“Mais um Wally ali atrás. É o mesmo, na verdade”, disse o major ao mostrar outra imagem durante reunião fechada com síndicos e lideranças comunitárias da região central da capital paulista, na última quinta-feira (16/5), para explicar como funciona o programa Muralha Paulista, espécie de “Big Brother” da Polícia Militar (PM). A exibição de dados privados no evento foi uma conduta ilegal, segundo especialista em proteção de dados.
O suspeito flagrado por uma câmera ambiental da própria PM, instalada em um prédio nas proximidades do fluxo, no centro de São Paulo, não poderia estar perto de local com venda de bebida alcoólica e nem fora da Comarca de Santos, como alertou sistema da SSP. A localização dele em meio a outros usuários foi apontada por um retângulo verde, com o nome exibido para todos os participantes do encontro.
“A ideia é substituir essa imagem pela imagem da câmera da frente de um condomínio dos senhores. A todo momento, essas pessoas estão sendo analisadas e verificadas”, disse Fernandes, como forma de convencer síndicos a cederem as imagens de câmeras de seus condomínios para serem analisadas por software do sistema Muralha Paulista, programa de megaviligância que está sendo estruturado por uma empresa árabe.
Além de expor o usuário de crack, o major da PM tirou uma foto de si próprio para exemplificar como se dá a identificação a partir do celular de policiais nas ruas, no momento em que é feita uma abordagem. Em clima de descontração, os participantes da reunião disseram que era preciso checar se ele mesmo não estava sendo procurado. “Estou sendo procurado pela minha mulher, que faz uma hora que não me acha”, disse Fernandes, sob risos da plateia.
Durante a apresentação, Fernandes também aproveitou para contar uma “história curiosa”, segundo ele mesmo, sobre como apresentou imagens do fluxo da Cracolândia para outras pessoas. “Dou aula na Academia do Barro Branco e um dos alunos do Sesc entrou e disse que ouvia falar da Cracolândia pela mídia, né? Aí, fui mostrar, dei um zoom ali na região da Cracolândia e disse que tínhamos as câmeras ambientais. Aí apontou e viu um cara vendendo crack”, afirmou.
Ilegal
O advogado Bruno Bioni, doutor em Direito Comercial e mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a exibição de dados de terceiros para o público, flagrada pelo Metrópoles, é uma conduta ilegal.
“Em hipótese alguma, para demonstração, seja até mesmo interna, a depender de quem vai ser envolvido, deveria haver a exibição de dados pessoais, incluindo nome, sobrenome ou qualquer outra coisa do tipo. Qualquer tipo de exibição deveria passar por algum tipo de anonimização”, ressalta.
O advogado lembra que já há uma literatura acadêmica do assunto que associa os sistemas de reconhecimento com reforço de discriminação de alguns públicos, como os cidadãos de pele negra. Mas ele destaca que há outros perigos com a adoção de modelos como o apresentado pela PM.
“Nada garante que esse mesmo sistema, que em tese poderia buscar pessoas que fugiram do sistema prisional, não poderia ser abusado, para você perseguir ou mesmo identificar pessoa em que você tem, eventualmente, uma desavença política. E isso traz risco até à democracia”, alerta.
O que diz a SSP
A SSP foi questionada e não se manifestou sobre a conduta do major durante a reunião. Em nota, disse que, além da avaliação de tecnologias e dispositivos, “a instituição também ampliou o diálogo com a sociedade civil organizada a fim de garantir a segurança da população”.
“Todo processo é conduzido em estrita conformidade com a legislação vigente”, afirmou a SSP.
Por William Cardoso e Bruno Ribeiro
Fonte: metropoles.com