As ações são todas ligadas a dívidas da companhia, que passa por recuperação judicial e, em 2023, firmou o maior acordo já feito para quitar débitos de uma empresa com a União na história.
Os processos judiciais contra o aposentado são de naturezas trabalhista, tributária e criminal e foram movidos em 17 estados. Francisco Penha já conseguiu provar a inocência em parte deles. Em outros, foi condenado, mas recorreu em instâncias superiores. Ele chegou a ser envolvido em mais de 5 mil ações no total, segundo a sua defesa.
Em 2021, um ano após a morte da esposa, Francisco, que mora no Recife, foi um dos alvos da Operação Background, da Polícia Federal, que investigava o Grupo João Santos por dívida tributária de R$ 8,6 bilhões e por lavagem de dinheiro.
"Fui acordado às 5h30, na minha casa, com uma [operação de] busca e apreensão. Vasculharam tudo. [...] Muita coisa da minha mulher, ela tinha morrido... Ver as roupas dela serem revistadas...", disse o aposentado em entrevista à TV Globo.
Segundo Francisco, os problemas começaram em fevereiro de 2018, quando tentou usar um cheque para fazer um pagamento. O cheque foi devolvido.
"Fui ao banco para saber. Uma intimação judicial. Aí examinei, e era da Justiça de Palmas, Tocantins. ICMS, dívida trabalhista", afirmou.
Como advogado e economista, Francisco trabalhou a maior parte da vida no Banco do Brasil. Depois que se aposentou, em 1981, foi convidado para trabalhar no grupo, atuando no planejamento estratégico do conglomerado empresarial, responsável por marcas como Cimento Nassau.
De acordo com o aposentado, ele trabalhava fazendo relatórios sobre a contabilidade da companhia e não tomava qualquer decisão sobre as finanças do grupo. No entanto, o cargo que ele ocupava era o de diretor vice-presidente, o que o fez se tornar alvo dos processos movidos contra a empresa.
Francisco pediu demissão em 2015 e já não era mais funcionário quando o grupo entrou em recuperação judicial, em 2022. Especialistas ouvidos pela TV Globo explicaram que, quando isso acontece, além de acionar a companhia, pessoas que foram demitidas também costumam processar presidentes, vice-presidentes e diretores.
Ex-advogado do Grupo João Santos, Taney Farias, que hoje representa o herdeiro do conglomerado empresarial, Fernando Santos, confirmou que Francisco nunca teve poder de decisão para ser responsabilizado na Justiça.
"Ele era um diretor-funcionário. [...] Era o sujeito que tratava com os bancos [...]. Ele tinha poder de tratar dos assuntos. Esses assuntos eram decididos pela presidência", disse Farias.
Venda da casa e bloqueio de conta
Francisco contou que pediu demissão porque, ao menos desde o início dos anos 2000, avisava sobre as irregularidades na contabilidade do grupo, mas os problemas não eram resolvidos.
"Efetivamente a inadimplência começou a me assustar. Não pagar o imposto do estado era um negócio sério. E que dava origem a um crime", conta.
"Eu quis sair porque realmente meus relatórios não estavam surtindo efeito nenhum". Como ex-funcionário, ele também ficou sem receber as verbas rescisórias às quais tinha direito.
"Fiz a renúncia esperando que eles me pagassem o que me deviam. Eles não pagaram. Quando minha esposa começou a adoecer com uma doença imunológica grave, as dificuldades começaram a vir", afirmou o aposentado.
Sem dinheiro, o jeito foi vender a casa onde moravam. "Se eu tivesse recebido as verbas que eu tinha do grupo ainda, eu não tinha chegado ao ponto de vender a minha casa", disse.
Em agosto de 2023, Francisco teve 30% da aposentadoria que recebia do Banco do Brasil bloqueada para pagar pelos processos. A defesa dele recorreu na Justiça e perdeu. Em março deste ano, todo o dinheiro dele foi bloqueado para fazer uma transferência relacionada a uma ação trabalhista.
"Bloquearam a minha conta, o salário [...]. É um crédito do grupo, não tem nada a ver comigo", declarou. Um mês depois, a conta foi desbloqueada.
Em janeiro deste ano, a Justiça Federal retirou Francisco Penha do rol de investigados da Operação Background, atestando a inocência dele no âmbito criminal.
Em depoimento, o presidente da empresa na época, Fernando Santos, disse que Francisco era um dos diretores auxiliares, sem poderes de gestão ou tomada de decisões.
Hoje, de acordo com a advogada e afilhada do aposentado, Maria Eduarda Matos, a maioria processos contra ele é trabalhista.
Ainda segundo a advogada, ele já perdeu 150 ações na Justiça, mas recorre em todas elas.
"Me traz indignação. Muito forte. Estou sendo julgado por crime que eu nunca cometi", lamenta o aposentado.
Falha no sistema judiciário
De acordo com o professor Guilherme Feliciano, da Universidade de São Paulo (USP), o excesso de processos judiciais contra uma pessoa não pode, por si só, ser considerado um ato de má-fé, mas é uma falha do sistema judiciário que precisa ser corrigida.
"O que muitas vezes se observa na Justiça do Trabalho é que determinado elemento que aparentemente exerceu poderes de gestão, mas, na prática, não teve realmente uma participação na atividade gerencial na empresa, acaba sendo indicado como o executado da vez. Se ele, em tese, foi consultor, a rigor, ele não deveria sequer responder. É claro que isto tudo é matéria de prova", explicou.
O integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Marcelo Terto reconheceu que faltam mecanismos para que pessoas que já provaram a inocência deixem de ser processadas.
"As unidades judiciárias precisam se conectar e, a partir de um caso, não só trabalhar no modelo que leve o agravamento do problema de uma pessoa em situação de vulnerabilidade, mas também fazer uma leitura que possa otimizar uma resposta e que possa aliviar o problema de uma pessoa nessa situação", disse.
O que diz o Grupo João Santos
Procurada, a atual administração do Grupo João Santos enviou uma nota informando que as dívidas do grupo geradas até 2022, como a que tem com Francisco Penha, estão sob efeito da recuperação judicial, sendo pagas dentro dos prazos.
O conglomerado empresarial disse ainda que tudo está sendo conduzido de forma a garantir a estabilidade da reestruturação.
Por Mônica Silveira, TV Globo
Fonte: g1