Em 30 páginas de voto, Nunes Marques argumentou que não seria competência do STF julgar o caso em questão e que Zambelli foi ofendida com palavras e termos misóginos pelo jornalista Luan. Disse ainda que não cabe o crime de constrangimento ilegal imputado à ré na denúncia, declarando extinta a sua punibilidade.
Considerou ainda em seu voto que a ré deve ser absolvida em relação ao crime de porte ilegal de arma de fogo, “uma vez que o fato não constitui infração de natureza penal, podendo caracterizar, em tese, ilícito administrativo”.
Competência
Entre os motivos para caracterizar a incompetência do STF para julgar o caso, Nunes Marques citou que, a partir do julgamento da AP 937, o Supremo restringiu o foro por prerrogativa de função aos crimes praticados no cargo e em razão do cargo. Ou seja, “é indispensável que haja relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo”.
O ministro, então afirmou: “As circunstâncias de a acusada encontrar-se no exercício do cargo de deputada federal e de ter havido discussão relacionada às eleições, por si sós, não bastam para justificar a competência desta Corte”, disse no voto divergente.
O caso em questão trata de ação penal após denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Zambelli por ela ter perseguido, de arma em punho, o jornalista Luan Araújo, considerado apoiador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O caso aconteceu em outubro de 2022, pelas ruas dos Jardins, bairro nobre de São Paulo.
Xingamentos
Nunes Marques ainda considerou que Zambelli foi gravemente ofendida pelo jornalista e que, em nenhum momento, o provocou, sendo, conforme demonstram vídeos, provocada.
“As gravações em vídeo anexadas aos autos – das quais foram extraídas as imagens colacionadas em laudo pericial e nas alegações finais da defesa – demonstram que Luan Araújo, juntamente com as pessoas que o acompanhavam, passa, por três vezes, em frente ao restaurante em que a ré se encontrava e chega a apontar para o local. As imagens evidenciam que Luan sabia onde a ré almoçava e, provavelmente, premeditou realizar as provocações e as agressões morais contra a parlamentar naquele dia”, ressalta.
O ministro ainda completou que a expressão “te amo espanhola”, usada por Luan, “caracterizou a prática de ofensa grave à honra da ré, pois remetia à difamação que ela havia sofrido anteriormente, quando lhe fora atribuída, falsamente, inclusive por meio das redes sociais, a conduta de ter se prostituído na Espanha quando residiu naquele país”.
Votação
Até o momento, Nunes Marques foi o único ministro votar contra a aplicação da pena de 5 anos e 3 meses de prisão em regime semiaberto a Carla Zambelli, além da perda do mandato, pelas acusações de porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal. O processo estava parado desde o pedido de vista do ministro – no retorno da análise, no plenário virtual, ele foi contra a condenação.
A parlamentar, já sentenciada a 10 anos de prisão pela invasão do sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), está presa na Itália. O julgamento dessa ação penal refere-se ao caso em que Zambelli sacou uma arma contra um jornalista em via pública, em São Paulo, durante o segundo turno das eleições de 2022.
O julgamento foi retomado nesta sexta já com maioria pela condenação, a partir do voto do ministro Gilmar Mendes, relator da ação penal. Com o voto de Nunes Marques, o placar está em 6 a 1. A sessão virtual começou nesta sexta, às 11h, e vai até as 23h59 do dia 22 de agosto.
O ministro Gilmar Mendes foi acompanhado, até o momento, por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Dias Toffoli.
Veja o que diz o voto de Gilmar Mendes, relator do caso:
• Unificação das penas fixadas para cada crime, nos termos dos arts. 69 e 72 do Código Penal, totalizando o montante de 5 anos e 3 meses de pena privativa de liberdade e 80 dias-multa, observada a execução da pena de reclusão antes da pena de detenção.
• Fixa o regime inicial de cumprimento de pena em semiaberto.
• Entende que o STF sedimentou, por larga maioria, que condenação criminal transitada em julgado resulta na perda do mandato, independentemente da quantidade de pena aplicada, do regime de cumprimento de pena ou de posterior decisão da Casa do parlamentar.
• Portanto, em atenção à jurisprudência desta Corte, decreta a perda do mandato parlamentar da deputada federal Carla Zambelli como efeito da condenação criminal.
• Determina cancelamento definitivo da autorização de porte de arma de fogo da ré. A arma de fogo apreendida deve ser levada ao Comando do Exército.
A advogada Dora Cavalcanti, que representa o jornalista Luan Araújo, afirma que o voto do ministro Gilmar Mendes “reconstitui com precisão a dinâmica da violência sofrida pela vítima”. A equipe jurídica de Zambelli alega cerceamento de defesa.
Por Manoela Alcântara
Fonte: metropoles.com