Teoria da Imputação Objetiva: historicidade e aplicação no Direito Penal

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Por @wilsonalj | O termo “imputação” era bastante utilizado em diversos estudos entre os séculos XVIII e XIX, entretanto, caiu em desuso, sobretudo, na Alemanha, a partir da ascensão do naturalismo positivista, encabeçado pelas análises de Franz von Liszt.

A partir da superação do naturalismo pelo neokantismo, houve uma normativização da teoria do delito, a qual, a partir dos ideais neokantianos, seria entendida como uma conjuntura valorativa, sendo o tipo, sob este aspecto, não mais uma simples concepção descritiva de um evento externo, e a culpabilidade se transmuta, de uma simples descrição psicológica, para uma análise fática sob o prisma da reprovabilidade autoral. A partir desta interpretação do tipo, a questão da imputação volta a tornar-se relevante para a estrutura dogmático-penal do delito.

Neste panorama, em 1927, surge a primeira concepção de imputação objetiva, elaborada no âmbito cível, pelo autor alemão Karl Larenz, e, em 1930, a imputação objetiva foi carreada para o direito penal pelo jurista alemão Richard Honig.

Na tentativa de trazer as percepções hegelianas para o âmbito jurídico, mais precisamente para o direito civil, Karl Larenz contribuiu para a redescoberta da concepção de imputação, tendo, seus estudos, grande relevância nas estruturações da teoria finalista da ação e da moderna imputação objetiva. Neste contexto, Richard Honig, com base nas análises de Larenz, traz a concepção de imputação objetiva ao direito penal para acrescentar novos parâmetros à teoria causal da ação.

Além das influências de Larenz e Honig, algumas outras teorias, elaboradas entre os anos de 1940 e 1970, momento em que a concepção de imputação havia se esvaído da dogmática penal, a exemplo das teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada, da relevância, social da ação e do crime culposo, também foram de grande influência para a estruturação da moderna teoria da imputação objetiva.

Claus Roxin, considerado o maior expoente do sistema funcionalista, elabora  suas concepções da imputação objetiva baseadas no princípio do risco, entendendo que um resultado produzido por determinado agente só deverá ser imputado a este, atendendo ao tipo objetivo, quando da conduta do sujeito ativo houver gerado um risco não permitido ao objeto da ação, quando o risco tenha se efetivado no resultado concreto e quando o resultado estiver inserido no alcance do tipo, sendo, tal percepção, admitida por estudiosos em diversos países, a exemplo da Espanha e da Alemanha.

Em contraponto aos ideais roxinianos acerca da teoria da imputação objetiva como um entrelaçamento entre a conduta e o resultado, estruturada sob o parâmetro do risco, alguns autores divergiam de tal análise, se afastando das percepções do risco, a exemplo de Wolfgang Frisch, o qual elaborou a teoria da conduta típica, e Günther Jakobs, o qual elaborou sua própria teoria da imputação objetiva.

Roxin, em seus estudos, dividiu sua teoria em quatro tópicos: a diminuição do risco, os riscos juridicamente irrelevantes, o aumento do risco e o fim da proteção da norma. No caso da diminuição do risco, trata-se de ações que, ao diminuírem os riscos, não são imputadas como típicas. Já no segundo caso, os riscos juridicamente irrelevantes, seriam ações não condizentes com o resultado, não se consubstanciando imputáveis. No terceiro critério, observam-se os casos em que o autor ultrapassou o risco permitido, gerando o resultado, contudo, não é possível saber se a ação correta o evitaria. Em relação ao quarto critério, é apresentado o fim da proteção da norma, que seriam resultados não amparados pela norma de cuidado, não sendo imputáveis ao agente causador.

A percepção roxiniana diverge da doutrina majoritária, a exemplo de Luís Greco, ao definir a existência de três níveis de imputação referente a teoria da imputação objetiva, a saber: a criação de um risco e sua consequente realização, bem como o alcance do tipo, o qual seria a hipótese de todos os casos em que pessoas diversas, além do autor, contribuem, para o resultado típico, de modo relevante.

Neste sentido, a teoria da imputação objetiva estabelece que a mera relação de causalidade entre ação e o resultado não são suficientes para que o fato seja considerado típico, sendo necessária a constatação de dois pressupostos: a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização, no resultado, deste risco.

Sob o aspecto objetivo-normativo, a teoria da imputação objetiva complementa as dimensões do injusto penal, as quais seriam as dimensões do desvalor da ação e do desvalor do resultado, sendo estas acepções que o direito valora, de forma negativa, na realização antijurídica de um tipo penal. O desvalor da ação, de cunho meramente subjetivo, analisado sob um panorama ex ante, levando-se em consideração as informações sabidas e perceptíveis quando a ação é praticada, obtém um aspecto objetivo: a criação de um risco juridicamente desaprovado. Quanto ao desvalor do resultado, analisado sob um prisma ex post, levando-se em consideração apenas informações realmente factuais, é inserido o componente da realização do risco juridicamente desaprovado, fundamentando a tese de que nem toda lesão causada a bem jurídico, assentada em uma finalidade, é considerada desvalorada.

A imputação objetiva apensa ao desvalor da ação o elemento da criação de um risco juridicamente desaprovado. Este novo componente do desvalor da ação divide-se em duas perspectivas: a criação (ou o aumento) do risco e a desaprovação jurídica desse risco. A criação do risco tem por base a percepção político-criminal de que o direito penal apenas censura as condutas perigosas, visando a salvaguarda dos bens jurídicos, sendo, o esteio de tal premissa, o princípio constitucional da adequação e a teoria da prevenção geral negativa, a qual tem por finalidade incentivar os cidadãos a não perpetrarem determinadas condutas. Para aferir o momento em que houve a criação do risco, a doutrina traz a concepção de prognose posterior objetiva, a qual seria uma análise formulada sob uma perspectiva ex ante, feita pelo magistrado após a prática da conduta, levando em consideração apenas os aspectos cognoscíveis pelo homem prudente, o qual deve ser entendido como um observador objetivo dotado dos conhecimentos especiais do autor do fato, no momento em que foi praticada a ação, sendo esta considerada geradora de um risco se acarretar uma real possibilidade de lesão ao bem jurídico. Um exemplo pertinente explicar este instituto é o caso em que um sujeito, ao mandar uma criança em viagem de avião, pratica esta ação na intenção do avião cair e a criança, em decorrência disto, venha a falecer, contudo, sob o prisma da prognose posterior objetiva, a conduta perpetrada pelo sujeito, segundo uma percepção do homem prudente, não tem condão de acarretar uma possibilidade real de lesão ao bem jurídico tutelado.

Assim, no caso de ações que ocasionem riscos juridicamente irrelevantes ou no caso das que diminuam os riscos, não serão consideradas perigosas e, consequentemente, não acarretam a criação ou o aumento do risco.

No que tange à desaprovação jurídica do risco criado, demonstra-se pertinente pelo fato de que nem todas as condutas perigosas estão proibidas, devendo, nesta segunda perspectiva do desvalor da ação, analisar quais os perigos criados devem ser desaprovados pelo ordenamento jurídico, estando balizada entra a salvaguarda dos bens jurídicos, a qual inclina-se a coibir quaisquer condutas perigosas, e o interesse universal de liberdade, o qual contrapõe-se às ideias de proibições. Luís Greco aponta três critérios para a sua concretização, quais sejam: a existência de normas de segurança, a violação do princípio da confiança e o comportamento oposto ao modelo de homem prudente.

Quanto ao primeiro critério, a violação de uma norma jurídica de segurança denota, muitas vezes, que o risco criado deverá ser considerado juridicamente desaprovado, contudo, tal percepção possui diversas ressalvas, visto que estas normas jurídicas caracterizam-se por conjunturas genéricas, por isto, nem sempre uma transgressão normativa poderá acarretar um risco proibido, a exemplo de uma pessoa que dirige em velocidade não permita na via ou falando ao celular em uma rua deserta; e nem tampouco o respeito ao conteúdo normativo gerará sempre um risco permitido, a exemplo de alguém que dirige na velocidade permitida da via e, mesmo lhe sendo possível, não se preocupa em frear o veículo ao ver um pedestre atravessando a rua fora da faixa.

No caso do princípio da confiança, demonstra-se ser um critério que concretiza os requisitos da cautela, trazendo a ideia de que ninguém necessita, ao executar determinada conduta, preocupar-se com a hipótese de outrem atuar de maneira errônea e, em decorrência disto, concorrer para a realização de um resultado indesejável, contudo, tal princípio possui exceções, a exemplo de casos envolvendo crianças ou doentes mentais, bem como nos casos em que há latentes indícios de que uma conduta ilícita será perpetrada por terceiro. 

Quanto ao terceiro critério trazido por Greco, comportamento oposto ao modelo de homem prudente, não se aferirá o que o homem prudente entenderia como conduta perigosa, pois tal premissa já terá sido analisada, mas sim se o homem prudente, mesmo depois de considerar o perigo, praticaria a determinada conduta. Neste panorama, a concepção de homem prudente possui um aspecto tanto normativo quanto empírico, demonstrando pertinência pelo fato de apresentar a necessidade de que as imposições de cautela, elaboradas pelo âmbito jurídico, não podem se sobressair a aquilo que é realmente perpetrado por sujeitos reputados como sendo prudentes. Assim, a acepção de homem prudente permite uma maior segurança jurídica, visto que não permite ao juiz apenar alguém sem se balizar pelos fundamentos da conduta que nem mesmo os sujeitos mais prudentes iriam observar, bem como, nos casos de crimes dolosos, traz fundamentos de decisão mais seguros, a exemplo de um sujeito que sufoca uma criança com um travesseiro, hipótese que, mesmo que haja dificuldade em encontrar uma norma específica que vede tal conduta, sabe-se que um homem prudente, de forma alguma, pressionaria o travesseiro para obstar a respiração de uma criança, pois seria cristalina a percepção de que o agente gerou um risco desaprovado juridicamente.

Em contraponto aos três critérios que concretizam a desaprovação jurídica do risco criado, como segunda perspectiva do desvalor da ação, nas hipóteses de risco permitido, de heterocolocação em perigo consentida ou de contribuição a uma autocolocação em perigo, haverá a exclusão da desaprovação jurídica do risco e, consequentemente, a exclusão da imputação.

No que tange ao desvalor do resultado, este se fundamenta na realização do risco como função direta do desvalor da ação. Dessa forma, se o resultado foi produzido sem conexão com o desvalor da ação, não há que se falar em desvalor do resultado. Neste panorama, para que o delito seja considerado consumado, faz-se necessário a presença tanto do desvalor da ação quanto o valor do resultado, visto que, se apenas o desvalor da ação estiver presente, o sujeito ativo só terá a possibilidade de ser punido pela tentativa e, em caso de ausência tanto do desvalor da ação quanto do desvalor do resultado, inexistirá punição ao agente que cometeu a infração penal. Com base nos princípios da proteção de bens jurídicos e da prevenção geral negativa, para que a realização do risco seja juridicamente proibida, se faz necessário o nexo entre o perfazimento do perigo e o fim de proteção da norma, bem como, de forma excepcional, nexo de aumento do risco, o qual seria a majoração do risco pelo comportamento proibido em comparação ao comportamento hipotético.

Assim, o Direito teria por finalidade proteger os bens jurídicos, na tentativa de evitar, com proibições de condutas, que determinados acontecimentos se perfaçam e acarretem lesões, corroborando para a percepção de que o desvalor do resultado teria a função precípua de ratificar que as proibições de determinadas condutas pelo Direito tinham sua razão de ser. O desvalor do resultado possui uma certa relatividade, pelo fato deste só verificar-se para um desvalor da ação estabelecido, visto que, a salvaguarda do Direito Penal aos bens jurídicos, é uma salvaguarda contra condutas humanas, levando o desvalor do resultado a ser percebido não só pela ideia de proteção dos bens jurídicos, como também pelo núcleo incomensurável de autonomia e o sopesar de interesses, derivando, desta premissa, a demanda de uma realização do risco, pois, caso o resultado não se efetive por fatos que não tenham correlação com as razões que levaram à desaprovação de determinada conduta, não haverá desvalor do resultado, tendo em vista a ruptura do entrelaçamento entre este e o desvalor da ação.

A realização do risco, como fundamento do desvalor do resultado, possui dois aspectos: o nexo de fim de proteção da norma e o nexo de aumento do risco. Quanto ao primeiro aspecto, é de se perceber que, para que haja a realização do risco, a desaprovação da conduta deve ser justificada para reprimir a lesão de um bem jurídico estabelecido, pelo mecanismo de determinado curso causal, vendo estes a realmente sucederem. Assim, em caso do bem jurídico estabelecido não ser lesionado, mas sim outro, bem como no caso em que o bem jurídico estabelecido sofrer lesão, mas por um curso causal diferente, o resultado ocorrido não será considerado decorrência do risco sob análise, tendo, como exemplo para tal premissa, o caso sujeito que, dirigiu em alta velocidade, mas, depois, já estando na velocidade pertinente à via, atropela um pedestre desatento, o qual estava atravessando a rua, restando comprovado que, se o sujeito que estava na direção do veículo não tivesse ultrapassado a velocidade permitida na via, chegando tempos depois no lugar em que ocorreu o sinistro, o pedestre estaria a salvo, sendo, tal resultado, não inserido no fim de proteção da norma que expressa a velocidade máxima da via, visto que esta tem por fundamento evitar acidentes enquanto se está em velocidade não permitida, e não no momento posterior em que a velocidade máxima está sendo obedecida.

Neste contexto, a norma, cujo fim de proteção se trata, só pode ser a norma de cuidado que o autor infringiu através de sua conduta que, pelo curso causal, provocou o resultado, determinando estas particularidades da conduta que, segundo os fundamentos da causalidade da violação do dever de cautela, deverão ser partes imperiosas para a explicação causal do resultado.

O segundo aspecto da realização do risco, o nexo de aumento do risco, consiste na percepção de que, em determinadas circunstâncias, o agente se comporta de maneira inapropriada, criando um risco juridicamente desaprovado, o que acarreta um fato que a proibição normativa procurava salvaguardar (nexo de fim de proteção da norma) e, mesmo assim, conjunturas posteriores geram dúvidas se a conduta acertada poderia ter deixado o bem jurídico incólume, sendo estas hipóteses denominadas de comportamento alternativo conforme ao direito, surgindo o exemplo do caminhão que, ao ultrapassar um ciclista a uma distância de 75 (setenta e cinco) centímetros, descumprindo a distância mínima para ultrapassagem, assusta-o e o faz cair debaixo da roda traseiro do veículo, matando-o, entretanto, percebe-se que o ciclista estava bêbado, o que acarreta uma impossibilidade de excluir com segurança a ideia de que, se o caminhoneiro tivesse respeitado a distância para a ultrapassagem, o ciclista não tivesse morrido por conta do susto.

Neste panorama, a doutrina e a jurisprudência são dissonantes acerca da resolução desta problemática, sobressaindo duas acepções mais relevantes. A primeira acepção, defendida pela maioria da doutrina e jurisprudência alemãs, seria a teoria da evitabilidade, na qual só haveria a punição pelo delito consumado se o agente, além de ter causado a lesão através de uma conduta antijurídica, seu comportamento correto poderia seguramente ter evitado o resultado. Em caso de não se poder aferir com certeza tal fato, seria necessário a aplicação do princípio do in dubio pro reo e entender o desvalor do resultado como inexistente, punindo o agente pela tentativa, em caso de dolo, ou absolvê-lo, em caso de culpa. A segunda acepção, defendida por diversos autores, a exemplo de Roxin, denominada de teoria do aumento do risco, entendia não ser relevante que a conduta alternativa conforme ao direito evitasse o resultado completamente, mas sim apenas o tornasse menos provável.

Assim, caso o caminhoneiro, com seu comportamento de ultrapassagem proibida, gerasse um aumento no risco de o ciclista embriagado morrer, seria correto imputar-lhe o resultado, qual seja: homicídio culposo. Para Greco, a teoria do aumento do risco seria a mais pertinente, visto que, se há a realização do risco quando o que efetivamente acontecer for aquilo que o direito queria salvaguardar por meio de proibição, nas hipóteses em que a consideração à proibição não gera sequer uma melhora no contexto do bem jurídico, a proibição seria falha. Assim, o direito não teria a possibilidade de perfazer o seu propósito coibindo determinada conduta, não podendo o desvalor do resultado sem o nexo de aumento do risco. Neste diapasão, ainda que a teoria da evitabilidade e a teoria de aumento do risco tenham diversas controvérsias, em ambas, há a exclusão da punição quando houver certeza de que o comportamento pertinente não melhoraria nada em relação a situação do bem jurídico afetado, sendo modelos balizadores e menos punitivistas para uma melhor aplicação da dogmática penal.

Por fim, é cabível salientar que a doutrina não é pacífica em relação à natureza jurídica da imputação objetiva, divergindo, em muitos casos, se ela é excludente do fato típico ou da antijuridicidade. Entretanto, em relação ao ordenamento jurídico-penal brasileiro, fica claro que, majoritariamente, esta teoria é considerada excludente do fato típico, pois está afeta à causalidade, e, na hipótese de sua ausência, o próprio nexo causal é excluído, tornando a conduta atípica. Assim, a teoria da imputação objetiva vem para gerar uma maior segurança jurídica para a teoria do delito, visto que determina, no âmbito do fato típico, e, mais precisamente, no nexo de causalidade, além da observação do nexo físico (relação de causa e efeito), uma análise do nexo normativo no momento da atribuição do resultado, evitando circunstâncias incongruentes acarretadas pela conditio sine qua non e pela causalidade adequada.

Por Wilson Alvares de Lima Júnior (@wilsonalj) – Advogado criminalista de sucessões, professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal, Especialista e Mestre em Direito Penal, Presidente da Comissão de Estudos de Direito Penal e de Direito Processual Penal da Abracrim/PE, autor do livro Adequação Social e Imputação Objetiva: da epistemologia do finalismo ao giro do funcionalismo.

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