Quem é autor e quem é partícipe no crime de lavagem de dinheiro? Por Ana Paula Kosak

goo.gl/A9dbJd | A prática da lavagem de dinheiro geralmente demanda a execução de vários atos por aquele que pretende ocultar a origem ilícita de um determinado bem, direito ou valor proveniente de um ilícito; em decorrência disso, acaba envolvendo terceiras pessoas no crime, como profissionais das áreas sensíveis à lavagem (gerentes de bancos, corretores, advogados, casas de câmbio, dentre outros).

Assim, há a necessidade de se delimitar a responsabilidade de cada pessoa que de alguma forma intervém no delito, de modo a identificar se responderá ou não pelo crime de lavagem de capitais, e se na qualidade de autor ou partícipe.

Primeiramente, alguns esclarecimentos são necessários.

A Teoria do Domínio do Fato foi mais bem estruturada pelo jurista Claus Roxin na década de 60, quando trouxe contornos mais acabados sobre autoria e participação no Direito Penal (GRECO e LEITE, 2014, p. 20).

No Código Penal brasileiro, muito embora não haja uma clara previsão diferenciando autores e partícipes, parte da doutrina entende que o CP brasileiro, muito embora parta de um princípio unitário, acaba tendo um perfil diferenciador, pois com a inserção dos §§ 1º e 2º no art. 28, torna-se obrigatória a aplicação de pena de forma diferenciada para aquele que teve uma participação de menor importância ou mesmo àquele que quis participar de crime menos grave (BUSATO e CAVAGNARI, 2017, p. 96).

Sendo assim, é possível ou mesmo necessário que se recorra à teoria do domínio do fato para diferenciar o autor do partícipe e poder aplicar a pena (BUSATO e CAVAGNARI, 2017, p. 96).

Partindo desse entendimento, a diferença entre autores e partícipes no crime de lavagem de dinheiro será feita nos moldes da teoria do domínio do fato.

Sendo assim, segundo a teoria, autor de um fato seria a figura central do acontecer típico (ROXIN, 2000, p. 44-45), ao passo que o partícipe seria uma figura lateral, com uma contribuição secundária para o delito.

A autoria poderá ser direta (o agente realiza pelas próprias mãos o fato); mediata (o agente utiliza outra pessoa como instrumento para a realização do fato, induzindo em erro, coação ou por meio de um aparato de poder organizado) ou ainda poderá ocorrer a coautoria (ocorre a divisão de tarefas entre os agentes).

A participação poderá ser por instigação (o partícipe faz nascer no outro a ideia da prática do crime), ou por cumplicidade (o partícipe contribui materialmente com a prática do crime).

Na lavagem de dinheiro, podemos identificar como autor direto aquela figura central da lavagem: o agente que possui o controle e executa o esquema de escamoteamento de bens ou valores ilícitos, com o objetivo de inseri-los na economia formal com aparência de lícito.

Também será autor aquele que controla os processos de investimento, movimentações, ou gerencia instituição financeira (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 120) de modo a efetivamente executar atos de branqueamento, com a intenção e conhecimento do que faz.

Se o controlador atua com outras pessoas, em acordo de vontades, cada uma contribuindo de forma direta com o mascaramento do valor ilícito, haverá coautoria.

Autor também será aquele que, com a intenção de lavar dinheiro, engana um terceiro para que, por exemplo, ceda sua conta bancária a fim de que possa depositar parte de seu dinheiro, sob uma justificativa lícita. Em tais casos, a autoria será mediata daquele que engana, pois o autor induzirá em erro o terceiro, que acaba ajudando na lavagem, mas sem saber o que faz. O terceiro, nessa hipótese, poderá ser absolvido, pois estaria em erro de tipo (art. 20 do CP).

Ainda, será autor mediato aquele agente que coage ou ameaça uma terceira pessoa (coação moral irresistível) a praticar alguma conduta que auxilie na lavagem.

Haverá, ainda, autoria mediata, quando o agente tem disponível um aparato de poder organizado, como por exemplo, uma organização criminosa, e que se utilize de terceiros executores para a prática da lavagem:
"É o caso do grupo de traficantes que organiza um sistema de ocultação de valores oriundos da comercialização de entorpecentes através de dezenas de comparsas. (…) Ainda que falte ao dirigente o completo domínio dos fatos – pois não acompanha o curso causal de cada ato de lavagem – e o agente executor direto seja punível, haverá autoria mediata, dado seu domínio sobre o aparato que movimenta os inúmeros processos delitivos, e a fungibilidade dos executores do mascaramento (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 121)
Já a participação na lavagem, em decorrência de instigação, poderá ocorrer, por exemplo, por aquele profissional (gerente de banco, advogado, operador de casa de câmbio) que recomende a execução de atos de lavagem ao cliente. Aqui vale a ressalva que, para responder como partícipe, a execução da lavagem deve ao menos ter sido iniciada pelo agente, conforme art. 31 do CP (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 123-124).

A participação em decorrência de contribuição material ou cumplicidade é um pouco mais complexa. Isso porque, há a necessidade de delimitar até que ponto a contribuição teria alguma relevância para o direito penal, já que é lateral ao fato praticado, mas auxilia de alguma forma na consumação do delito.

A criação de um risco não permitido pelo direito seria o ponto orientador, a fim de identificar a relevância da conduta para o direito penal (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 124).

Pode-se partir de exemplos.

O gerente de instituição financeira que toma conhecimento que alguém fará um depósito em conta bancária oriundo de tráfico de drogas e posteriormente remeterá para um paraíso fiscal, e mesmo assim realiza a operação, poderá responder como partícipe, uma vez que sabia da proveniência ilícita do valor e que poderia estar contribuindo para um ato de lavagem (BADARÓ e BOTTINI, 2013, p. 131).

Apenas o fato existir uma instituição financeira não consiste em criação de risco não permitido, pois muito embora operar um banco aumente a possibilidade de ocorrer a lavagem de dinheiro, a atividade bancária é indispensável para o regular desenvolvimento da sociedade.

A responsabilização estaria justificada, pois na posição de gerente de uma instituição financeira, o resultado (lavagem) era previsível, já que tinha o conhecimento da origem ilícita do valor, sendo exigível, na hipótese, cautela e a abstenção de praticar a operação.

Outro exemplo é o operador de casa de câmbio que desrespeite regras técnicas exigidas pela sua atividade e com tal conduta venha a facilitar a ocorrência de lavagem de dinheiro por um cliente. Trata-se da criação de um risco não permitido.

Muito embora vários pontos devam ser observados a fim de identificar a figura do partícipe – não sendo possível abordar aqui todas as minúcias requeridas -, Badaró e Bottini (2013, p. 133-134) sintetizam o que deve ser verificado, a fim de constatar a participação (contribuição material) no delito de lavagem de capitais:
"Em suma, a participação na lavagem de dinheiro, na modalidade de colaboração material, somente tem relevância penal se (1) o agente criar um risco, (2) esse risco não for permitido – (2.1) porque desrespeita normas, atos normativos e regras técnicas profissionais de cuidado ou (2.2) porque viola o dever normal de cautela derivado da experiência geral da vida, que consiste no dever de cuidado ou abstenção nos casos em que (2.2.1) seja previsível o resultado (sob uma perspectiva ex ante levando em consideração os conhecimentos especiais do agente), e que (2.2.2) seja exigível o cuidado (baixo custo social da cautela e idoneidade da mesma para proteger bens jurídicos) – (3) esse risco não permitido contribuir causalmente  para o resultado e (4) o resultado estiver dentro do âmbito de abrangência da norma de cuidado. 
Sendo assim, identificar quem são os autores e partícipes na lavagem de dinheiro é tarefa necessária, de modo que a pena seja aplicada de modo diverso entre essas figuras, já que previsto no CP brasileiro. Ademais, a distinção é importante, servindo principalmente de orientação aos profissionais que atuam nas áreas mais propícias à lavagem, a fim de evitar o envolvimento não intencional no referido delito.

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REFERÊNCIAS

BUSATO, Paulo César. CAVAGNARI, Rodrigo. A teoria do domínio do fato e o código penal brasileiro. Delictae, vol. 2, n. 2, Jan.-Jun. 2017, p. 83-132.

GRECO, Luís. LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato. Sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal. In: GRECO, Luís. LEITE, Alaor. TEIXEIRA, Adriano. ASSIS, Augusto. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. 1. ed. – São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 19-45.

ROXIN, Claus. Autoría y domínio del hecho en derecho penal. 7. ed. trad. Joaquín Cuello Contreras / José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 44-45.

Ana Paula Kosak
Especialista em Direito Penal e Criminologia. Pesquisadora. Advogada.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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