Tese defensiva: nulidades no processo penal – Por Letícia Fernandes Domingos

bit.ly/2L4fzaB | O tema está concentrado entre os artigos 563 e 573 do Código de Processo Penal (CPP). Contudo, as nulidades estão presentes por todo o código, bem como na Constituição Federal de 1988, sendo esse um instrumento valioso a ser utilizado pela defesa.

No que concerne ao objeto nulidade, geralmente poderá ser alegado em detrimento dos Princípios do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório ou ainda do Juiz Natural, todos presentes no artigo 5º de nossa Carta Magna.

O legislador brasileiro adotou o sistema da tipicidade processual, isto é, para cada ato a ser praticado no processo, há um tipo processual específico, há um caminho a ser seguido, uma forma padronizada de executar esse ato, que deverá ser empregado pelo juiz, pelo representante do Ministério Público, acusação e defesa.

Quando esse tipo processual é desrespeitado, violado, tem-se presente a ocorrência da atipicidade processual.

Como exemplo, podemos citar o caso de o magistrado não poder mais formular perguntas e fazê-las a sua livre vontade no momento da inquirição das testemunhas. Outrora era possível, posto que regia o sistema presidencialista, mas hoje não é mais cabível e o juiz somente poderá formular questionamentos complementares, ao final da instrução, adotando-se atualmente o sistema americano denominado “cross examinator”, de acordo com o artigo 212, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Ocorre que o dispositivo legal supracitado traz um tipo processual, todavia, é demasiadamente cassado no dia a dia, visto que os magistrados questionam as testemunhas conforme almejam. A essa violação dá-se o nome de atipicidade processual.

Atipicidade processual é gênero, sendo caracterizada pelo quebrantamento da norma processual prevista na lei e, para cada tipo de violação, a depender da gravidade do ato e da consequência acarretada, haverá uma espécie específica, sendo elas a irregularidade, a nulidade relativa, nulidade absoluta e a inexistência do ato praticado.

A irregularidade diz respeito à atipicidade leve. Não há qualquer sanção processual e o processo segue seu curso normalmente. Como espécime tem-se o oferecimento das razões recursais fora do prazo.

Concernente à inexistência, tem-se a atipicidade intensa, que compromete a própria formação do ato processual e ele é tido como se nunca tivesse existido no plano real fático. Para melhor entendermos, cito como molde a sentença assinada por pessoa que não seja juiz ou as alegações finais por memoriais oferecidas que são assinadas pelo estagiário do Ministério Público.

Quanto às nulidades, temos a absoluta e a relativa. A nulidade absoluta dar-se-á quando a norma violada atinge interesse público, em que o prejuízo é presumido, pode ser conhecido de ofício pelo juiz e não admite convalidação.

Já a nulidade relativa se dá quando a norma violada atinge interesse privado, em que o prejuízo deve ser comprovado pela parte, a sua declaração depende de provocação da parte interessada e o mesmo admite convalidação.

A nulidade do ato processual, para ser declarada pelo juiz, precisa ter causado prejuízo, seja para a coletividade, para o Estado ou para o particular. Sem prejuízo, ainda que o tipo processual seja violado, não ensejará nulidade, uma vez que o dano é premissa elementar da atipicidade processual que acarreta nulidade, de acordo com o artigo 563 do Código de Processo Penal.

São princípios das nulidades:

  1. Princípio do prejuízo ou da instrumentalidade das formas (artigos 563 e 566 do CPP): tem que ter prejuízo para a parte para que a nulidade seja reconhecida.
  2. Princípio do interesse (artigo 565, CPP): a parte que alegar a nulidade não poderá ter concorrido para a sua causa, ter causado, isto é, dado causa à nulidade, ou o desrespeito à formalidade só seja de interesse à parte contrária, pois neste último caso faltar-lhe-á interesse. Alguns doutrinadores afirmam que esse princípio só se aplica às nulidades relativas, visto que as absolutas podem ser declaradas de ofício pelo magistrado.
  3. Princípio da causalidade (artigo 573, §1º do CPP): a nulidade de um ato acarretará também a nulidade de todos os atos que dele derivem diretamente, isto é, que derivem diretamente do ato nulo ou dele sejam consequências.
  4. Princípio da convalidação (artigo 572 do CPP): alguns atos nulos poderão ser convalidados, desde que haja previsão para tal nos incisos/parágrafos do referido artigo. Por exemplo, a incompetência do juízo anula tão somente os atos decisórios, os atos processuais de mero expediente e instrutórios não serão anulados, de acordo com o artigo 567 do CPP.

A nulidade poderá ser arguida em sede de preliminares, na resposta à acusação, nas alegações finais por memoriais, na apelação, em outros recursos, ou através de mera petição.

Acarretam a nulidade do ato processual executado:

Incompetência (artigo 564, I do CPP): seja ela a relativa (territorial) ou a absoluta (material e/ou funcional).

A incompetência absoluta poderá ser arguida a qualquer momento, inclusive de ofício pelo juiz. A relativa possui procedimento previsto no CPP para ser arguido, no artigo 95 e seguintes do Código de Processo Penal, que é através de uma Exceção de Incompetência, meio de defesa indireto, em que se discute questões formais.

Suspeição e Impedimento: o órgão julgador precisa e deve ser imparcial, é uma obrigatoriedade do juiz ser sempre imparcial nas demandas que estão sob seu julgamento.

A suspeição, prevista no artigo 254 do CPP, traz hipóteses de violações à imparcialidade do juiz de ordem subjetiva e ela se combate através da Exceção de Suspeição (artigo 95, I do CPP). Já o impedimento é mais grave. As hipóteses que ensejam o impedimento do magistrado são, ao contrário da suspeição, de ordem objetiva. O artigo 252 do CPP traz hipóteses objetivas de impedimento, combatível através da Exceção de Incompetência (artigo 112 do CPP).

O impedimento, por ser mais gravoso que a suspeição e por ser de ordem objetiva, é considerado pela doutrina e pela jurisprudência como hipótese de inexistência e não de nulidade.

Legitimidade da parte (artigo 564, II do CPP): poderá ser ativa ou passiva. Legitimidade das partes é uma condição da ação (artigo 395, II do CPP).

Como essa hipótese não está inclusa no rol do artigo 572 do CPP, a nulidade será absoluta, salvo quando a ilegitimidade for do representante, ocasião em aplicar-se-á o disposto no artigo 568 do CPP.

A nulidade por ilegitimidade poder-se-á caracterizar quanto ao representante da parte, mas não em relação à parte em si, como a ausência de procuração nos autos (artigo 568, CPP).

Outras hipóteses previstas no artigo 564, III do CPP:

  1. Ausência de denúncia/queixa/representação nos crimes ou ausência de portaria/APFD nas contravenções penais,
  2. Falta de exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios,
  3. Quando o réu não possuir procurador constituído e, presente na audiência, o juiz não lhe nomear defensor ou ainda quando o juiz não nomear defensor ao réu ausente.

A Súmula 523 do STF afirma que a ausência de defensor nos autos é causa de nulidade absoluta, no entanto, a defesa técnica deficiente é causa de nulidade relativa, porque a referida súmula exige prova do prejuízo.

Já as Súmulas 707 e 708, ambas do STF, tratam da nulidade em relação ao cerceamento ao direito de escolha do acusado em definir quem será o seu defensor. Nesse mesmo sentido dispõe o artigo 8º, 2, ‘d’ e ‘e’ da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

Em relação ao procurador constituído e ao direito de defesa do acusado tem-se ainda os dispositivos das Súmulas 155, 431 e 712, ambas do STF, Súmula 273 do STJ e o artigo 222 do CPP.

  1. Ausência de intervenção do órgão do Ministério Público quando necessários aos atos do processo,
  2. Ausência de citação, interrogatório e prazo legal: Em relação à nulidade da citação podem-se citar os artigos 570 do CPP, bem como os artigos 351 e seguintes, também do CPP.

A citação, via de regra, deve ser feita pessoalmente, mas quando não for possível, será feita por edital, conforme preceitua o artigo 361 e o artigo 363, §1º, ambos do CPP, todavia, a citação por edital somente será cabível se todos os meios e tentativas de citação pessoal forem esgotados. Nesse sentido, a jurisprudência tem aceitado alegação de nulidade da citação por edital quando não esgotadas as tentativas de citação pessoal.

Já em relação ao réu preso, quando o encarcerado for citado por edital por processo em que o juiz competente possui jurisdição na mesma unidade da federação em que o acusado estiver preso, nula será a citação por edital, pois nesse caso o réu deverá ser citado pessoalmente, de acordo com o artigo 360 do CPP e Súmula 351 do STF.

  1. Ausência de sentença de pronúncia,
  2. Ausência de intimação do acusado para comparecimento em sessão de julgamento do júri,
  3. Ausência de pelo menos 15 jurados na sessão do júri,
  4. Ausência de sorteio dos jurados do conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade,
  5. Inexistência dos quesitos e suas respostas, entre outras hipóteses.

Em suma, o conteúdo é um tanto vasto e riquíssimo, porque o advogado que dominar o assunto terá grandes teses defensivas em suas mãos.

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Letícia Fernandes Domingos
Advogada. Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Membro da Associação dos Jovens Advogados de Minas Gerais.
Fonte: Canal Ciências Criminais

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