Detido em 2012, o homem, que pediu para não ser identificado, afirmou durante anos que era inocente e não tinha qualquer relação com o crime. Ele tinha trabalho com carteira assinada e não possuía antecedentes criminais. A correção da injustiça só foi possível após o homem ser ouvido por uma defensora pública que atuava no presídio onde cumpria pena.
Em entrevista ao g1, a defensora pública Bruna Eitelwein Leite, que representou o homem no júri que determinou sua absolvição, o caso foi marcado por falhas desde o início das investigações.
“O processo foi para o júri com base em boatos e suposições, sem qualquer indício concreto de autoria”, declarou.
Segundo a defensora, a polícia descartou uma linha investigativa que apontava outro possível suspeito.
“Desde o boletim de ocorrência, o nome de outra pessoa apareceu. A primeira vítima sobrevivente disse que não reconheceu o autor, mas que suspeitava dessa pessoa. Mesmo assim, ela nunca foi investigada”, afirmou.
A versão da acusação se baseou unicamente na interpretação de que o réu teria ajudado a manter as vítimas no local do crime. O g1 procurou o TJPE para comentar o caso, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
“Ele estava no local confraternizando com as vítimas, saiu um pouco para atender uma ligação sobre uma casa para alugar, voltou e depois foi chamado pela esposa para ir à casa da sogra. Por conta disso, começaram a dizer que ele teria ligado para os executores e avisado que todos estavam no local”, explicou a defensora.
Ainda de acordo com Bruna, uma das vítimas sobreviventes foi à delegacia e confirmou que o acusado apenas saiu para atender a ligação, sem qualquer atitude suspeita.
“Ela disse: ‘a única coisa de estranho foi que ele saiu para atender uma ligação’. Só isso, nada além disso. Depois, em um segundo depoimento, ela menciona a ligação, o que já é estranho. E, mesmo assim, nenhuma prova foi produzida a partir disso”, afirmou.
Condenação baseada em boatos
Segundo a defensora, a denúncia formal se baseou em comentários de duas testemunhas que disseram em depoimento que "ouviram dizer" que o homem era o mandante do crime e estava no local "dando bebida e comida para manter todo mundo no local até os executores chegarem".
A mulher que fez a ligação para o acusado também foi ouvida na delegacia e confirmou o contato.
“Ela disse: ‘eu liguei para ele porque ele estava procurando uma casa para alugar. Eu não o conheço pessoalmente, mas soube que ele precisava e entrei em contato’. Mesmo com essa confirmação, não foi pedida a quebra do sigilo telefônico”, relatou a defensora.
No julgamento de 2015, mesmo com a confirmação da testemunha de que havia feito a ligação e a ausência de outras provas, o homem foi condenado a 50 anos de prisão.
Após a condenação, o réu passou anos preso sem que a Defensoria Pública tivesse conhecimento da decisão. Isso porque não houve a intimação pessoal da instituição, prevista por lei.
“A Defensoria tem a prerrogativa de ser intimada pessoalmente em todos os atos processuais. O processo era físico e deveria ter sido enviado para a sede da Defensoria. Isso não aconteceu, e o juiz certificou o trânsito em julgado como se a Defensoria não tivesse recorrido”, explicou Bruna.
O erro foi descoberto apenas em 2020, durante a pandemia, por meio de um atendimento feito pela defensora pública Mariana Resende Lima, na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá, no Grande Recife.
“O assistido dizia: ‘eu sou inocente, por favor, me ajude’. A colega conseguiu verificar no sistema público do tribunal que o processo não tinha sido enviado para a Defensoria e interpôs o recurso de apelação”, disse.
O juiz negou o recurso por entender que o prazo já havia se esgotado. O defensor público Dennis Antônio Leite Borges, que atuava na vara do processo, então interveio.
“Ele conseguiu falar com o magistrado e demonstrou que a Defensoria não tinha sido intimada como manda a lei. O juiz reconsiderou e aceitou o recurso”, contou Bruna.
Durante o tempo em que o processo tramitava, os outros dois acusados — considerados os executores — foram absolvidos em julgamentos posteriores. Apenas o homem defendido pela Defensoria seguia condenado.
Decisão ilegal
Somente em março deste ano, o Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou a realização de um novo julgamento.
“Ele foi solto em março deste ano. O novo júri foi realizado em julho, e finalmente, ele foi absolvido. O próprio Ministério Público reconheceu o erro e pediu a absolvição”, afirmou a defensora.
Após a absolvição, o homem foi encaminhado ao Núcleo Cível da Defensoria Pública do Cabo de Santo Agostinho, onde será orientado a ingressar com ação indenizatória contra o Estado.
“Passaram-se quase 13 anos para corrigir uma injustiça. A gente vai entrar com ação indenizatória, requerendo que o Estado repare esse dano”, afirmou.
Por Iris Costa, g1 PE
Fonte: g1