia afirma que, em nenhum momento, eles acionaram o socorro médico ou policial, o que, na visão dos investigadores, demonstra uma completa indiferença diante da gravidade da situação.
O MP viu como agravantes a vingança privada e desproporcional, o meio cruel, por causa da superioridade numérica que dificultou a defesa da vítima, e o motivo fútil. O promotor do caso, Marcelo Balzer, recomendou que o supermercado Muffato indenize os pais do Rodrigo. O advogado da família acha que a campanha "Os Indesejáveis" influenciou na conduta dos réus.
"Eles formaram um verdadeiro tribunal, no qual o Rodrigo foi acusado de furto, foi julgado, foi determinado uma sentença de morte e eles mesmos executaram essa pena. Quem deu liberdade para esses indivíduos?", questiona Leandro Mestre Negri.
"Essa cultura intrínseca, gerada, incentivada pela empresa, sem sombra de dúvidas, interfere e influencia na conduta dos acusados", continua.
O que dizem as partes envolvidas?
O supermercado Muffato afirmou ao Fantástico que os vídeos da campanha "Os Indesejáveis" são uma forma de inibir furtos e proporcionar um ambiente mais seguro. Logo depois do crime, os vídeos foram apagados.
A empresa declarou que a ação dos funcionários foi totalmente individual, fora dos seus protocolos. A companhia de vigilância Rota explicou que não orienta, tampouco autoriza que vigias adotem qualquer medida de perseguição ou contenção.
Bryan e Antônio não agrediram, nem impediram a agonia do Rodrigo. Henrique assumiu que deu socos na vítima. A defesa do motoboy alega que não foram agressões letais e que ele não estava no momento da morte.
Os três réus acusam Luiz Roberto (o funcionário do hortifruti) de asfixiar Rodrigo, mesmo depois de ele desmaiar. Luiz Roberto disse que a vítima já estava desacordada quando chegou.
"Não cheguei a encostar a mão nele, porque até então o superior falou que ele estava desmaiando. Então o que eu fiz foi pegar ele para tentar levar para a loja e pedir para o povo chamar o SAMU", disse. Luiz Roberto ainda não tem um advogado de defesa.
"Até agora eu não consigo acreditar numa selvageria dessa por causa de um chocolate", diz Ronaldo Boschen, pai do jovem morto. Rodrigo tinha conseguido um emprego pouco tempo antes da morte. Ele trabalhava como auxiliar de produção com um salário de R$ 2.600. A perícia indicou a presença de cocaína no corpo do Rodrigo. Ele chegou a tratar o vício numa clínica.
O promotor enxerga um problema nacional. "O uso de segurança inadequado vem causando mortes de inocentes, na medida em que a causa da morte sempre vem com uma brutalidade extrema. Seja por asfixia, seja por agressões. Ou seja, há que se ter um basta nisso aí. As empresas devem parar e rever os seus protocolos de segurança", pontua Marcelo.
Fonte: g1