A prisão ocorreu em 11 de novembro de 2022, após uma vizinha chamar a Polícia Militar por suspeita de violência doméstica entre a indígena e o companheiro. Ao chegar à delegacia, os policiais descobriram um mandado de prisão em aberto contra ela, por suposta participação em um homicídio em Manaus, em 2018.
A Rede Amazônica teve acesso ao processo. De acordo com a denúncia, como não havia cela feminina na delegacia, a mulher foi colocada junto com presos homens. Foi nesse contexto que os abusos começaram.
O caso só foi denunciado às autoridades em 27 de agosto de 2023, quando ela foi transferida para a Unidade Prisional Feminina de Manaus nove meses após a prisão. Ela apontou como autores quatro policiais militares e um guarda municipal.
"Desde novembro de 2022, quando foi recolhida na delegacia de Santo Antônio do Içá, até a transferência em agosto de 2023, ela foi vítima de agressões físicas, abusos morais e estupros coletivos cometidos por cinco agentes públicos", diz trecho do processo.
Segundo o advogado Dacimar de Souza Carneiro, que representa a vítima, os abusos ocorriam em diferentes áreas da delegacia — na cela, na cozinha e na sala onde eram guardadas as armas — e mesmo com o bebê ao lado. “Os policiais diziam: ‘Quem manda aqui somos nós’”, relata o documento.
Ação de indenização
Em fevereiro deste ano, a defesa da indígena ingressou com uma ação de indenização contra o Estado, pedindo R$ 500 mil pelos abusos sofridos. Entre os elementos apresentados, há o relato de que um juiz teria visitado a carceragem da delegacia antes do Natal de 2022, constatado as irregularidades e ordenado verbalmente que ela fosse retirada do local — o que não ocorreu.
"O juiz disse para o delegado que ela não era presa dele e que tinha que mandar ela embora de lá. Que sabia que ela estava com o bebê na delegacia. Depois disso, nunca mais o viu", disse a vítima em depoimento anexado ao processo.
Ela também revelou ter sido obrigada a consumir bebida alcoólica com os policiais durante os abusos. “Os estupros aconteciam à noite, nos plantões. Em todas as áreas da delegacia. Os outros presos não falavam nada porque também eram torturados”.
A defesa argumenta que o Estado foi omisso ao manter a mulher presa em condições degradantes, sem qualquer assistência médica ou psicológica, mesmo estando grávida — situação que, por lei, garantiria direito à prisão domiciliar. O pedido, no entanto, ainda não foi analisado.
Além da indenização, a indígena solicita acompanhamento médico e psicológico urgente fora da prisão e que o tempo sob custódia do Estado seja contado em dobro, devido às violações sofridas.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e a Polícia Civil informaram que foi instaurado um procedimento para apurar o caso.
Já a Polícia Militar afirmou que abriu um inquérito policial militar, atualmente em fase final de investigação.
O g1 também procurou o Tribunal de Justiça do Amazonas e a Defensoria Pública, mas não tinha recebido resposta até a última atualização desta reportagem.
MPAM acompanha o caso
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Ministério Público acompanha caso de indígena vítima de abuso sexual durante custódia no interior do Amazonas. — Foto: Divulgação/MPAM |
Nesta terça-feira (22), o Ministério Público (MPAM) informou que acompanha com rigor o caso da indígena. Segundo o órgão, os abusos teriam ocorrido enquanto ela estava presa com o filho recém-nascido e sem acesso a cuidados médicos ou psicológicos após o parto.
Após a repercussão do caso, uma comitiva liderada pela procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque, esteve com a vítima na Cadeia Pública Feminina de Manaus para ouvir seu relato e garantir acolhimento institucional.
O MP reforçou que o caso será tratado com firmeza e atenção, e que está atuando tanto no acompanhamento das investigações criminais quanto na ação cível de indenização movida pela vítima.
As corregedorias das Polícias Civil, Militar e do Sistema de Segurança também acompanham o caso, que corre sob sigilo na esfera criminal. Na esfera cível, a vítima pede reparação por danos morais e materiais. O MP reiterou que nenhuma forma de violência será tolerada e garantiu suporte à vítima por meio do núcleo de atendimento especializado.
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53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. — Foto: Divulgação/Polícia Civil |
Por Matheus Castro, Daniel Landazuri, g1 AM — Manaus
Fonte: g1