Supermercado deve pagar indenização a idoso, por ter sido vítima de constrangimento

http://goo.gl/sN2FIz | Aduz a parte autora, em apertada síntese, que no dia 15/02/2011 deslocou-se até um dos estabelecimentos comerciais da ré, localizado na Rua Maria Martins, n. 53, nesta Comarca, para ali realizar compras. Assevera, no entanto, que ao se dirigir ao caixa para pagamento mediante cartão magnético, o funcionário responsável pelo setor obstou a transação, sob o fundamento de que o requerente não dispunha de saldo para pagar por todos os produtos que pretendia levar.

No mesmo ato, o promovente consultou seu saldo e verificou possuir a quantia de R$100,00, solicitando, em seguida, que fossem retirados alguns produtos, para que pudesse adequar suas compras ao valor total disponível, no que foi impedido pelo funcionário da requerida, que deu ordem para que recolhesse os produtos. Assim o fez.

Acrescenta que, no dia seguinte, para a sua surpresa, constatou que a ré, de maneira inadvertida, efetuou o desconto da quantia de R$100,00 existentes em sua conta bancária, nada obstante não ter adquirido quaisquer produtos no estabelecimento comercial.

Diante desse contexto, por ter se sentido lesado e humilhado, ajuizou a presente ação, pugnando pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais e pela aplicação das disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor. Requereu, outrossim, os benefícios da assistência judiciaria, e a tramitação prioritária do feito.

Com a inicial vieram os documentos de f. 09/14.

Pela decisão de f. 15, este Juízo concedeu prazo à parte autora para regularizar sua representação processual, no que foi atendido à f. 16/19.

Proferido despacho inicial (f. 21), foram concedidos ao requerente os benefícios da assistência judiciaria, determinando-se, ao final, a citação da parte ré para os termos do processo.

Citada (f. 22/23), a requerida apresentou contestação com documentos (f. 24/46). Inicialmente, arguiu preliminar de ilegitimidade passiva, por entender não ser parte legítima para figurar na contenda. No mérito, combateu a pretensão autoral, alegando que não existe irregularidade em sua conduta. Destacou que a responsável pelo desconto informado na exordial foi a instituição financeira junto a qual o requerente possui conta corrente. Salientou, mais, que aceitou retirar alguns produtos para adequar as compras do autor ao saldo que lhe era disponível no dia 15/02/2011. Ressaltou que agiu com boa-fé, até porque, de acordo com o relatório de transações que acostou ao processo (f. 46), o valor de R$100,00 reclamado pelo autor foi estornado. Por fim, fez ponderações acerca do pedido de indenização e, assim, bateu-se pela improcedência do rogo inicial.

Réplica à f. 47/51.

Foram especificadas provas às f. 53 e 54, ocasião em que ambas as partes pleitearam a produção de prova oral.

Designada audiência preliminar, não houve composição (f. 55 e 57).

Em decisão saneadora, foi afastada a preliminar de ilegitimidade passiva e deferida a prova oral requerida (f. 58/59).

Agravo retido interposto à f. 62/64 e contraminutado à f. 95/96.

Realizada Audiência de Instrução e Julgamento, foi ouvida uma testemunha, após o quê, declarou-se encerrada a instrução do processo (f. 68/69).

Apenas o autor apresentou alegações finais em forma de memoriais (f. 91/93).

É o relatório. Decido.

Considerando a interposição de agravo retido pela parte ré (f. 62/64), o qual já foi respondido pela parte agravada (f. 95/96), com esteio no art. 523, § 2º, do Código de Processo Civil, exerço juízo de retratação, para manter a decisão agravada, por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Não existem preliminares pendentes de análise, ou que devam ser declaradas de ofício, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.

O caso dos autos deve ser analisado sob a luz do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação tipicamente consumerista. É que, de um lado se encontra a empresa ré, fornecedora dos mais diversos tipos de produtos (arts. 3º e 22 da Lei 8.078/90), e, de outro, o autor, destinatário final daqueles (artigo 2º da Lei 8.078/90). Dessa forma, o diploma legal apto para reger a relação jurídica em debate é, inquestionavelmente, o Código de Defesa do Consumidor.

Pois bem.

Sabe-se a mais não poder que é ônus da parte autora produzir prova sobre os fatos constitutivos do seu direito (artigo 333, I, do Código de Processo Civil). Contudo, em se tratando de relação de consumo, prevê o artigo 6o do Código de Defesa do Consumidor a facilitação da defesa dos direitos do consumidor em Juízo, inclusive com a inversão do ônus da prova quando, a critério do Juiz, restar evidenciada a verossimilhança das alegações da parte, ou, ainda, quando ela for hipossuficiente.

Doutrina e jurisprudência são uníssonas ao entender que basta a existência de um dos mencionados requisitos para que seja possível a inversão, e, no caso dos autos, entendo que restou comprovada a hipossuficiência (técnica) do requerente, conceito que não se pode confundir com pobreza, conforme preleciona o Desembargador Rizzatto Nunes:

“O significado de hipossuficiência do texto do preceito normativo do CDC não é econômico, é técnico. (…) Hipossuficiência, para fins de possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedade, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc. Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais “pobre”...” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 836)

Desta feita, basta uma superficial análise do feito para que se perceba que a parte autora está em delicada situação para comprovar o modo como o preposto da ré procedeu à sua abordagem (ao descobrir que ele não dispunha de saldo para adquirir os produtos que pretendia) bem assim as circunstâncias e os motivos que, efetivamente, acarretaram o desconto da quantia de R$100,00 de sua conta corrente, sobretudo quando a própria parte ré não contesta a ocorrência do débito (notadamente porque, em sua contestação, afirma que o valor foi ulteriormente “estornado”).

Nessa ordem de ideias, restando caracterizada hipótese de incidência da norma protetiva, há mesmo que se inverter o ônus da prova.

Passemos, então, ao exame da questão de fundo.

De um lado, a parte autora alega ter sido exposta a situação vexatória por um dos funcionários da requerida, o qual não apenas lhe destratou em razão de não dispor de saldo suficiente para efetuar suas compras, como, também, promoveu desconto da quantia de R$100,00 de sua conta bancaria, nada obstante não ter adquirido quaisquer produtos da empresa.

De outro, a requerida evade-se da imputação feita, ponderando que não agiu com má-fé; que o desconto na conta do autor decorreu de falha da instituição financeira com a qual mantém vínculo; que o valor debitado foi estornado e que não estão presentes os pressupostos de admissibilidade para a condenação pretendida na exordial.

Sem razão a parte ré.

De uma análise global das provas carreadas ao processo, percebe-se que muito mais acuidade possui a versão apresentada pelo consumidor.

Primeiro, porque o documento de f. 12, emitido pelo Banco do Brasil, nos informa que, realmente, houve o desconto da quantia de R$100,00 pela requerida, na mesma data informada pelo promovente, mas não faz qualquer alusão a estornos supervenientes.

Segundo, porque o “relatório de transações” inserto à f. 46 é, na realidade, em uma prova unilateral de facílima produção, incapaz, portanto, de conferir segurança a qualquer veredicto, notadamente quando se encontra contrastado com o demonstrativo juntado aos autos pelo autor à f. 12 (o qual, repita-se, foi emitido por instituição financeira estranha à lide, gozando, portanto, de presumida imparcialidade).

Não bastasse, a testemunha Liliane Aparecida Barbosa, ao ser inquirida por este Juízo, não titubeou ao descrever a forma como o operador de caixa da ré abordou o requerente, destacando, também, que um dos prepostos da requerida chegou a chamar o autor de “deficiente”, por não ter logrado êxito em realizar as compras com o cartão magnético.

Vejamos:

“(...) eu estava fazendo compras no Epa quando eu presenciei o requerente acompanhado de sua mulher e uma outra pessoa passando as compras no caixa; que a mulher do autor estava embalando as compras quando a caixa disse que não tinha saldo no cartão; que falaram com a moça que tinha sim um saldo de R$100,00 e que era para ela passar até R$100,00, porque antes de irem para o supermercado, tinham confirmado com o banco; que a caixa falou que não tinha saldo no cartão e chamou o gerente; que o gerente mandou a caixa passar novamente o cartão e ela, obedecendo, passou o cartão e disse que não tinha saldo; que então o pessoal do supermercado pegou os produtos e recolheram no mesmo carrinho; que eu ouvi o gerente do supermercado comentar que nunca viu dar um cartão para um deficiente; que eu estava no caixa ao lado; que eu frequento o Epa quase todo dia; que depois disso eu não vi nem gerente e nem o caixa do supermercado mais; que o pessoal do supermercado não deu oportunidade ao requerente de pagar as compras de outras maneiras, e foram recolhendo os produtos (...) que eu estava no caixa ao lado e deu para escutar tudo normalmente, estava mais ou menos um metro de distância; que a atendente passou o cartão (magnético) mais (de) uma vez (...)” (f. 69).

Ora, considerando-se que competia à parte ré comprovar a ausência de falhas na prestação do serviço, é de se reparar que a documentação por ela acostada não tem o condão de sustentar sua tese de que “não houve irregularidade em sua conduta”. Basta uma superficial análise para que se verifique que os documentos jungidos são capengas, não conferindo a este juízo a necessária segurança para prolação de um veredicto em seu favor.

Diante desse contexto, restando comprovada a lesão e a conduta questionável da empresa, de rigor examinar o pedido de indenização por danos morais, até mesmo por ser objetiva a responsabilidade da promovida, nos termos do que dispõe o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Ao contrário do que se diz comumente nos meios acadêmico e forense, o dano moral não é definido pela existência de dor, sofrimento ou trauma psíquico, que podem ser seus eventuais efeitos, mas não são seus elementos conceituais, até mesmo porque pode haver dano moral sem que se verifiquem os referidos sintomas, conforme lição de Anderson Schreiber:

A verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento hábil à definição ontológica do dano moral. Como já demonstrado, tratando-se de uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração. (Novos Paradigmas da Responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 3ª ed., São Paulo: Atlas, 2011, p. 202).

Juridicamente, o dano moral deve ser conceituado pela ocorrência de lesão a direitos da personalidade. Assim dispõe o artigo 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil, no qual assegurou o constituinte a reparação por dano moral em caso de lesão à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem.

Contudo, tal rol não é numerus clausus, na medida em que pode ser ampliado. A título exemplificativo, Orlando Gomes arrola, como direitos da personalidade, o direito à vida, ao nome e à liberdade (Introdução ao Direito Civil, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 153).

Desta feita, não há como se negar que a situação experimentada pelo promovente (ser destratado publicamente e ter determinada quantia em dinheiro indevidamente descontada de sua conta bancária) é fato ensejador de dano à honra, configurando, de forma reflexa, ofensa gravíssima à dignidade do indivíduo, especialmente em se tratando de pessoa idosa (f. 11), que merece todo respeito e consideração da sociedade.

Nesse contexto, tem-se como certo o dever de compensar.

Em casos semelhantes, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECUSA DO "CARTÃO FÁCIL" EM FILA DE SUPERMERCADO. CONSTRANGIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. FIXAÇÃO. "QUANTUM". RAZOABILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. - O dano moral deve ser mantido, se a fixação do respectivo "quantum" se mostra proporcional à intensidade do dano, sua repercussão no meio social, à finalidade pedagógica, bem como à capacidade econômica do ofensor”.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0024.11.275856-0/001, Relator(a): Des.(a) José Marcos Vieira , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 13/03/2014, publicação da súmula em 24/03/2014)

“EMENTA: DANOS MORAIS - ABORDAGEM DE SEGURANÇA EM SUPERMERCADO - CONSTRANGIMENTO - INDENIZAÇÃO - VALOR Constitui dano moral indenizável o constrangimento sofrido por consumidor que é abordado, de forma agressiva e ostensiva, por segurança de supermercado, sem que haja razão plausível para essa atuação. O valor da indenização deve ser fixado com moderação, em consideração às circunstâncias dos fatos. (…)”(TJMG -  Apelação Cível  1.0024.08.096164-2/001, Relator(a): Des.(a) Evangelina Castilho Duarte , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/04/2012, publicação da súmula em 11/05/2012)

No que tange ao quantum indenizatório, várias são as discussões doutrinarias e jurisprudenciais sobre o tema, não havendo até o momento pacificação. Isso ocorre porque o Código Civil não contempla o caráter punitivo da condenação por danos extrapatrimoniais, e dificilmente algum advogado conseguiria demonstrar de onde se pode extrair tal caráter.

Consoante preleciona Maria Celina Bodin de Moraes:

A opção brasileira foi no sentido de não se adotar caráter punitivo na reparação do dano. Do Código de Defesa do Consumidor ele foi excluído pelo veto presidencial. O artigo que o contemplava dispunha o seguinte: “Art. 16. Se comprovada a alta periculosidade do produto ou serviço que provocou o dano, ou grave imprudência, negligência ou imperícia do fornecedor, será devida multa civil de até um milhão de vezes o Bônus do Tesouro Nacional, ou índice que venha a substituí-lo (...) a critério do juiz, de acordo com a gravidade e a proporção do dano, bem como a situação econômica do responsável.” Nas razões do veto, se disse: “O art. 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido pelo consumidor (...)”. (MORAES, Maria Celina de Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. 4ª tir., Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 217-218).

Assim sendo, a boa técnica não permite que este Juízo arbitre o valor da compensação devida tomando por escopo parâmetros de natureza sancionatória. É que não há amparo no ordenamento jurídico pátrio para adoção da medida, já que aqui não se verifica a figura dos Punitive Damages americanos.

Por conseguinte, impõe-se a aplicação das regras gerais do Código Civil, cujo parâmetro para fixação do quantum é a extensão do dano perpetrado (artigo 944 do Código Civil), de modo que, observadas as peculiaridades do caso, e atento ao fato de que o valor da compensação não pode ser fonte de enriquecimento ilícito da parte lesada, entendo como razoável para a compensação a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais).

Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo procedente a pretensão deduzida da inicial e, assim, extingo o processo, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar a parte ré a pagar à parte autora a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais), à título de indenização por danos morais, verba que deverá ser acrescida de juros de mora de 1% ao mês, desde o evento danoso (Súmula 54 do STJ) e corrigida monetariamente, de acordo com a tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, a partir desta decisão (Súmula 362 do STJ).

Condeno a requerida, ainda, ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo, a teor do art. 20, § 3º, do Código de Processo Civil, em 15% sobre o valor da condenação à que foi submetida.

P.R.I.

Belo Horizonte, MG, 03 de agosto de 2015

RENATO LUIZ FARACO

Juiz de Direito

Fonte: jornaljurid.com.br
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