A juíza Fernanda Menna Pinto Peres observou que estão presentes os requisitos da tutela de urgência. Um deles, o do fumus boni iuris, decorre do fato de não ficar demonstrado que os candidatos descumpriram o edital por não vestirem roupa adequada. O outro, do periculum in mora, é o “o risco de iminente prejuízo aos eventuais candidatos irregularmente excluídos do certame pela justificativa genérica de trajes inadequados”.
Representando filiados inscritos no concurso e demais candidatos eventualmente eliminados em situação análoga, o Sindicato dos Funcionários da Polícia Civil do Estado de São Paulo na Região de Santos (Sinpolsan) ajuizou ação civil pública, com pedido liminar, contra a Fundação para Vestibular da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (Vunesp), responsável pela aplicação da prova, e o Estado de São Paulo.
O Sinpolsan sustentou a sua legitimidade ativa para representar os seus associados, bem como outros eventuais prejudicados, porque a ação civil pública alcança tanto o direito coletivo quanto o individual homogêneo. A entidade sindical também apontou o interesse público da demanda, apontando ofensas aos princípios da legalidade administrativa, isonomia e da boa-fé.
De acordo com a julgadora, os documentos juntados na inicial pelo requerente tornam verossímeis as suas alegações sobre a “desorganização” nos critérios “vagos” do edital e nas regras utilizadas durante a aplicação das provas em relação às roupas, em vários locais de aplicação das provas, que resultaram na “aparente exclusão posterior, e não justificada, de centenas de candidatos em razão de supostos trajes inadequados”.
Conforme o edital, para ter acesso ao local da prova, o candidato deveria estar vestido de modo compatível com o decoro da função de natureza jurídica essencial. Por meio de seu site, a Vunesp reforçou essa exigência, elencando “bermuda, chinelo, camiseta regata” como trajes inadequados. Porém, os excluídos pelo suposto uso de roupa imprópria só souberam da eliminação por ocasião da divulgação do resultado.
“As eliminações de candidatos a posteriori — candidatos estes que conseguiram ingressar e realizaram as provas —, em razão dos supostos trajes inadequados, não foram devidamente motivadas”, avaliou Fernanda Peres. A juíza acrescentou que foi questionada a aplicação de critérios diferentes, nos vários locais de prova, “a indicar aparente violação ao princípio da isonomia nos concursos públicos”.
Ao conceder a tutela de urgência para suspender o ato de indeferimento da prova preambular ou de exclusão de candidatos por traje inadequado, permitindo a continuidade deles no concurso público, a julgadora salientou que a sua decisão é “sub censura do juízo competente para a causa”. Ela determinou a redistribuição da ação civil pública a uma das varas de Fazenda Pública da Capital.
A magistrada justificou a alteração de competência com base no artigo 93, inciso II, da Lei 8.078/90, porque o dano apontado não é de âmbito local, mas de abrangência regional no contexto de todo o estado. Nessa hipótese, o foro competente para o processamento da ação civil pública, nos termos da regra citada, é o da capital da unidade federativa.
Segurança jurídica
Constituído de cinco fases, o concurso público é para o provimento de 552 vagas para o cargo de delegado. As duas primeiras (preambular e escrita) ocorreram no dia 3 de dezembro de 2023 e, conforme o edital, apenas os candidatos aprovados na prova preambular teriam corrigida a escrita. A eliminação por causa da inadequação de traje só foi comunicada por ocasião da divulgação dos resultados.
Advogadas do Sinpolsan, Tainara Gomes Penedo e Marcela de Almeida Pino da Silva narraram na inicial que “o ato de permitir o ingresso e a conclusão da prova para, somente no resultado, eliminar o candidato, além de não ser permitido pelo edital, está eivado de má-fé”. Segundo elas, a posterior exclusão ocorreu de modo indevido, arbitrário e contraditório, “em violação à segurança jurídica e em claro abuso de poder”.
Sustentando que a aptidão ao cargo de delegado deve ser aferida a partir do conhecimento jurídico do candidato, e não do traje usado no dia da prova, as advogadas do autor apontaram violação ao princípio da legalidade administrativa (artigo 37, caput, da Constituição Federal), porque “inexiste lei que estabeleça o uso de trajes específicos em concursos públicos e justifique a inserção dessa exigência no edital”.
Processo 1003612-52.2024.8.26.0562
Por Eduardo Velozo Fuccia
Fonte: ConJur