Inclusão de disciplinas de cunho social e jurídico no currículo da educação base - Transformação

goo.gl/VmXSL6 | É indiscutível que o nosso país tem passado por uma profunda crise econômica, política e social, de origens remotas e, ao que tudo indica, sem previsões de melhora a curto prazo. Boa parte disso se deve ao fato de que ela é fruto dos pensamentos e culturas enraizados ao longo dos séculos que construíram o perfil da sociedade brasileira e nos fizeram chegar ao caos sociopolítico atual.

Muito se fala sobre a necessidade de desconstrução dessa mentalidade no que diz respeito à inversão de valores políticos, éticos, morais etc. A prática e tolerância à corrupção, por exemplo, tem sido foco constante de discussões, tanto acadêmicas quanto na sociedade em geral. É senso comum a necessidade de romper com esse “perfil” e desenvolver uma sociedade mais justa, idônea e politizada, onde os cidadãos tenham consciência do seu lugar e papel na sociedade.

Os públicos mais propícios/adequados a iniciar esse processo de transformação são, sem dúvidas, nossas crianças e adolescentes que, ainda em fase de formação, estão abertos à assimilação de novas perspectivas e valores que serão fundamentos do seu caráter e personalidade. Sem contar que, considerando tratar-se de uma mudança a longo prazo, nada mais adequado do que iniciar por eles que representam o futuro da nossa sociedade.

Neste sentido, como acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins, participei do desenvolvimento do Projeto Entrelinhas. Projeto este que foi executado na Escola Municipal de Tempo Integral Monsenhor Pedro Pereira Piagem, em Palmas-TO, com alunos na reta final do Ensino Fundamental (entre onze e treze anos de idade). Através de oficinas de leitura, interpretação e produção textual, buscamos trabalhar temas específicos que pudessem exercitar e externar a capacidade crítico-reflexiva destes alunos, como: a Ditadura Militar, a liberdade de expressão, o poder de manipulação da mídia, etc.

Em uma dessas oficinas, levamos para a sala de aula um texto a respeito dos direitos básicos da criança e do adolescente previstos no nosso ordenamento jurídico, como: saúde, educação, moradia, família, cultura etc. Durante a discussão do referido texto, impressionou o fato de que a grande maioria destes estudantes não tinha conhecimento acerca dos seus próprios direitos e demonstrava certo estranhamento ao tema, como quando foram citados os direitos ao esporte e ao lazer e a prioridade de tratamento de que gozam em determinadas situações.

Surge, deste cenário, a pretensão de inserir na educação básica brasileira o ensino de matérias de cunho jurídico e social como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/90) e a disciplina de Direito Constitucional, com o intuito de desenvolver desde cedo a noção moral e cívica dos nossos estudantes, a fim de que se tornem cidadãos conscientes do seu papel ativo perante a sociedade.

Cabe ressaltar que, a Lei 11.525/2007 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação já determinando a inclusão obrigatória, no currículo do Ensino Fundamental, de “conteúdos que tratem dos direitos das crianças e adolescentes”, tendo como diretriz o ECA (Lei 8.069/90). O intuito era fazer com que este adentrasse as escolas e estivesse presente na formação destes estudantes, mas, pela experiência que tivemos e pelos relatos que ouvimos de professores da rede municipal de educação, na prática, a lei não conseguiu alcançar seu objetivo.

Por outro lado, em 2015, o senador Romário de Souza Faria propôs no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 70/2015, visando uma nova alteração da LDB para incluir no currículo mínimo do ensino fundamental e do ensino médio as disciplinas: Direito Constitucional, Estatuto da Criança e do Adolescente e Educação Moral e Cívica. O projeto foi aprovado pelas respectivas comissões do Senado e encontra-se aguardando votação na Câmara dos Deputados.

Em consulta ao site do Senado Federal, é possível perceber que, apesar da relevância deste projeto de lei, a sociedade praticamente não participou da sua elaboração. Não por falta de oportunidade, mas por falta de iniciativa. A consulta pública aberta a todos no site (já encerrada), contou com apenas 23 (vinte e três) votos, todos favoráveis à aprovação do PL. Ou seja, 23 brasileiros participaram efetivamente da discussão. Trata-se de um número alarmante e lamentável que, mais uma vez, reflete a necessidade urgente de politização do povo brasileiro.

O estudo efetivo do Estatuto da Criança e do Adolescente nas escolas é fundamental não só para este público alvo, mas também para o corpo pedagógico da instituição, para as famílias destes estudantes e para a comunidade como um todo. O ECA prevê a legitimação dos direitos deveres das crianças e dos adolescentes, inclusive priorizando-os para assegurar o seu desenvolvimento perante a sociedade, dispondo que:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (BRASIL, 2005)

Por outro lado, o estudo da Constituição Federal permitiria aos estudantes conhecer o Estado brasileiro propriamente dito, como, por exemplo: a estrutura política e administrativa e sua forma de composição; a forma de Estado e de governo; quais são os fundamentos, princípios e objetivos do nosso país; os direitos e garantias fundamentais; os direitos e deveres individuais e coletivos previstos na nossa carta magna; etc. São disposições constitucionais básicas que refletem direta e indiretamente na vida de todos, mas que poucos têm conhecimento a respeito.

É ilógico pensar, por exemplo, que aos dezesseis anos, um jovem está apto a votar para eleger seus representantes de forma consciente. Se ele não tem noções básicas do nosso ordenamento jurídico ou, pelo menos do nosso texto constitucional, ele não sabe quais são as atribuições e prerrogativas de um governante, as proporções de sua representatividade, o seu efetivo papel na composição do Estado brasileiro, etc. O jovem não tem noção do valor da sua participação na democracia através do voto e, pior que isso, a maioria dos brasileiros nunca chega a adquirir essa consciência.

A inserção destas disciplinas no currículo mínimo da nossa educação básica representaria um grande passo em direção à construção de uma sociedade mais politizada, justa e igualitária, partindo da formação de crianças e adolescentes mais conscientes e preparados. A longo prazo, sem dúvidas, seria um forte instrumento da transformação pela qual tanto almejamos que o nosso país passe. “Formar o cidadão não é uma tarefa para um dia e, para contar com eles quando homens é preciso instruí-los ainda crianças” (ROUSSEAU apud FERREIRA, 2000. p. 134).

REFERÊNCIAS

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001

FERREIRA, Nilda T. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

ROMANOWSKI, Darlusa. ECA na escola: orientações frente à doutrina da proteção integral na prática de atos de indisciplina e atos infracionais. Vol.10, nº 21. São Paulo: Revista de Educação do Ideau, 2015.

Por Bárbara Angélica - Estudante de Direito
Fonte: Jus Brasil

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