A Perda (ou não) do Mandato Eletivo em virtude de Expulsão

A partir da inclusão do artigo 22-A na Lei 9.096/95, promovida pela edição da Lei 13.165/2015, passou-se a estabelecer que as hipóteses de justa causa para desfiliação partidária sem a decretação da perda do mandato eletivo seriam somente àquelas contidas no parágrafo único do artigo anteriormente citado, o que provocou a alteração substancial do entendimento até então pacificado no Tribunal Superior Eleitoral, o qual asseverava que somente as desfiliações voluntárias praticadas pelo detentor do mandato eletivo ensejariam a decretação da perda do mandato.

Palavras-chaves: TSE. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução 22.610/2007. Artigo 22-A. Lei 9.096/95. Desfiliação Partidária. Rol Taxativo. Justa Causa. Expulsão. Possibilidade. Perda do Mandato Eletivo. Contraditório. Ampla Defesa.

Abstract

From the inclusion of article 22-A in Law 9.096/95, promoted by the enactment of Law 13.165/2015, it was established that the hypotheses of just cause for party disaffiliation without the decree of loss of elective mandate would only be those contained in the single paragraph of the aforementioned article, which caused a substantial change in the understanding hitherto pacified in the Superior Electoral Court, which asserted that only voluntary disaffiliations practiced by the holder of the elective mandate would lead to the decree of loss of mandate. 

Keywords: TSE. Superior Electoral Court. Resolution 22,610/2007. Article 22-A. Law 9096/95. Party Disaffiliation. Tax Role. Just Cause. Expulsion. Possibility. Loss of Elective Mandate. Contradictory. Broad Defense.

Introdução

Muito se discute atualmente sobre a taxatividade, ou não, do artigo 22-A da Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995. Cumpre incialmente ressaltar e contextualizar historicamente a inserção deste dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro por meio da mini reforma política ocorrida em 2015 para que se possa, a posteriori, compreender se as hipóteses contempladas na norma podem ser consideradas numerus clausus ou se estar-se-ia diante de um rol meramente exemplificativo.

A razão desta análise se torna imprescindível para que o intérprete consiga realizar uma melhor leitura de tal dispositivo e possa compreender exatamente o que pretendeu o legislador constituinte derivado com a sua inserção no ordenamento jurídico eleitoral brasileiro.

Contextualização Histórica

Partindo de uma rápida reflexão histórica, no que tange o tema FIDELIDADE PARTIDÁRIA, remonta-se aos anos de 2007, quando o então Partido da Frente Liberal – PFL promoveu Consulta junto ao Tribunal Superior Eleitoral, para que este dirimisse algumas lacunas legislativas e interpretasse a quem de fato pertenciam os mandatos Eletivos.

Inconformado com a debandada de políticos eleitos que buscavam a sua desfiliação partidária para ingresso em outra agremiação, o PFL – Partido da Frente Liberal provocou a Corte Superior Eleitoral no sentido de que fosse esclarecida a legalidade ou não destas saídas, pois estaria a provocar prejuízo até então não mensurados, mas que impactava na vida do Partido Político.

Em sessão administrativa ocorrida em 27 de março de 2007, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que os mandatos parlamentares obtidos nas eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores) pertencem aos partidos políticos ou às coligações, e não aos candidatos eleitos.

O entendimento do Tribunal, que, por seis votos contra um, acompanhou o voto do Relator, Min. César Asfor Rocha, foi de que “os partidos políticos e coligações conservam o direito à vaga obtida pelo sistema proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda”.

Inicialmente, cumpre registrar a possibilidade de esclarecimentos por parte do Tribunal Eleitoral quando provocado, desde que não se reporte a casos concretos. Isto se dá pelo teor do quanto disposto no artigo 23, inciso XII, do Código Eleitoral que estabelece:

Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,

(...) omissis

XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão nacional de partido político;

Cumpre esclarecer também que a Consulta Eleitoral formulada pelo antigo PFL – Partido da Frente Liberal cingia-se às eleições proporcionais, ou seja, a candidatos que almejavam a obtenção de uma cadeira junto ao Poder Legislativo, independente da esfera da federação.

A referida agremiação fundava seu pleito no teor do artigo 108 do Código Eleitoral que à época estabelecia a observância da ordem nominal entre os leitos, aos candidatos registrados por um partido político ou coligação de acordo com o que estabelecer o quociente partidário.

Este dispositivo inclusive sofrera recente alteração por meio da Lei 14.211/2021 que passou a estabelecer a chamada cláusula de barreira ao prever que somente estarão eleitos os candidatos que obtiverem votação em número igual ou superior a 10% do quociente eleitoral.

O Ministro Marco Aurélio, hoje aposentado, à época já se manifestava favorável a resposta a tal indagação, pois o mesmo se mostrava perplexo com o grande número de parlamentares que mudavam de agremiação partidária sem motivo algum justificado.

Ainda afirmava, após ser citado por Priscyla Costa em seu artigo “Ao responder consulta, TSE pode instituir fidelidade”, publicado no site Consultor Jurídico em 01.03.2007:

A pergunta chegou ao TSE três dias depois de o ministro Marco Aurélio, presidente do tribunal, dizer que seria “interessante” responder tal indagação. Para o ministro, resposta pode significar a regulamentação na prática da fidelidade partidária.

Marco Aurélio, em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, disse que estava “perplexo” com o número de parlamentares que mudam de partido logo depois das eleições. Para Marco Aurélio, se provocado, o tribunal certamente proibiria as trocas. E poderia até determinar que os que mudaram de legenda voltassem à original.

Por meio do voto do Relator Ministro Cezar Asfor Rocha da Consulta Eleitoral 1.398, ajuizada junto ao TSE à época, pelo PFL (antigo Democratas e hoje União Brasil, após fusão com o PSL – Partido Social Liberal), a Corte firmou o entendimento de que o mandato pertence aos partidos políticos ou à respectiva coligação e não ao parlamentar eleito.

No voto, o Ministro Cezar Peluso observou que o sistema representativo proporcional pressupõe a "primazia radical dos partidos políticos sobre a pessoa dos candidatos". Aduzia que:

“dessa caracterização de proporcionalidade brota, como princípio, a pertinência das vagas obtidas segundo a lógica do sistema, mediante uso de quocientes eleitoral e partidário, ao partido ou coligação, e não, à pessoa que sob sua bandeira tenha concorrido e sido eleita".

Nesta mesma passagem, o Ministro Cezar Peluso traduz a importância das agremiações partidárias, afirmando:

Como não poderia deixar de ser, a doutrina nacional também proclama, sobretudo à luz do ordenamento jurídico, que de há muito sepultou o modelo das candidaturas avulsas, a essencialidade dos partidos políticos na estruturação e funcionamento da democracia representativa: “No Brasil, os cargos políticos nos Poderes Legislativo e Executivo são preenchido mediante eleições, e só se admite candidato mediante a inscrição partidária (v. art. 14, § 3º, V, da CF). Portanto, sem o concurso dos partidos não há como organizar e desempenhar as funções estatais. Na democracia moderna não há poder político, nem Estado, se não há partido político”. “Como é padrão onde se adota a representação proporcional, a apresentação de candidaturas no Brasil é exclusividade de partidos políticos, não havendo nenhuma possibilidade de candidatura independente (CE, art. 87)”.

Partindo das palavras acima suscitadas verifica-se que foi a partir da Consulta acima descrita que se fixou o entendimento de que a desfiliação imotivada promovida pelo detentor do cargo eletivo acarretaria na perda do respectivo mandato.

Edição da Resolução 22.610 de 25.10.2007 pelo Tribunal Superior Eleitoral

A partir da resposta à Consulta Eleitoral 1.398, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu normatização para reger esta matéria, editando, ainda em 2007, a Resolução 22.610, que datava de 25 de outubro de 2007.

Em divergência ao posicionamento até então dominante no Supremo Tribunal Federal, cuja jurisprudência entendia que o mandato era de titularidade do candidato eleito, o Tribunal Superior Eleitoral respondeu que o mandato pertencia, em verdade, ao partido político, que teria o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema proporcional. 

Após a resposta do TSE à consulta, o STF foi chamado a se manifestar sobre a controvérsia, terminando por rever sua posição. Em atenção à nova orientação jurisprudencial do Supremo, o Tribunal Superior Eleitoral editou-se a referida Resolução 22.610.

Na referida norma ainda se encontrava a seguinte redação:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º Considera-se justa causa:

I – incorporação ou fusão do partido;

II – criação de novo partido;

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV – grave discriminação pessoal.

Já em 2007, o Tribunal Superior Eleitoral, valendo-se de uma função atípica, estabeleceu diretrizes e normas complementares para estabelecer aquilo que havia sido consagrado através da Consulta 1.398, qual seja a decretação da perda do cargo eletivo promovido por aquele filiado, detentor de mandato eletivo, que acabasse por promover a sua desfiliação da agremiação na qual se elegeu SEM que tenha uma JUSTA CAUSA para embasar tal atitude.

Vale dizer que a possibilidade de edição de atos normativos regulamentares por parte do Tribunal Superior Eleitoral encontra guarida no próprio Código Eleitoral, especificamente em seu artigo 23, inciso IX, que dispõe:

Art. 23 - Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior,

(omissis)

IX - expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código;

Nesta mesma esteira, a própria Corte Especializada tratou de estabelecer quais seriam tais hipóteses, estando elas expressas no §1º do referido artigo.

A normatização inserida ainda lá no ano de 2007 estabelecia como requisito para perda do cargo eletivo, a desfiliação sem justa causa e não a ideia, frise-se equivocada, a que se passou a fixar em sede das Cortes Eleitorais, de que essa perda somente se daria com o ato voluntário iniciado pelo filiado detentor do mandato.

No entanto, mesmo com a edição da norma regulamentar, o Tribunal Superior Eleitoral passou a entender que o pressuposto basilar para a perda do mandato em tais hipóteses se originaria com o desligamento voluntário do detentor do mandato, consubstanciando, assim, hipótese de infidelidade partidária, que autorizaria o ingresso em via judicial pelo Partido Político no sentido de reaver o mandato obtido nas urnas.

Tal entendimento passou a ser sedimentado e pacificado pelo Tribunal Superior Eleitoral, cujo entendimento vigora até a presente data. Em síntese, tal é o posicionamento da Corte Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO. ELEIÇÕES 2014. AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DEPUTADO FEDERAL. EXPULSÃO. ATO VOLUNTÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AÇÃO INCABÍVEL. FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS DE SÚMULAS NOS 26 DO TSE E 182 DO STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO. [...] 3. A infidelidade partidária pressupõe o desligamento voluntário, e sem justa causa, do filiado eleito pela legenda, de modo que não se afigura cabível a propositura de ação de decretação de perda de mandato eletivo por ato de infidelidade partidária quando a desfiliação provém de expulsão do parlamentar, como na hipótese em apreço, nos termos da jurisprudência consolidada por este Tribunal Superior. (AgR-PET 311-26/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 6/4/2017) (sem destaque no original)

Há que se dizer ainda que na própria Resolução do TSE 22.610/2007, o legislador atípico tratou de especificar quais seriam as hipóteses justificadas para as desfiliações partidárias, situações em que o detentor manteria o direito ao seu respectivo mandato.

Edição da Lei 13.165 de 29 de setembro de 2015 – Mini Reforma Política

Como dito acima, a hipótese de perda de mandato eletivo em função de desfiliação partidária sem justa causa se originou a partir de resposta a uma Consulta Eleitoral e posteriormente passou a ser inserida no ordenamento jurídico por meio de Resolução do Tribunal Superior Eleitoral.

Por tais condições, diante do nível de insegurança jurídica e questionamentos quanto a legalidade de sua previsão, oriundo do poder acessório do Tribunal Eleitoral, ou seja, de função atípica deste Poder, entenderam os parlamentares federais da época que a previsão de perda do mandato eletivo devia ser inserida no ordenamento jurídico por meio de legislação própria, específica e oriunda do Poder cuja função precípua é legislar.

É aí que surge o artigo 22-A da Lei 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos, inserido por meio da Lei 13.165/2015, passando a conter a previsão legal para a perda de mandato eletivo. Contudo, diferente do quanto previsto na Resolução do TSE, as hipóteses de justa causa são alteradas, passando a prever:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) (grifo nosso)

Analisando o dispositivo acima, embora simples alterações em sua redação, em verdade se tem a implicação de mudanças substanciais de entendimentos que não foram acompanhados pelo Tribunal Superior Eleitoral, tampouco os Regionais, que preferem seguir o entendimento “pacificado”, embora ultrapassado, da instância superior do que enfrentar e superar a jurisprudência consolidada até então, cujas premissas já não se encontram mais presentes no ordenamento jurídico vigente.

Enquanto na Resolução 22.610/2007 do TSE se evidenciavam 04 (quatro) hipóteses de justa causa para desfiliação, a Lei 13.165/2015, que insere o artigo 22-A na Lei 9.096/95, reduz este número para apenas 03 (três) hipóteses de incidência.

A incorporação ou fusão do Partido, bem como a própria criação de uma nova agremiação não mais são causas justificadoras para a desfiliação partidária por parte do detentor do mandato eletivo.

No entanto, são mantidas as hipóteses de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e a grave discriminação pessoal que poderão autorizar a respectiva desfiliação sem que seja autorizado ao partido político a busca pela decretação da perda do mandato eletivo.

É importante destacar que é criada uma nova hipótese de justa causa, que se passou a ser denominada de janela partidária, ou seja, é autorizado ao detentor do mandato, a mudança de agremiação no período compreendido de trinta dias que antecede ao prazo de filiação exigido em lei para concorrer a cargo eletivo. No entanto, estabelece que esta “janela” deverá ocorrer somente no último ano do mandato vigente, sob pena de não se enquadrar na hipótese legal e ver decretada a perda de seu mandato pela Justiça Eleitoral.

Mas o que chama mais atenção se pode evidenciar na redação do parágrafo único do artigo 22-A da Lei 9.096/95 que é a utilização da expressão SOMENTE. Surge então exatamente a dúvida, o rol contido no parágrafo único do referido artigo pode ser considerado TAXATIVO ou será ele meramente EXEMPLIFICATIVO como se dispunha no artigo 1º da Resolução 22.610/2007 do TSE?

Rol Taxativo ou Rol Exemplificativo – Taxatividade das Hipóteses de Justa Causa

O Rol Taxativo e Rol Exemplificativo são uma relação de temas jurídicos. Enquanto o primeiro, expressa uma lista definitiva (limitada), conhecida e definida pelo legislador, o segundo trata apenas de uma amostra, podendo se estender de acordo com futuras interpretações.

O conceito de Rol Taxativo é a relação de temas que possuem caráter final, pontual, que já está completo. Pode também ser denominado pelo uso do termo Numerus Clausus, que deriva do latim e, em uma tradução literal, significa números fechados. 

O rol taxativo é expresso na norma, ou seja, estão limitados ao texto da lei, não cabendo ao legislador interpretar a existência de outro hipótese nessa lista.

O conceito de Rol Exemplificativo, como o próprio evidencia, é uma amostra de temas que não estão limitados ao número do qual fazem parte. Uma das características principais do rol exemplificativo se dá na abertura da norma para que novas e futuras interpretações, legislativas ou até mesmo judicias, possam inserir novas hipóteses de incidência para a previsão contida. Em regra, os róis exemplificativos trazem expressões como: “dentre outros”; “demais hipóteses previstas em lei”; “a lei poderá” etc. 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, o §1º do artigo 1º da Resolução do TSE 22.610/2007 continha um rol meramente exemplificativo, como se infere abaixo:

AÇÕES DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. ROL EXEMPLIFICATIVO DO ART. 1º, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE 22.610/2007. ALTERAÇÕES NO CENÁRIO POLÍTICO DO DISTRITO FEDERAL. DESFILIAÇÃO COM JUSTA CAUSA DECLARADA. 1.   As hipóteses de justa causa trazidas na Resolução TSE nº 22.610/2007 são exemplificativas, não exaustivas. 2.   A desfiliação deve ser analisada caso a caso, esquadrinhando-se a postura do partido, do titular do mandato eletivo e, ainda, o cenário político vigente. 3.   Se o partido pelo qual a requerida foi eleita se alinha a outra força política para as próximas eleições, que não a que se alinhou na eleição passada, ela tem justa causa para se desfiliar e seguir fiel ao alinhamento político que tinha quando se elegeu, sem o comprometimento do seu mandato. 3.   Desfiliação motivada por motivos ideológicos. 4.   Improcedência dos pedidos. (Petição nº 159, Acórdão nº 2887, de 16/03/2010, Relator(a) Evandro Luis Castello Branco Pertence, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Volume 13, Tomo 58, Data 05/04/2010, Página 2). Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-df-informativo-perda-de-cargo-acordao-2887

Contudo, situação diversa passou a se evidenciar quando do advento do artigo 22-A na Lei 9.096/95, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei 13.165/2015. Em quadro comparativo, pode-se perceber exatamente a compreensão de que o rol contido no parágrafo único desta norma deve ser considerado numerus clausus. Observe:

Segundo o significado da palavra SOMENTE, disponível no site https://www.dicio.com.br/somente/, acesso realizado em 15.02.2022, evidencia-se:

Significado de Somente

Advérbio

Nada mais que: os produtos são entregues somente aos donos.

Exclusivamente, só: somente o prefeito foi favorável às demissões.

Apenas: falava somente português.

Etimologia (origem da palavra somente). Do latim feminino de solus - sola + mente.

Portanto, a partir da inserção da expressão “somente” no corpo da norma, quis o legislador estabelecer que as hipóteses ali tratadas são numerus clausus, ou seja, trata-se de uma norma cujo rol se encontra exaustivamente exposto, não autorizando ao intérprete a inserção de novas hipóteses de incidência.

Este posicionamento, inclusive, é corroborado por Adriano Soares da Costa, quando afirma:

“As causas que justificariam a desfiliação partidária foram estipuladas em números clausus, nas seguintes hipóteses: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, grave discriminação política pessoal e mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.” (grifo nosso)

E aqui se deve deixar bem claro que o rol taxativo visa exatamente a entender a mesma hermenêutica, a mesma interpretação consagrada desde 2007, qual seja a de preservar o mandato político à agremiação partidária. 

As hipóteses de justa causa são estabelecidas para autorizar o seu detentor a se desfiliar sem que o mandato possa ser reincorporado ao Partido Político no qual era filiado. Por se tratar de excepcionalidade, eis que a regra geral está contemplada no “caput” do artigo 22-A da Lei 9.096/95, suas hipóteses são exatamente e exclusivamente aquelas contempladas na norma, não podendo o intérprete ampliar o diâmetro de sua incidência.

Logo, somente, e tão somente, dentro destas hipóteses o detentor do mandato eletivo não se sujeitará as sanções pela desfiliação partidária. Quis o legislador evidenciar que qualquer ato que importe em desfiliação partidária, seja promovido diretamente pelo detentor do cargo eletivo seja pela Agremiação Partidária, estará passível de ter decretado a perda do respectivo cargo ocupado, desde que inexistente uma das hipóteses elencadas no parágrafo único do artigo 22-A da Lei 9.096/95.

Se assim não for, não há razão de existir para o referido parágrafo, ou seja, podemos considerá-lo como letra morta no ordenamento jurídico, pois inexiste validade ou eficácia em sua existência.

Fidelidade Partidária como Princípio Constitucional

Não há dúvidas quanto a importância do dever do filiado em ser fiel a agremiação partidária na qual vem a requerer sua filiação.

É dever de todo e qualquer cidadão, antes de consumar sua filiação a um Partido Político, que ele tenha total noção e conhecimento das ideologias daquela agremiação, que tenha coesão com o seu modo de agir e pensar, para que posteriormente venha a requerer sua inscrição, sob pena de desvirtuamento de toda a lógica deste processo de adesão.

As doutrinadoras Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos, em artigo intitulado “O princípio da fidelidade partidária e a possibilidade de perda de mandato por sua violação – Uma análise segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, disponível em 15.02.2022, através do link: https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2014/07/O-principio-da-fidelidade-partidaria.pdf, afirmam:

Considerando-se que um dos principais elementos de definição do Partido Político é sua ideologia, e que muitos dos mandatários eleitos pelo sistema proporcional (a maioria) se beneficiam dos votos obtidos pela legenda partidária, é importante que este seja um vínculo forte (o vínculo da ideologia partidária entre os filiados, principalmente entre aqueles que exercem mandatos eletivos).

Em posicionamento que poderia se adequar ao que é defendido no presente estudo, tem-se o posicionamento do doutrinador Adriano Soares da Costa, que em sua obra “Instituições de Direito Eleitoral”, quando assevera:

“Há uma discussão sobre a perda do mandato eletivo em razão da saída de um partido político para organizar a fundação de um outro partido, cujo registro ainda não foi deferido pelo Tribunal Superior Eleitoral. Pela interpretação que alguns passaram a dar, o detentor do mandato eletivo apenas poderia sair para fundar um novo partido político, após o seu registro consumado. É dizer, deveria ficar dentro do partido político, agindo contra os interesses da sua agremiação. Parece-me absurda essa lógica, abraçada em alguns poucos julgados do Tribunal Superior Eleitoral.

A similitude apresentada entre o texto transcrito e o posicionamento adotado neste estudo convergem exatamente na ilogicidade de fazer com que se permaneça dentro dos quadros da agremiação, filiados que já não mais comungam da mesma ideologia. Daqueles que pautam suas atitudes, votos e manifestações em dissonância da orientação e do posicionamento da agremiação na qual ainda se está vinculado.

Ainda que hoje se tenha excluído das hipóteses de justa causa a possibilidade de migração para outro partido em criação ou que estejam em vias de fusão com outra agremiação, o sentimento e a infidelidade partidária são os mesmos dos casos em que o filiado é expulso de seu partido político por infidelidade partidária. É importante ainda deixar claro que a sanção de expulsão comporta em seu ínterim, como regra geral, a gravidade das condutas que provocaram a sua aplicação.

É condição básica para o sistema eleitoral, sobretudo após a fixação do entendimento de que os mandatos eletivos são de titularidade do partido político, garantir que essa coesão e afinidade de ideologias e pensamentos permaneçam, sobretudo posteriormente as eleições.

Ao passo em que, se assim não o for, após eleito, este detentor do mandato eletivo forçará de toda sorte a sua expulsão do partido, atuando em discrepância com as orientações partidárias nas quais se comprometeu VOLUNTARIAMENTE defender quando do seu requerimento de filiação, pois assim ele conservaria o mandato sob sua titularidade, o que é extremamente violador aos direitos constitucionais dos partidos políticos.

Em 1989, o STF julgou o MS nº 20927/DF, da Relatoria do Min. Moreira Alves, em que firmou entendimento sobre a inaplicabilidade do princípio da infidelidade partidária aos candidatos eleitos e aos suplentes. Era possível concluir, portanto, que o mandato pertencia ao indivíduo eleito, que poderia trocar de legenda sem ter o risco de perder sua vaga, citam as doutrinadoras Adriana Campos Silva e Polianna Pereira dos Santos no artigo anteriormente referido.

Neste julgado encontramos a seguinte orientação:

MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDARIA. SUPLENTE DE DEPUTADO FEDERAL. - EM QUE PESE O PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL E A REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR FEDERAL POR INTERMEDIO DOS PARTIDOS POLITICOS, NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE SUPLENTE O CANDIDATO DIPLOMADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL QUE, POSTERIORMENTE, SE DESVINCULA DO PARTIDO OU ALIANCA PARTIDARIA PELO QUAL SE ELEGEU. - A INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FIDELIDADE PARTIDARIA AOS PARLAMENTARES EMPOSSADOS SE ESTENDE, NO SILENCIO DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI, AOS RESPECTIVOS SUPLENTES. - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO (MS nº 20927, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 11.10.1989, DJ, 15 abr. 1994).

Até o final de 2006, a destituição de representantes eleitos concretizava-se apenas nos casos de condutas ímprobas ou ilícitos eleitorais.

Porém, e como já dito, a partir do ano de 2007, a Justiça Eleitoral adotou a interpretação segundo a qual o mandato eletivo não pertence ao ocupante do cargo, mas sim ao seu partido, de modo que, caso o político eleito abandone sua agremiação, perderá a vaga ou cadeira no Parlamento, passando esta a ser ocupada pelo suplente do partido originário, aplicando, portanto, o chamado princípio da fidelidade partidária.

A filiação partidária é condição de elegibilidade, que, de acordo com Alexandre de Moraes, “é a capacidade eleitoral passiva consistente na possibilidade de o cidadão pleitear determinados mandatos políticos, mediante eleição popular”.

Essa previsão constitucional reflete o intuito do legislador constituinte de inadmitir candidaturas que não se efetivem por intermédio dos partidos políticos, sendo que esses, conforme explicitado no capítulo inaugural do presente estudo, podem ser entendidos como:

“grupos sociais que se unem com o intuito de disputar, conquistar, exercer e conservar o poder, nas suas diversas instâncias, apresentando como atrativo para os seus filiados e adeptos a ideologia e programa que os convença de poderem satisfazer, por meio deles, seus anseios sociais e até mesmo pessoais”.

Considerando que deve existir uma correlação entre essa identidade de ideologia que faz com que o cidadão busque o partido político para se filiar, entende-se que a eleição deste determinado candidato estaria refletindo que o programa do partido por ele representado coincide com a opinião da maioria dos cidadãos ou daqueles que manifestaram seu voto a ele.

Desta forma, considerando tais premissas, inegável estabelecer como requisito essencial o dever de fidelidade a agremiação partidária como forma de se evitar uma discrepância da representação político do eleitor.

No conceito de filiação partidária, referido no artigo 14, §3º, inciso V, da CF/88, vem revestido também o dever imperioso de que todo filiado deve guardar respeito para com a instituição partidária a que se submeteu voluntariamente, sempre devendo reforçar que este ato de filiação é consumado através de requerimento livre e ausente de vícios requeridos pelo próprio indivíduo.

A Constituição Federal prescreve:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: Regulamento

I - caráter nacional;

II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III - prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei.(...)

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

Conforme preleciona Clèmerson Merlin Clève, irrefutável o reconhecimento de que:

“No sistema constitucional brasileiro contemporâneo, o parlamentar não perder o mandato em virtude de filiação a outro partido ou em decorrência do cancelamento da filiação por ato de infidelidade é eloquente. Ainda que, doutrinariamente, o regime do mandato possa sofrer crítica, é induvidoso que, à luz do sistema constitucional em vigor, o mandato não está à disposição do partido”.

E aqui ainda se pode utilizar mais uma vez os ensinamentos do doutrinador, já citado anteriormente, Adriano Soares da Costa, que entende:

A fidelidade partidária pressupõe a fidelidade do partido. Se o partido político e infiel às suas práticas políticas, às decisões anteriormente tomadas em favor de uma posição radicalmente contrária, não se pode exigir a fidelidade partidária do parlamentar sem que estejamos diante de abuso de direito.”

Não há dúvidas que tal preceito é essencial para que não estejamos diante de uma justa causa, ou seja, não há dúvidas que o Partido Político deve se manter fiel as suas ideologias, condutas e posicionamentos políticos adotados em toda a sua trajetória.

Mas também não se pode esquecer que esta via deve ser uma via de mão dupla. Ao mesmo passo em que deve o Partido Político ser fiel a seu programa partidário, as suas ideologias, é imprescindível que o mesmo posicionamento e a mesma conduta seja exigida por parte do filiado detentos do mandato, sob pena de ruptura desta fidúcia estabelecida quando do seu requerimento voluntário para ingresso na agremiação e o posterior aceite oriundo do Partido.

Pensar de forma diversa seria atribuir um ônus excessivo para as agremiações partidárias que poderiam se tornar reféns de seus filiados exatamente por força das repercussões que um mandato eletivo tem na vida desta instituição. Seria dar salvo conduto para que o filiado, somente por ser detentor de mandato eletivo, esquecendo-se das obrigações e deveres de cada filiado estatuídos no programa partidário ao qual aceitou respeitar, possa agir de acordo com seu bel prazer, sem que haja uma reprimenda compatível com a sua infidelidade partidária.

A expulsão partidária como hipótese de Desfiliação Sem Justa Causa e causa de pedir a perda do mandato eletivo por infidelidade partidária

Ao editar a Resolução 22.610, o Tribunal Superior Eleitoral fez, tão somente, interpretar normas eleitorais vigentes em respeito à própria Constituição Federal. Isto porque o art. 14, §3°, inciso V, da CF/88 estabelece, como condição primeira de elegibilidade do cidadão, a sua filiação partidária. Com o dispositivo, mostra-se como impossível que alguém possa concorrer e, consequentemente, se eleger sem que esteja devidamente filiado a uma agremiação partidária.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

Mais adiante, no art. 17, §1°, a Carta Federativa assegura aos Partidos Políticos a capacidade de estabelecer regras de filiação e fidelidade partidária, criando mecanismos de autocontrole e autodeterminação de projetos e ideias políticas.

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

(...)

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017)

De se destacar, de igual modo, que o vínculo partidário é a identidade política do candidato, uma vez que este não existe fora do âmbito da agremiação e, por conseguinte, nenhuma candidatura é possível se não estiver vinculada a algum Partido Político. Sobre isso, o Ministro Relator César Asfor Rocha, em seu voto na resposta à Consulta n° 1398, aduziu:

Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no plano fático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, se não o único elemento de sua identidade política.

E o Ministro continua o voto, ressaltando o quão equivocado seria supor que o mandato político eletivo pertencesse ao indivíduo eleito:

(...) Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposição de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito, pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria tornado senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não apenas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre ela podendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística, todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor."

As palavras do Ministro Relator Cesar Asfor Rocha ainda são citadas pela Professora Cláudia Chaves Martins Jorge, em seu artigo “A Reforma Política e a Polêmica da Fidelidade Partidária”, publicada pela Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery, a qual se reporta:

(...) O cidadão pode filiar-se e desfiliar-se à sua vontade, mas sem que isso represente subtração ao partido que o abrigou na disputa eleitoral. (...)

A Lei 9.096, de 19 de janeiro de 1995, a Lei dos Partidos Políticos, trata do assunto em seu capítulo V, nos artigos 15, 23 a 26:

“Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:

(...)

III - direitos e deveres dos filiados;

(...)

V - fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa;

(...)

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido.

§ 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.

Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.

Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito.”.

No âmbito do processo administrativo da Consulta Eleitoral destacada alhures, o relator do processo assim se pronunciou:

Uma vez eleito, o político está vinculado ao partido que o elegeu, e a vaga pertence ao partido, e não ao candidato, pois sem filiação partidária não há mandato eletivo. Melhor dizendo, ninguém é candidato sozinho, somente através de um partido é possível alcançar um mandato. Desta forma, apesar de eleitores entenderem que votam no candidato, na verdade concedem representação política ao partido ao qual o candidato está filiado.

Para finalizar a discussão sobre a titularidade do mandato nos sistemas proporcional e majoritário, o Supremo Tribunal Federal encarregou-se de dirimi-la, julgando, respectivamente, os Mandados de Segurança n.º 26.602, 26.603e 26.604.

“MS 26602 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 04/10/2007 Órgão Julgador: Tribunal Pleno EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo. 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral. 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada.”5. Restando assente o entendimento nas duas Cortes Superiores de que o partido político é o titular do mandato obtido pelo candidato nas eleições proporcionais e majoritárias, não podendo o eleito desfiliar-se da agremiação na qual sufragado, sob pena de perda do mandato.

Sumariamente, os principais fundamentos destas decisões levaram em consideração a essencialidade dos partidos políticos para a conformação do regime democrático, a ponto de existir uma denominada “democracia partidária”, a intermediação necessária das agremiações partidárias para candidaturas aos cargos eletivos, conforme disposto no art. 14, § 3º, V, da Constituição, a vinculação inerente entre mandato eletivo e partido como consequência imediata do sistema proporcional, no qual os cargos são distribuídos de acordo com o quociente eleitoral, obtido pelo partido, e não pelo candidato e, por fim, a infidelidade como atitude de desrespeito do candidato não apenas em face do seu partido político, mas, sobretudo, da soberania popular, sendo responsável por distorcer a lógica do sistema eleitoral proporcional.

O partido político tem a prerrogativa de expulsar um filiado em hipóteses específicas tipificadas no Estatuto, por meio da abertura de processo que deve, antes de mais nada, obedecer aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Essa expulsão geralmente ocorre quando se trata de fato extremamente grave, como, por exemplo, quando se verifica que o mandatário não mais representa a ideologia da agremiação, quando pratica sucessivas insubordinações ao que estabelecido pelo partido como diretrizes importantes do mandato, ou pelo descumprimento de princípio essencial do programa e estatuto partidários.

Ocorre que, a partir da expulsão, surge o questionamento sobre a possibilidade de declaração da perda do mandato eletivo com base no princípio constitucional da fidelidade partidária.

A expulsão gera inequivocamente uma desfiliação partidária, ainda que involuntária, e também explicita a necessidade de se proteger o voto do eleitor, de modo a garantir a eficácia do sistema representativo proporcional.

Sendo assim, é pertinente a discussão sobre a possibilidade de o partido político ajuizar processo requerendo a perda do mandato eletivo do expulso, como forma de restabelecer a sua representação e consequentemente a do eleitor.

Isso não significa que a Justiça Eleitoral deve se imiscuir nas relações internas entre o partido e seus filiados, até porque deve respeitar o princípio da autonomia partidária, previsto no artigo 17, §1°, da Constituição Federal. 

Na verdade, o que se tem é a análise da consequência do cancelamento da filiação partidária, ou seja, do “fato externo”. Caso o cancelamento da filiação por meio da expulsão tenha ocorrido tendo em vista a necessidade de preservação da vontade política expressada pelo eleitor no momento do voto, deve o mandato permanecer com o partido, porque o membro que fraturou a relação foi o representante. Pode-se dizer ainda que ele quem provocou a ruptura da fidúcia entre filiado e Partido Político, portanto, assemelhar-se-ia a desfiliação voluntária outrora defendido. 

A quebra do compromisso firmado na eleição pelo representante justifica o cancelamento de sua filiação, e implica na sua desqualificação para permanecer no exercício do mandato eletivo, o que possibilita o requerimento formulado pelo partido político, mesmo quando se tratar de expulsão.

Em síntese, o representante que tem a sua filiação cancelada em decorrência da expulsão é destituído da capacidade de representar os eleitores adeptos da corrente de pensamento defendida pelo partido. Por essa razão, a agremiação tem o direito de requerer a recomposição da representatividade popular no parlamento.

Ora, o princípio da autonomia partidária não desautoriza o cotejo da legalidade do procedimento de expulsão e da motivação do partido político (CF, artigo 17, § 1º). Afinal, é a própria agremiação partidária que dará início ao processo requerendo a declaração da perda do mandato eletivo, reclamando o exame pela Justiça Eleitoral para que se analise a consequência do cancelamento daquela filiação.

Caberá à Justiça Eleitoral analisar quem realmente deu causa à quebra do pacto firmado na eleição entre eleitor-partido-representante, para preservar a representatividade da corrente político ideológica sufragada pelo eleitor durante o restante do tempo do mandato.

O primeiro aspecto a ser analisado é se o processo disciplinar respeitou todos os trâmites, possibilitando uma ampla defesa do mandatário expulso. Da mesma forma, será necessário verificar se a motivação da agremiação revela um desrespeito grave por parte do representante aos compromissos firmados com o partido e com o eleitor, e se está devidamente tipificado como causa para expulsão do filiado.

A possibilidade da perda do mandato parlamentar devido à expulsão já foi reconhecida por Augusto Aras, na obra Fidelidade Partidária – A Perda do Mandato Parlamentar, quando expõe a conclusão de seu estudo:

Em face do exposto, conclui-se este estudo, esperando que os princípios constitucionais da autonomia e fidelidade partidárias tenham a devida efetividade (eficácia social) pela validação da perda do mandato parlamentar em razão do cometimento de infração tipificada como ato de infidelidade (inclusive migração) ou de indisciplina, consoante previsão estatutária autorizada pela norma do § 1º, do art. 17/CF, e, finalmente, a realidade política possa ser refletida na interpretação da nossa Carta Magna de 1988, a Constituição Cidadã, justamente porque o povo é titular do poder, que tem nos partidos políticos o embrião da democracia!

Ademais, não se pode desvincular do quanto estabelecido no artigo 55 da Carta Magna, que prescreve:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

Como já referido, o que se defende não é a perda automática do mandato em decorrência da expulsão. Na verdade, é justamente “em decorrência do sistema representativo” que caberá à Justiça Eleitoral, quando provocada, analisar qual será a consequência dessa exclusão do filiado dos quadros do partido.

E não poderia ser diferente, pois se o raciocínio desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal foi no sentido de que a perda do mandato não seria uma sanção, mas apenas uma consequência da necessidade de assegurar a representatividade do eleitor, nada mais sensato do que reconhecer que a expulsão do filiado pode gerar a necessidade de recompor a representação da corrente ideológica que o partido se propôs a defender.

Afinal, o princípio da fidelidade partidária define que as agremiações partidárias têm o dever de preservar a sua linha programática de atuação. Nesse sentido, é evidente a legitimidade do ato de expulsão daquele que subverta a representação do eleitor no decorrer do mandato, desde que observados os princípios do devido processo legal, do contraditório, e da ampla defesa, no procedimento ético disciplinar.

Obviamente, o princípio da fidelidade partidária deve se compatibilizar com o princípio constitucional da liberdade de consciência, de pensamento e de convicção, sob pena de se “transformar o mandato representativo em mandato imperativo, e o parlamentar em autômato guiado pelas cúpulas partidárias”.

Por essa razão é que se verifica a necessidade da análise por parte da Justiça Eleitoral, para verificar se a indisciplina do filiado está fundamentada na sua esfera de intimidade e convicção, sem implicar em violação à doutrina e ao programa partidário.

Esse controle por parte da Justiça Eleitoral evitará qualquer excesso por parte dos partidos políticos, pois o processo deverá ser instruído com a cópia integral do feito administrativo que redundou na expulsão, e o mandatário expulso ainda poderá juntar outras provas, para demonstrar se permanece ou não representando satisfatoriamente a corrente ideológica que o sufragou na eleição. 

O certo é que a impossibilidade de decretação da perda do mandato nesse caso pode implicar em uma chancela da infidelidade partidária por parte da Justiça Eleitoral, uma vez que o representante apesar de não corresponder aos anseios partidários e dos eleitores permanecerá no exercício de seu mandato, como se fosse seu proprietário. 

Afinal, será mais conveniente permanecer filiado e desvirtuar os interesses partidários, forçando a sua expulsão do que mudar para outro partido e correr o risco de ter o seu mandato cassado pela Justiça Eleitoral.

Ainda que a Resolução TSE nº 22.610/2007 não tenha tratado explicitamente dessa questão, a leitura da decisão paradigmática do Supremo Tribunal Federal permite concluir que a finalidade do instituto da fidelidade é fazer valer o modelo de democracia representativa, ou seja, ainda que a desfiliação seja involuntária, como na expulsão, ela pode implicar na perda do mandato, desde que seja para preservar a vontade do eleitor.

Alguns Tribunais Regionais Eleitorais já se manifestaram de forma favorável à possibilidade de perda de mandato em virtude de desfiliação decorrente de expulsão. O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, por exemplo, analisou essa questão no julgamento da Petição nº 105451, da relatoria do Juiz Josaphá Francisco dos Santos, ajuizada pelo Diretório do Partido Socialista Brasileiro do Distrito Federal contra o então Deputado Distrital Rogério Ulysses. A expulsão do parlamentar se deu pelo seu envolvimento em grave escândalo de corrupção que ficou conhecido como “Mensalão do DEM”. Nesse caso, o Tribunal Regional se pronunciou claramente sobre a possibilidade de aplicação da Resolução nº 22.610/2007 quando se trata de expulsão, em decisão assim ementada:

AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO – CONSTITUCIONALIDADE DA RES. 22.610/07-TSE – INFIDELIDADE QUE IMPLICOU A EXPULSÃO DO PARTIDO –INCIDÊNCIA DA RES. 22.610/07-TSE – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. (...). 2. Se a simples desfiliação enseja a perda do mandato, quanto mais a violação aos princípios éticos estabelecidos no estatuto. É cabível a aplicação da citada resolução, tendo em vista que a infidelidade partidária não se restringe à hipótese de desfiliação voluntária, mas também de expulsão. Precedente do TRE/MG. 3. É legítimo o direito de resistência do parlamentar quanto às orientações partidárias manifestamente ilegais. Contudo, a insubordinação do filiado, em especial, pela votação de projeto de lei em manifesto confronto com a orientação da agremiação, fato que ensejou a aplicação da pena de advertência no âmbito partidário, caracteriza infidelidade partidária. 4. Caracteriza infidelidade partidária a grave violação à ética partidária, consistente no envolvimento de filiado em escândalo de corrupção. No caso, verificou-se, em gravação legal de conversa travada na residência oficial do Governador, na qual o assunto era a “despesa mensal com políticos”, que o Chefe da Casa Civil ficou responsável pelo repasse de quantia ao Requerido. 5. (...) 6. Julgou-se procedente a ação para decretar a perda do mandato. 

Nesse mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais no julgamento do Processo nº 12162007, da relatoria do Juiz Renato Martins Prates, que tratou de pedido de perda de mandato eletivo decorrente de desfiliação ocasionada por expulsão:

Agravo Regimental. Feitos Diversos. Pedido de perda de mandato eletivo. Impossibilidade jurídica do pedido. Extinção sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. A Resolução nº 22.610/2007 é estatuto normativo de conteúdo adjetivo cuja interpretação não pode pautar somente pelo conteúdo de suas disposições. Necessidade de se buscar o conteúdo substantivo que embasa a noção de infidelidade partidária. Uso do método teleológico de interpretação para alcançar a exata dimensão do sentido emprestado à expressão “desfiliação partidária sem justa causa”, não podendo abstrair pela simples leitura a noção de infidelidade partidária. Cabe ao aplicador do Direito, mediante construção principiológica, fazer o adequado ajustamento do comando normativo à real proposição da lei. Reserva-se o direito às agremiações partidárias de não só reclamar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional daquele que tenha abandonado as fileiras do partido sem justificativa, mas também de preservar sua linha programática de atuação no parlamento. O ato de expulsão daquele que venha a subverter a representação partidária, respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa em procedimento próprio, com o afastamento do infiel do mandato, é do partido político. Insubordinação no exercício do mandato parlamentar constitui hipótese de infidelidade partidária sem justa causa prevista no comando do art. 1º da Resolução nº 22.610/2007. Exame pela Justiça Eleitoral da legalidade do procedimento de expulsão e as razões que a motivaram não interferem na autonomia partidária ou constituem ingerência em matéria interna corporis. Agravo regimental provido para dar regular prosseguimento ao feito.

Ainda se têm outros entendimentos jurisprudenciais a corroborarem o quanto defendido até aqui:

DEVER DE FIDELIDADE PARTIDÁRIA ELEITORAL. AÇÃO DE PERDA DO MANDATO. PRELIMINARES REJEITADAS DE DECADÊNCIA, CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA, ILEGITIMIDADE ATIVA. UTILIDADE DA DEMANDA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO TSE Nº 22.610/2007 TAMBÉM PARA OS CARGOS MAJORITÁRIOS. PROCEDIMENTO DE EXPULSÃO DO PARTIDO CALCADO EM MOTIVOS GRAVES, INTENSAMENTE REPUDIADOS PELA COLETIVIDADE. DESFILIAÇÃO SEM JUSTA CAUSA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. (...) O mandato eletivo, ainda que no sistema majoritário, não pertence ao candidato eleito, que não é detentor de parcela da soberania popular e não pode edificá-la em propriedade sua. O poder que do povo advém pelo sufrágio universal não pode ser apropriado de forma privatística. O candidato, também no sistema majoritário, precisa do partido para concorrer, pois permanece a filiação partidária como condição de elegibilidade, não sendo possível uma candidatura autônoma, sem partido. O partido opera como liame entre o candidato e o eleitor, sinalizando a este que aquele cumprirá as diretrizes programáticas da grei. Natural que haja a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se afastar do compromisso assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a diretriz programática a que empenhou fidelidade. Isso, independentemente, de haver ou não suplente ou vice que possa ser empossado no seu lugar, até porque solução institucional sempre haverá. Aplica-se a disciplina da Resolução TSE nº 22.610/2007 também para os cargos majoritários. Aliás, seus artigos 10 e 13 isso indicam claramente. Esse entendimento foi expresso pelo próprio TSE na Consulta nº 714, em 24/09/2009. A filiação partidária não é apenas uma condição de elegibilidade, mas também uma condição para o exercício do mandato. Porque o eleitor elege o candidato, no sistema majoritário, para honrar determinado programa, do partido a que se filiou para concorrer, é natural a perda do direito ao exercício do mandato quando o eleito se afastar do compromisso assumido, deixando a sua agremiação política, abandonando a diretriz programática a que jurou fidelidade. Isso, independentemente, de haver vice que possa ser empossado no seu lugar. Uma vez acolhido o pedido, não havendo vice-governador, que renunciou, vagos então os dois cargos, incide por simetria o artigo 81 da Constituição Federal, determinando-se, de acordo com seu § 1º, eleição indireta pela Câmara Legislativa do Distrito Federal para o cargo de Governador e para o cargo de Vice-Governador. Evidente a utilidade da demanda, inclusive em respeito à vontade do eleitor. (...) Se o partido move contra o filiado processo de expulsão de cunho arbitrário, é evidente a grave discriminação pessoal, configuradora de justa causa para a desfiliação, de acordo com o inciso IV do § 1º da Resolução TSE nº 22.610/2007. Mas procedimento de expulsão calcado em motivos graves, intensamente repudiados pela coletividade, não autoriza o reconhecimento de justa causa para a desfiliação partidária. Não se pode identificar a representação posta contra o requerido com um processo de expulsão de cunho arbitrário. Está a representação devidamente motivada em razões objetivas, explicitadas, circunstanciadas, em face de reprováveis atos e fatos, divulgados amplamente por todo o país, e no exterior, em mídias variadas, de gravidade ímpar e inquestionável, que provocaram justificada indignação geral. Fosse omisso o partido político, estaria severamente reprovado pela consciência coletiva nacional e alienígena. O processamento da representação pelo partido político, o DEM, correspondeu não somente ao regular exercício de direito, como também ao indeclinável dever de zelar pelo cumprimento de princípios básicos que regem a democracia nacional, respeitando seu dever político para com a cidadania. Isso se distancia radicalmente do conceito de "grave discriminação pessoal", justa causa para a desfiliação partidária. O quadro não se altera diante dos fatos, incontroversos, de que era dada como certa a expulsão do requerido do Partido e de que ele requereu a desfiliação para evitar a provável expulsão. A opção do requerido por não aguardar a decisão partidária, esta quiçá politicamente inconveniente, lícita se mostra, porque ninguém é obrigado a permanecer filiado a partido algum, mas tem o preço da perda do direito ao exercício do mandato, pela quebra do dever de fidelidade partidária, que determina permaneça o eleito, mesmo após a eleição, vinculado ao partido a que se filiou e possibilitou sua candidatura. Pedido julgado procedente, decretada a perda do direito do requerido de exercer o mandato de Governador do Distrito Federal. (Petição nº 335-69, Acórdão nº 2885, de 16/03/2010, Relator(a) Mário Machado Vieira Netto, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Data 18/03/2010, Página 1/2). Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-df-informativoperda-de-cargo-2885

ÉTICA PARTIDÁRIA AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO - CONSTITUCIONALIDADE DA RES. 22.610/07-TSE - INFIDELIDADE QUE IMPLICOU A EXPULSÃO DO PARTIDO - INCIDÊNCIA DA RES. 22.610/07-TSE - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DIREITO DE DEFESA - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.999-DF e a ADI 4.086-DF, reafirmou a constitucionalidade da Res. 22.610/07-TSE, sendo incabível a declaração de inconstitucionalidade incidental, pois essas decisões possuem efeito vinculante (art. 28 da Lei 9.868/99). 2. Se a simples desfiliação enseja a perda do mandato, quanto mais a violação aos princípios éticos estabelecidos no estatuto. É cabível a aplicação da citada resolução, tendo em vista que a infidelidade partidária não se restringe à hipótese de desfiliação voluntária, mas também de expulsão. Precedente do TRE/MG. 3. É legítimo o direito de resistência do parlamentar quanto às orientações partidárias manifestamente ilegais. Contudo, a insubordinação do filiado, em especial, pela votação de projeto de lei em manifesto confronto com a orientação da agremiação, fato que ensejou a aplicação da pena de advertência no âmbito partidário, caracteriza infidelidade partidária. 4. Caracteriza infidelidade partidária a grave violação à ética partidária, consistente no envolvimento de filiado em escândalo de corrupção. No caso, verificou-se, em gravação legal de conversa travada na residência oficial do Governador, na qual o assunto era a "despesa mensal com políticos", que o Chefe da Casa Civil ficou responsável pelo repasse de quantia ao Requerido. 5. É incabível a alegação de cerceamento de defesa se as teses defensivas foram consideradas no julgamento da expulsão do filiado, sendo que os graves fatos a ele imputados foram suficientes para firmar o convencimento no sentido contrário à sua pretensão. 6. Julgou-se procedente a ação para decretar a perda do mandato. (Petição nº 105451, Acórdão nº 4244 de 27/09/2010, Relator(a) Josaphá Francisco dos Santos, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Volume 11, Tomo 203, Data 29/09/2010, Página 02/03). Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tre-df-informativoperda-de-cargo-acordao-4244

Sendo assim, é evidente a possibilidade de se concluir que a expulsão pode resultar na perda do mandato, por consequência lógica do raciocínio desenvolvido sobre a necessidade de se preservar a representatividade do eleitorado.

Além disso, o Agravo Regimental na Petição nº 2983, de relatoria do Ministro Felix Fischer, trouxe algumas peculiaridades que podem ser aqui suscitadas. Naquele caso, não ocorreu exatamente um processo de expulsão, pois o Democratas decidiu excluir o mandatário de seus quadros por entender que teria havido um pedido implícito de desfiliação em virtude do ajuizamento de ação declaratória de justa causa, sem a abertura de um procedimento disciplinar.

Muito embora os argumentos utilizados pelo Ministro Relator pudessem indicar um possível caminho jurisprudencial a ser trilhado pelo Tribunal no caso de pedido de perda de mandato eletivo pela desfiliação decorrente de expulsão, essa questão não chegou a ser efetivamente decidida.

Como o próprio Partido (Democratas) havia editado resolução impondo ao mandatário o desligamento do partido, concluiu o Tribunal que seria impossível que se entendesse concretizada a condição imposta pela norma. A existência de peculiaridades ficou evidente no voto do Ministro Henrique Neves:

O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES: Senhor Presidente, quero apenas fazer uma ressalva para que este caso, dada as peculiaridades, não sirva como precedente para outros. O primeiro suplente entrou com um pedido de desfiliação nesse meio tempo, o titular do mandato foi ao partido, explicou as suas razões, disse “quero me desfiliar”, e o partido respondeu “está bem, pode se desfiliar”. Por isso, estaria prejudicado este processo. Entendo que está prejudicado porque há outro processo no Tribunal, já apreciado e transitado em julgado, no qual o partido manifestou que, realmente, ele estava concordando com as razões de desfiliação. Muito embora o caso concreto apresente peculiaridades, há inúmeras questões consignadas no voto condutor do acórdão que merecem ser explicitadas para uma melhor análise do tema: (...). Não compete a este c. Tribunal avaliar as razões que levaram ao partido concluir pela desfiliação, especialmente nos autos desta ação declaratória. (...) É assente nesta e. Corte Superior Eleitoral a “natureza jurídica bifronte” dos partidos políticos, por ser pessoa jurídica de direito privado, nos termos do art. 44, V, do Código agremiações partidárias, entre outras prerrogativas, a autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, até mesmo com possibilidade de impor sanção aos filiados. Com efeito, diante da autonomia assegurada no art. 17, § 1º, da Constituição da República, os partidos políticos estão sujeitos à jurisdição da Justiça Eleitoral apenas quanto aos atos que tenham potencialidade para interferir no processo eleitoral. Nesse sentido, destaco excerto do voto do e. Min. Sepúlveda Pertence no Recurso Especial Eleitoral n° 9467, litteris: (...) assim, no que tange às razões que levaram o partido a concluir pela perda do mandato do agravado, a competência para julgar a matéria não pertence à Justiça Eleitoral, sob pena de violação à autonomia constitucionalmente assegurada aos partidos. Ademais, a petição de perda de mandato não é a via processual adequada para a discussão relativa à natureza e legitimidade de eventual ato punitivo praticado pela agremiação partidária.

A simples leitura dos argumentos contidos no precedente invocado revela que a premissa do voto condutor do acórdão foi equivocada, pois a partir do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.603, a competência da Justiça Eleitoral foi ampliada, não se restringindo “apenas quanto aos atos que tenham potencialidade para interferir no processo eleitoral”.

Além disso, não se trata de violar a autonomia constitucionalmente assegurada aos partidos políticos, pois a Justiça Eleitoral não poderá reapreciar o mérito do processo administrativo disciplinar que redundou na expulsão do mandatário, mas apenas verificar qual será a consequência da decisão do partido no que se refere ao sistema representativo proporcional.

Este exame e esta análise a ser realizada pela Justiça Eleitoral em muito se assemelharia ao papel incumbido à esta Especializada quando, por exemplo, tem o dever de verificar a incidência, ou não, da hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea g), da Lei Complementar 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar 135/2010, quando deve a Corte Eleitoral examinar os casos em que o postulante tinha tido rejeitadas suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas.

Se o Judiciário amplamente verifica a presença de justa causa para a desfiliação promovida pelo candidato, de igual modo deverá observar as consequências da expulsão do representante que não mais corresponde aos interesses dos eleitores que conferiram o voto ao partido, sem que isso importe qualquer violação ao princípio da autonomia partidária.

Afinal, o princípio da fidelidade partidária pressupõe uma coerência ideológica do filiado ao exercer o cargo eletivo, e não uma mera conveniência político eleitoral, de modo a imperar o fisiologismo.

Conclusão 

Não se busca aqui a declaração imediata e sem avaliação dos requisitos legais e das garantias constitucionais inerentes ao processo judicial e ao próprio cidadão, ou neste caso, do detentor do mandato eletivo.

O que fora pretendido, e que ainda se pretende, é que o Poder Judiciário Eleitoral avalie o processo administrativo que culminou com a expulsão do recorrido e verifique se foram respeitadas as garantias constitucionais do indivíduo, sobretudo o da ampla defesa e do contraditório, em respeito ao quanto contido no artigo 55, inciso V, da CF/88.

Vale dizer que tal análise também irá pairar o processo de declaração de justa causa movido pelo detentor do mandato eletivo, que poderá inclusive concluir pela ausência dos pressupostos legais para validar ou legitimar a sua saída de uma agremiação partidária, como por exemplo nos casos envolvendo a grave perseguição pessoal ou a mudança substancial do programa partidário.

E aqui ainda se pode fazer uma analogia. É autorizado ao detentor do mandato político a declaração de eventual justa causa para migração para outra agremiação caso este consiga provar que o Partido ao qual estava filiado alterou sua ideologia ou mitigou os preceitos estatutários de forma reiterada.

Mas o que se dizer do caminho inverso? E se este desvio reiterado do programa partidário ou a mudança substancial das bases forem praticadas exatamente pelo agente politico que obteve a confiança do eleitor com premissas por ele não mais seguidas e cumpridas? 

Essa questão precisa ser melhor analisada Justiça Eleitoral, pois o entendimento consignado no precedente implica em entendimento contrário ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal quanto ao instituto da fidelidade partidária, na medida em que não reconhece que o comportamento desleal do representante tem reflexos no processo político eleitoral.

Conforme bem ressaltou o Ministro Cesar Asfor Rocha, quando de seu voto na Consulta nº 1.398, formulada perante o egrégio TSE, “O vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registra e disputa uma eleição é o mais forte, senão o único elemento de sua identidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existe fora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de uma bandeira partidária”.

É exatamente essa influência na representatividade do eleitorado que embasa a consequência da perda do mandato eletivo, para que seja possível restabelecê-la por meio da assunção do suplente do partido.

Não há dúvida que a desfiliação voluntária é uma das modalidades legais que autorizam a propositura para perda do mandato do detentor de cargo eletivo. Contudo, limitar a abrangência da aplicação da norma somente para este caso foge da melhor hermenêutica, assim como destoa do sentimento do legislador quando da elaboração e inserção do artigo 22-A na Lei 9.096/95.

Logo, a luz do sentido literal contido no dicionário da língua portuguesa, o ato de desfiliar-se significa tão somente a rescisão a filiação a um partido ou associação.

Em momento algum se encontra menção a quem efetivamente promoveu a rescisão ou ruptura do vínculo anteriormente existente, mas retrata que não estará mais filiado aquele que tiver rescindido sua respectiva filiação, neste caso para com a agremiação partidária.

Não há dúvidas que o ato de requerer desfiliação de forma voluntária enseja a aplicação da norma contida no “caput” do artigo 22-A da Lei 9.096/95. Contudo, esta hipótese não afasta nem encerra o campo de atuação da norma em comento. 

Quer se dizer que, do mesmo jeito que a desfiliação voluntária é fato gerador para a incidência do referido artigo 1º do citado artigo, a expulsão do filiado detentor do mandato eletivo também encontra guarida e incidência no mesmo dispositivo legal, pois inegavelmente estamos diante de um ato de “desfiliação sem justa causa”, uma vez que as hipóteses de justa causa encontram-se expressamente descritas no parágrafo único da referida Lei, cujo rol nele contido se trata de rol taxativo.

Thiago Santos Bianchi

OAB/BA 29.911

-Advogado 

-Proprietário do Escritório - BIANCHI Advocacia e Consultoria

-Pres. da Comissão Especial de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Bahia - Triênio 2022-2024

-Membro Consultor da CEDE - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - Triênio 2019-2021

- Vice Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção Camaçari - Triênio 2019-2021

-Pós Graduado em Direito Tributário 

-Pós Graduando em Direito Eleitoral

- Assessor Jurídico e Parlamentar

- Especialista em Sustentações Orais

- Palestrante e Parecerista

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