Exigir que prisão aguarde trânsito em julgado compromete eficácia da lei penal

goo.gl/wkk5KQ | 1. O estado da questão

A prisão decorrente de sentença condenatória criminal tornou-se questão controvertida no Direito brasileiro. Nem sempre foi assim.

Na sua redação original, o artigo 594 do Código de Processo Penal dizia que o réu não poderia apelar sem recolher-se à prisão.

A regra foi mitigada pela Lei 5.941, de 22/11/1973, a chamada “Lei Fleury”, que introduziu uma ressalva: o réu não poderia apelar sem recolher-se à prisão, salvo se fosse primário e de bons antecedentes.

A prisão foi então deslocada para o momento da condenação em segundo grau, visto que os recursos especial para o STJ e extraordinário para o STF não possuem efeito suspensivo, possibilitando a execução provisória da sentença, nos termos do artigo 637 do CPP e do artigo 995 do CPC.

Com a superveniência da Constituição de 1988, passou-se a sustentar que a prisão não seria possível antes do trânsito em julgado, em face da presunção de inocência.

Foi então revogado o artigo 594 do Código de Processo Penal, pela Lei 11.719, de 20/6/2008.

Por sua vez, a Lei 12.403, de 4/5/2011, modificou o artigo 283, caput do Código de Processo Penal para dizer que ninguém pode ser preso senão em virtude de prisão cautelar (em flagrante delito, provisória ou preventiva) ou em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado.

Nessa linha de raciocínio, o STF já passara a entender que o simples advento da sentença condenatória recorrível não era fato impositivo da prisão (STF – Pleno, HC 84.078, rel. Eros Grau, j. 5/2/2009, DJU 25/2/2010).

Todavia em 5/10/2016, no julgamento de medida cautelar nas ADCs 43 e 44, por maioria de votos, o STF reviu aquele entendimento para admitir a execução da pena após condenação em segundo grau de jurisdição (relator designado Luiz Edson Fachin). O mérito das ações está pautado para a sessão plenária de 10 de abril. Enquanto isso, grassa a controvérsia sobre a polêmica questão.

2. Natureza jurídica da presunção de inocência

Reza o artigo 5º, LVII, da CF de 1988 que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

O dispositivo está contido entre os direitos fundamentais da pessoa humana. Todavia, tais direitos não são absolutos, mas relativos, cabendo ao intérprete decidir sobre a sua abrangência em face de outros direitos. Na espécie, a presunção de inocência deve ser compatibilizada com o direito de a sociedade punir o criminoso, afastando-o do convívio social, de modo a garantir a ordem pública e a eficácia da lei penal.

O primeiro abalo que sofre a presunção de inocência é com o recebimento da denúncia ou da queixa, que deverá ter supedâneo em elementos informativos que caracterizem a justa causa para a instauração da ação penal: prova da materialidade da infração penal e indícios suficientes da sua autoria. Tanto que, à míngua de tais elementos, a instauração da ação penal constitui constrangimento ilegal, passível de concessão da Habeas Corpus.

O segundo abalo da presunção de inocência dá-se com a prolação da sentença condenatória, observado o devido processo legal, com o contraditório e a ampla defesa.

A sentença deve se estribar em prova colhida no âmbito do contraditório para formar a convicção sobre a materialidade do crime e a sua autoria.

O terceiro abalo da presunção de inocência ocorre com a condenação em segundo grau de jurisdição, esgotando-se o exame da matéria de fato.

3. O exaurimento das vias recursais

Proferida a condenação em segundo grau, já não cabe reexame das provas para se decidir sobre a materialidade e autoria da infração penal. Assim, não se admite o reexame da prova em sede de recurso especial ou extraordinário (súmulas 279 do STF e 7 do STJ).

O âmbito de tais recursos é restrito à matéria de direito, nas hipóteses dos artigos 102, III, e 105, III, da Constituição Federal.

Por conseguinte, a interposição de recurso sem efeito suspensivo contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão (Súmula 267 do STJ).

No juízo de admissibilidade, é ínfimo o número de recursos especiais e extraordinários com seguimento deferido, no âmbito do processo penal.

Quem interpõe tais recursos contra decisão criminal condenatória de segundo grau, em geral, não espera sua reforma. O intuito é de mera protelação, tendo em vista eventual consumação da prescrição pelo mero decurso do tempo.

Em conclusão, o entendimento de que a prisão deve aguardar o trânsito em julgado compromete a eficácia da lei penal, em prejuízo da ordem pública, dando ensejo ao descrédito na Justiça.

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Paulo Eduardo Razuk é desembargador aposentado do TJ-SP e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: Conjur

1/Comentários

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  1. Para os defensores da posição do STF vai algumas perguntas: qual o fundamento da limitação de norma se eficácia plena e aplicabilidade imediata? Como tal limitação não prejudica a própria teoria da eficácia das normas constitucionais? Se direitos fundamentais não são absolutos, como lê-los de maneira restritiva em face de direitos que sequer estão no rol de fundamentais? Essa hermenêutica não é contrária à orientação do Canotilho na qual devem ser lidos de maneira extensiva para a máxima eficácia e eficiência? Ocorre mutação de direito fundamental (como alega o ministro Barroso)? Qual o sentido de se admitir mutação constitucional para normas de direitos fundamentais quando nem por EC aprovada por maioria absoluta seria possível por constituir cláusula pétrea?

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